The Ghost Cat of Ouma Crossing (1954) de Bin Kado: **
Um filme retirado do cânone kaidan da Daiei, talvez o primeiro estúdio a apostar seriamente numa vertente mais ligada ao terror, rebuscado das suas origens folclóricas. Para além da série de filmes Ghost Cat (este filme é o terceiro capítulo) como não lembrar essa obra-prima de Mizoguchi chamada Tales of Ugetsu? O que, todavia, esse filme tinha de inovador e refrescante, este tem de repetitivo e algo inspirado pela gramática comum do género. No caso, temos a típica história de vingança à Yotsuya Kaidan - há mesmo uma referência à peça nos minutos finais em que as actrizes a ensaiam, antes de serem vítimas da maldição final, tal como os personagens que interpretam , um jogo de espelhos referênciais interessante. Tal inspiração, porém, parece ser uma desculpa para se apostar num terreno seguro e pouco arriscado, usando, mesmo em termos de imagem, disposítivos cénicos, truques de câmera e alguns jogos de montagem que, por esta altura, já estamos habituados e à espera de um pouco mais.
Happiness of Us Alone (1961) de Zenzo Matsuyama: *****
Comovente retrato sobre as dificuldades de um casal de surdos (ele surdo-mudo, ela surda) em constituir família e sobreviver aos tempos ingratos e pouco felizes do pós-guerra. Mas esta é uma proposta inteligente o bastante para apurar os sentimentos na sua dimensão mais profunda e, apesar das várias pequenas histórias que se vão intercalando, nunca se perde o foco da relação singular entre os dois amáveis protagonistas. A prova disso é a obrigatória recusa da linguagem falada aquando da comunicação entre Michio (Keiju Kobayashi) e Akiko (Hideko Takamine), duas interpretações estrondosas, que através dos gestos, olhares e sorrisos nos transmitem uma ideia mais precisa e imediata dos seus sentimentos, fazendo entrar o espectador no seu mundo próprio. Nesta acepção sou apoiante daquele que disse que o modelo último de um actor de cinema é o mudo, já que as suas supostas palavras podem estar muito bem escritas ao lado, simplesmente como um apontamento mais detalhado do que se pretendia dizer. Aqui, - e ao contrário de A Scene at the Sea (1991), outro exercício em que o amor se reduzia ao silêncio profundo dos dois amantes surdos-mudos - a tremenda magia destes dois gigantes do cinema é que conseguem ainda dizer mais do que as próprias palavras, são estas que ficam aquém da mímica. Não se trata, por isso, só de exprimir mais com menos, mas de criar um elo de ligação íntimo entre o espectador habituado à redução óbvia da psicologia pelo díalogo, e estes personagens belos, surdos de ouvidos, mas com emoções mais visíveis, inclusive mais audíveis espiritualmente, do que as nossas. Bravo, Zenzo Matsuyama.
Orgy (1967) de Koji Wakamatsu: ***
Este raro filme de Wakamatsu, felizmente emitido na estação televisiva italiana RAI3 como forma de homenagem ao pai do pink político recém falecido, entra em consonância total com o resto da sua obra dos finais dos anos 60, princípios dos 70 por escolher uma certa preponderância alegórica e um tratamento de imagem cuidado. Não esquecendo, também, o diálogo com a tradição de filmes de hitman - o que significa que o cinema de Wakamatsu pactuava, por vezes, com os géneros cinematográficos para criticar mais abrangentemente os poderosos, os capitalistas e os patrões malditos - Orgy pouco tem de erótico em sentido estricto. Podemos até dizer que a Orgia referida no título não é mais do que uma metáfora para a multiplicidade de interesses, papeis e intervenientes que o dinheiro faz movimentar, numa fome de sempre pôr os sujeitos a querer alcançar a sua expansão: ter-se, a si e aos outros. Comparada assim, a ganância monetária à sexualidade sem motores sentimentais que não a satisfação momentânea, eis que Wakamatsu suavemente nos convencia de que o amor poderia ser a salvação para se arrebatar com a doença da exploração do homem pelo outro. Nada de mais cínico que este epílogo: uma lixeira a céu aberto chamada de mundo capitalista onde mesmo o amor existe como manipulação interesseira, uma saída falsa como todas as outras, condenada ao extermínio pela sua insustentabilidade.
