08/11/12

Fragmentos de 2012/08/13


A Brother and His Younger Sister (1939) de Yasujiro Shimazu: **
Não é tão interessante como Our Neighbor Miss Yae nem tão entretido como The Trio's Engagements, os dois outros filmes de Shimazu que andavam por ai. E, para complicar, o final apressado e pouco ou nada resolutivo (que era um "lugar-comum" da época: emigração para a Manchúria), acaba por fazer perder o interesse que vinha sendo construido acerca das obrigações sociais e o papel da mulher na crescente evolução social nipónica.



Sincere Heart (1953) de Masaki Kobayashi: ***
Neste segundo filme de Kobayashi voltamos a aperceber-nos da influêcia inquestionável de Kinoshita na realização e argumento dos primeiros filmes daquele que viria a ser uma das vozes mais originais do cinema japonês. Como exercício cinematográfico (e abstraindo-nos de uma suposta coerência autoral que muitas vezes confunde os juizos), este é um filme de primeiros-amores trágico, mas muito perspicaz na construção do drama, caindo poucas vezes no melodramatismo gratuito.



One-Way Ticket to Love (1960) de Masahiro Shinoda: ***
O que parecia ser um filme puro de encomenda, revelou ser uma boa surpresa dentro do género New Wave Shochiku. Não é, claro, tão satisfatório como Cruel Story of Youth ou Good-For-Nothing, dois filmes realizados pelos dois companheiros de Shinoda do mesmo estúdio e no mesmo ano, Oshima e Yoshida. Conta-se as aventuras da noite de Shinjuku, com um protagonista que, lentamente, vai sendo corrompido pela relação que tem com uma rapariga que anteriormente tinha salvado do suicídio. Ao contrário dos dois filmes acima citados, este é diferente no ponto central: ambos tratam o momento de queda moral da juventude, mas se os outros pegam na figura masculina e a tornam responsável desde o princípio, aqui é uma mulher que vai confundido as coisas e mudando as coordenadas de um, primeiramente, pacífico protagonista. A cena do concerto é já bastante madura principalmente pela música e certos efeitos sonoros que relembram a estilísitca de obras mais completas e arrojadas.



Dry Lake (1960) de Masahiro Shinoda: ***
Tal como as fotos das variadas personalidades políticas que estão penduradas no quarto do nosso anti-herói (desde Fidel Castro a Adolf Hitler) este outro filme de Shinoda com argumento de Shuji Terayama (ele mesmo tem uma cameo como membro do comité político estudantil) funciona como uma sonda das diversas e contraditórias mentalidades e tomadas de posição de um período conturbado da história nipónica. Sendo o seu único e verdadeiro problema uma certa dispersão narrativa, não deixa de ser, ainda assim, um estudo psicológico e político de personagens bastante interessante e com os seus pontos altos.



Shamisen and Motorcycle (1961) de Masahiro Shinoda: **
Com uma introdução agradável aos olhos e que apontava alguma ironia e humor, esperavávmos que o filme continuasse com essa disposição mais ácida (uma professora de shamisen sente-se incomodada com o barulho do trânsito lá fora) mas rapidamente nos encontramos numa narrativa já vista e um pouco artificial e telenovelesca sobre desilusões e mentiras maternais, desembocando em complexos de identidade por parte da geração mais nova, como se esses mesmos problemas de identidade fossem uma consequência das mentiras da velha geração. Percebe-se que a ideia desta dicotomia entre tradição e modernidade possa ter sido aliciante antes da feitura mais detalhada do script, mas o resultado final acabou por puxar pela parte mais melodramática. Todavia, se é um ponto a favor, no final, que o filme não tenha cedido ao fim trágico que já se previa, mais de metade do filme tem cenas pouco relevantes e menos boas.



Our Marriage (1961) de Masahiro Shinoda: ***
Ao que parece uma produção apressada pedida pela Shochiku a Shinoda - Zenzo Matsuyama escreveu o argumento em 3 dias - , acabou por ser um filme inicial da New Wave pouco simplista, ainda que o tema dilacerante da pobreza e felicidade possa ser uma constante já muito trilhada nos filmes desta altura. Aqui, Shinoda recorre ao talento de uma estreante, mas talentosa Chieko Baisho e de uma cinematografia bastante madura que consegue pôr bem em imagens o script que só esperávamos ser um pouco mais arrojado.



Tears on the Lion's Mane (1962) de Masahiro Shinoda: ****
Destaco já a excelente banda-sonora de Toru Takemitsu nesta melancólica história de amor e obrigação, nada nova no seu conteúdo (apesar dos "toques" do génio que havia já em Shuji Terayama), mas extraordinariamente bem filmada com uma cinematografia assombrosa (grande trabalho de iluminação!) que torna o que poderia ser mais um caso melodramático numa mais ambiciosa e negra experiência.



