03/11/12

Fragmentos de 2011/09/22


Intimidation (1960) de Koreyoshi Kurahara: ***
Um film-noir curto, mas empolgante, atmosférico (é esta a palavra ideal para toda a boxset da Criterion) e que, para além de alguns planos bem conseguidos e carregados de tensão (os sons e certos objectos que, por serem repetidos com outra carga, sublinham os frissons) , consegue encher o espectador com reviravoltas narrativas bem suculentas, aliando tudo isso a um certo canto pessimista sobre a ambição desmedida e amizade.



The Warped Ones (1960) de Koreyoshi Kurahara: *****
Não é exagero nenhum dizer que, se por esta altura, a Nouvelle Vague Shochiku fazia os possíveis e os impossíveis para apimentar o clima artesanal cinematográfico, apostando no tema da juventude revoltada para aquecer os ânimos, Kurahara com esta obra-prima parecia que nem se esforçava para fazê-lo, e melhor o fazia. E se alguns podem criticar a falta deliberada de esquemas narrativos, grandes significados metafóricos ou intuitos sociais mais avançados, é porque The Warped Ones vê-se como se ouve jazz: basta ter uma personagem melodiosa para tudo o resto, por improviso, nascer.



The Conspirator (1961) de Daisuke Ito: ***
Não é uma obra-prima como o seu The Ambitious , mas não esconde alguma considerável perícia técnica aliada à narrativa, principalmente na última cena: sepukku sangrento, com uma honra retorcida e por isso mesmo, dramática.



A Wife Confesses (1961) de Yasuzo Masumura: ****
Começa como um relâmpago e nunca deixa de encadear os olhos com a sua furiosa atmosfera e ritmo. Passado num tribunal, com flash-backs à thriller, Masumura engendra uma espécie de drama despedaçado, onde o espectador não é jamais deixado incólume quanto a juízos de carácter. O personagem masculino é assim o típico espectador (homem) nesta descida aos infernos que é feminina, e, por esse mesmo facto, vai de julgamento em julgamento, de amor em desamor, até acabar solitário e mudo, enquanto os desenlaces se efectuam a despeito dele mesmo.



I Hate But Love (1962) de Koreyoshi Kurahara: **
O duo romântico típico da Nikkatsu, Yujiro Ishihara e Ruriko Asaoka, protagonizam esta aparente comédia de paixões, que se revela um drama ligeiro sobre o amor verdadeiro. Ainda que a maneira como se sobreleva o romantismo do personagem principal, por ser, justamente, contra todo o sistema televisivo e sua namorada, me faça lembrar as considerações sociais e metafóricas do primeiro Masumura, aqui custou-me ver a personagem de Asaoka, que, no início do filme parecia tão promissora, reduzida a queixume melodramático por umas quantas longas e repetitivas sequências. Apesar disso, o final do filme é a prova de como "de palavras" também este filme não foi só feito.



Black Sun (1964) de Koreyoshi Kurahara: ***
Black Sun executa pior o que, por comparação, The Warped Ones significava: por um lado, a tentativa de dar uma narrativa precisa ao que, por anarquia, se parecia constituir por si próprio, depois, tentar subjugar isso a uma mensagem. Não é que, certos momentos sejam de valor, mas parece-me que, se o anterior filme era, de facto, uma transposição perfeita para cinema do que é o jazz, aqui - e mesmo com a fenomenal banda-sonora de Max Roach - o jazz aparece em segundo-plano, embora aparentemente esteja muito mais presente no meio de toda a narrativa. Um tem a estrutura do jazz, outro cita-o abundantemente.



Fort Graveyard (1965) de Kihachi Okamoto: ****
Um filme bélico, sempre entretido e criativo - com um Toshiro Mifune sério a contrabalançar o espectáculo de pantomina - provando, mais uma vez, que Okamoto é o mestre das trági-comédias.



The Thirst for Love (1966) de Koreyoshi Kurahara: ****
Esta adaptação de um romance escrito por Yukio Mishima demonstra-nos Ruriko Asaoka em todo o seu esplendor, com uma interpretação complexa e atormentada por belezas viscerais (tal é o centro de toda a inquietação de Mishima: como é que algo que faz descer à fatalidade, isto é, a beleza, pode sobreviver e permanecer soberana no mundo e nem ter consciência disso mesmo). Mesmo com uma cena final tão intensa como aquela, a única coisa que ainda assim lamentamos é não ser tão radicalmente extasiante como, por exemplo, as obras desta altura de Yoshida ou de Imamura.



Abortion (1966) de Masao Adachi: ***
Embora este exercício especulativo e singularmente metafórico esteja recheado de corajosas experimentações, é ainda como obra de intervalo que Abortion se apresenta. Se, aliás, o personagem principal, negro ginecologista com inquietações identitárias, partilha do mesmo nome do agressor edipiano de The Embryo Hunts in Secret é porque ambos representam uma constelação de um cinema por vir: a sexualidade transcende a procriação ou o desejo ardente e faz-se matéria questionante, a matéria de que os sonhos e as alucinações são feitos.



Drifting Avenger (1968) de Jun'ya Sato: 0
No decorrer de uma retrospectiva dos filmes disponíveis de Jun'ya Sato, eis que faltava esta bizarra proposta dos estúdios Toei, filmada na Austrália (porque uma pradaria não tem nacionalidade). Segundo o seu comunicado de imprensa da altura, diziam eles que este era um western com uma sensibilidade japonesa. Quando o filme acabou, já não sabia dizer se o que tinha visto era um western, ou se era, de todo, um filme japonês com uma cambada de péssimos actores ocidentais tristemente dobrados por outros actores japoneses. Já Ken Takakura não se sai muito melhor e parece simplesmente deslocado de uma super-produção que afinal não era assim tão super como se pensava (Jun'ya Sato nem travelings faz: para mover a câmara, recua com o zoom). A narrativa também é ela de uma simplicidade aterradora, provando que filmes baseados num actor tem apetência para correrem muito mal.



Sword of Fury (1973) de Tai Kato: *****
Depois de ver a trilogia de Inagaki e os cinco filmes de Uchida, não há dúvida de que quem ganha a medalha de ouro, no que a adaptações do mítico Musashi Miyamoto dizem respeito, é Tai Kato com esta inteligente versão, muito mais curta, mas mais intensa e crítica do que as anteriores (esqueçam o herói zen, aqui Miyamoto é duvidoso, às vezes cínico, mas apesar de tudo matreiro). Uma palavra quanto à estética: este é simultaneamente o filme mais bem filmado de Kato, o mais minucioso e aquele no qual o uso dos seus famosos "low-angles" atinge o zénite da sua perfeição!



Rhyme of Vengeance (1977) de Kon Ichikawa: **
Neste segundo filme das aventuras do inspector Kindaichi, Ichikawa não lança o seu olhar mais longe do que lançara com The Inugami Family. Mesma estrutura de filme, jogando pela defesa, com um academismo que, por sua sorte, até funciona já que são os desenvolvimentos da narrativa e o seu desenlace (replicando a estrutura policial dos romances adaptados) que conta mais. Ainda assim - e mesmo com 2 horas e meia de filme - sempre temos Tomisaburo Wakayama para nos deliciar...



Flames of Blood (1981) de Tai Kato: ****
O que dissemos sobre Sword of Fury dizemos deste último filme de Kato: exigente tecnicamente, muito bem construído narrativamente. É também sempre agradável ver um filme em torno do grande Bunta Sugawara, que aqui arrecada um dos mais satisfatórios papéis da sua carreira.

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