The Egoists (2011) de Ryuichi Hiroki: *
Se havia alguma coisa de relevante a dizer acerca das relações entre homem e mulher, Hiroki já o tinha dito (e surpreendentemente bem) nessas duas análises complexas que foram Vibrator (2003) e It's Only Talk (2005). Num caso como no outro - perdoe-se a tentativa de homogeneidade - tratam-se de deambulações afectivas que são assombradas pelo espectro da solidão, num caso, e noutro pela depressão (com contornos maníacos). Mais do que essa descrição lenta das passagens e dos andares (como se fossem, afinal, road-movies não espaciais, mas mentais), Hiroki conseguia também filmar a mulher sem tiques de moralista (conservando, um certo fetichismo fascinado, que vem certamente do seu passado como realizador pink) e, libertando os seus próprios personagens de uma psicologia fechada, a esperança seria a de que se esbatesse uma linha narrativa muito definida, sem, ainda assim, a destruir. O equilíbrio é difícil de alcançar e, certamente, o problema maior deste Egoists - que é um problema comum a quase todos os outros filmes de Hiroki, exceptuando esses dois em que tudo se encaixa na perfeição - é que está simultaneamente liberto de um esquema narrativo único, mas como não consegue expurgar os seus personagens das ocasiões em que, de cada vez, estão inseridos, nem tão pouco consegue dar-lhes uma interioridade independente o bastante para serem mais do que se representa à primeira vista, ficamos com uma imagem diminuida em quase todos os aspectos. Filmagens de uma relação a dois aqui sem o espírito certeiro de antigamente, confiando em demasia numa espécie de roteiro de coisas a suceder umas às outras: acontece x e depois y, sendo que cada acontecimento muda as coordenadas dos dois amantes. Retira-se importância ao interior psicológico em virtude de uma mudança alternada (e, algumas vezes, descabida) que vem sempre do exterior (da acção narrativa) e condiciona, de maneira decisiva, o interior, os personagens. O grande problema é que este interior faz-se valer como uma concha vazia, por esperar desenlaces alheios, e também são assim os seus intervenientes: falta-lhes insight, falta-lhes espírito.
The Egoists (2011) de Ryuichi Hiroki: *
Se havia alguma coisa de relevante a dizer acerca das relações entre homem e mulher, Hiroki já o tinha dito (e surpreendentemente bem) nessas duas análises complexas que foram Vibrator (2003) e It's Only Talk (2005). Num caso como no outro - perdoe-se a tentativa de homogeneidade - tratam-se de deambulações afectivas que são assombradas pelo espectro da solidão, num caso, e noutro pela depressão (com contornos maníacos). Mais do que essa descrição lenta das passagens e dos andares (como se fossem, afinal, road-movies não espaciais, mas mentais), Hiroki conseguia também filmar a mulher sem tiques de moralista (conservando, um certo fetichismo fascinado, que vem certamente do seu passado como realizador pink) e, libertando os seus próprios personagens de uma psicologia fechada, a esperança seria a de que se esbatesse uma linha narrativa muito definida, sem, ainda assim, a destruir. O equilíbrio é difícil de alcançar e, certamente, o problema maior deste Egoists - que é um problema comum a quase todos os outros filmes de Hiroki, exceptuando esses dois em que tudo se encaixa na perfeição - é que está simultaneamente liberto de um esquema narrativo único, mas como não consegue expurgar os seus personagens das ocasiões em que, de cada vez, estão inseridos, nem tão pouco consegue dar-lhes uma interioridade independente o bastante para serem mais do que se representa à primeira vista, ficamos com uma imagem diminuida em quase todos os aspectos. Filmagens de uma relação a dois aqui sem o espírito certeiro de antigamente, confiando em demasia numa espécie de roteiro de coisas a suceder umas às outras: acontece x e depois y, sendo que cada acontecimento muda as coordenadas dos dois amantes. Retira-se importância ao interior psicológico em virtude de uma mudança alternada (e, algumas vezes, descabida) que vem sempre do exterior (da acção narrativa) e condiciona, de maneira decisiva, o interior, os personagens. O grande problema é que este interior faz-se valer como uma concha vazia, por esperar desenlaces alheios, e também são assim os seus intervenientes: falta-lhes insight, falta-lhes espírito.
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