Black Lizard (1962) de Umetsugu Inoue: ****
Um festival orgiástico recheado de cores, sons e estilo. A verdade é que esta primeira adaptação da obra de Edogawa Rampo partilha do mesmo tratamento do "remake" (algo inferior) de Fukasaku, na medida em que alia satisfatóriamente a estética "pop" às perversões e obsessões dos personagens singulares que percorrem a intriga, recriando uma espécie de espectáculo musical kitsch pulverizado de genialidade imagética. Para além disso, uma leitura Mishimana não se afigura excessiva (foi ele que voltou a adaptar a obra para teatro na qual este filme se baseia) pois, para além de tornar o detective Akechi e a vilã ladra e artista, Black Lizard, antagonistas complexos, mas ainda assim, mais semelhantes a super-heróis do que personagens de policiais, vai também buscar a inquietação da beleza fatal e da maldade associada à inteligência como sede de corporeidade. É por isso também uma versão "light" mas não superficial, mais "pulp", mas nada estúpida (a mistura entre diálogos e coreografias cénicas é até bastante sagaz) dos motivos literários de Mishima.



Brave Red Flower of the North (1970) de Yasuo Furuhata: 0
Mais um ninkyo misturado com influências americanas, principalmente no domínio visual, já que este é daquelas produções da Toei fascinada com pradarias, cavalos, chapéus de cowboy e armas de fogo. A premissa é igual a tantos outros contos de cavalaria: começa-se com o típico tributo aos mortos e consequente passagem do testemunho do poder da família, demonstra-se a crueldade de um grupo de ambiciosos sem escrúpulos do outro lado, depois um forasteiro chega e assume a responsabilidade destruindo ou ajudando a destruir os antagonismos numa sangrenta cena final que se repete tantas vezes ao longo destas filmografias e que, como alguém dizia, faz ver que a honra e a humanidade, pares supostamente unidos, se vêem separados, obrigando os personagens a fazerem uma escolha derradeira entre uma e outra. Há os que conseguem dar mais alguma coisa a esta estrutura fixa, mas Yasuo Furuhata aqui não faz mais do que aplicar a fórmula e os lugares-comuns que todos conhecemos a um meio mais ocidentalizado.



Oh, My Son! (1979) de Keisuke Kinoshita: **
Última aparição de Hideko Takamine no grande ecrã, Oh My Son prometia mais do que deu. Trata-se de um filme de alerta sobre as carências da legislação japonesa no que a famílias de vítimas diz respeito. Tomisaburo Wakayama tem uma prestação forte, mas há-que dizer que o argumento muito descritivo nas emoções dos personagens, mas pouco focado nas questões que levanta (sendo que a componente teórica das ideias defendidas na tela é pouco inteligente e algo populista) não ajuda o talento que obviamente há dentro e fora do set.



Flic (2004) de Masahiro Kobayashi: *
Apesar de se perceber teoricamente as tentativas radicais de mudança formal que são inerentes ao esforço no cinema de Kobayashi, isso não proporciona necessariamente um filme agradável de se ver. Não consigo deixar de sentir que houve algum canibalismo no estilo e se é verdade que a segunda parte do filme tem momentos muito fortes e intensos (principalmente pelo papel da montagem, que era quase inexistente na primeira parte), também é verdade que o build-up para lá se chegar é preguiçoso e pouco inventivo, repetindo enquadramentos e abusando de planos-sequência que vão perdendo, a pouco e pouco nesse acto de excessivo uso, algum do investimento emocional que seria necessário.



L'anabase de May et Fusako Shigenobu, Masao Adachi et 27 années sans images (2011) de Eric Baudelaire: ***
Não é um objecto cinematográfico para todos nem se recomenda para quem não tem interesse ou nas filmografias forasteiras de Masao Adachi ou na estadia temerária dos membros do Exército Vermelho em Israel (claro que as duas dimensões se confundem). Os relatos da filha de Fusako Shigenobu são bastante tocantes, e as memórias de Adachi são retrospectivas sem a distância habitual que é apanágio deste tipo de documentários. Tudo isto é feito rememorando a forma da "teoria da paisagem" iniciada pelo próprio Adachi e outros nos idos de 60, funcionado todo o filme como um exercício epistolar, à distância, de paisagens que outrora Adachi e May trilharam.



Himizu (2011) de Sion Sono: 0
As experiências provocadas pelos filmes do Sr. Sono estão a ficar cada vez mais ridículas e cada vez menos suportáveis. Ao tocar o exagero da representação e dando uma psicologia sobrecarregada de psicose aos seus personagens, que parecem ter a complexidade de um veículo sem mudanças, obviamente que se pretendia dar-lhes uma espécie de crueza poética - assim explica o próprio Sono -, só que aquilo que torna autoral esta obra é o que a denigre e a torna, justamente, pouco recomendável. A narrativa é um misto de comichosa rebelião juvenil com preocupações mais nacionais, visto usar-se a situação recente do terramoto nipónico. Depois há uma noção - que se repete tantas vezes nos seus mais recentes filmes - de que "twists" narrativos desenvolvem os personagens de maneira definitiva quando as constantes mudanças de carácter tornam tudo num espectáculo inverosímil, ao sabor da perversidade do próprio realizador, que muda as coordenadas quando lhe bem apetece e quer. Um profundo sentimento interior de misantropia que se mostra superficial exteriormente, na sua obra, vai levando a mente de Sono a criar estes longos, desorganizados e desinteressantes filmes, musicados com peças clássicas que transmitem pesar e que demonstram - entre outras coisas negativas - que se trata de um estilo repudiantemente sensacionalista, mesmo quando se tenta provar que a redenção pode existir.

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