08/11/12

Fragmentos de 2012/10/02


Black Snow (1965) de Tetsuji Takechi: ****
Este aguardado filme do provocador Takechi acabou por surpreender pelo seu ritmo pausado, respirado com longos planos-sequência, relembrando, a passos, alguns dos pesadelos formais que a sua geração ainda veio a aguçar mais, até às últimas consequências. Obviamente este é um filme histórico por ter sido a causa do aprisionamento e julgamento posterior de Takechi, uma jogada política para demonstrar a outros realizadores que os filmes pink não deviam chegar desta maneira tão violenta e arrojada ao grande público. De facto, se há algum nudismo, o que mais deve ter assustado as autoridades foi, sem dúvida, o carácter apático e anti-social do protagonista, também ele um percurssor do que seriam os heróis nos filmes de Wakamatsu ou outros. Depois, para além de um espírito anti-americano que é recorrente, percebemos que a estética onírica que era essencial em Daydream, aqui aparece com outros contornos, mas salvaguardando-se o essencial.



Crimson Bat, the Blind Swordswoman (1969) de Sadatsugu Matsuda: **
Recentemente remasterizado com melhor imagem e com a trilha sonora original (andavam por aí versões dobradas num inglês sofrivel), esta saga de quatro filmes é uma mistura incomum dos motivos vingadores das heróinas protagonizadas por Meiko Kaji (Lady Snowblood), Junko Fuji (Red Peony Gambler) ou até mesmo Junko Miyazono (Legends of the Poisonous Seductress) com um toque à la Zatoichi, já que aqui a heroína é cega e aparenta ser, tal como o famoso massagista, frágil e susceptível. Na primeira metade do filme a componente visual é grandiosa e o uso dos conhecidos truques de iluminação de estúdio estão presentes, assim como os detalhes da cenografia que são magistrais. Porém, narrativamente temos a típica história de vingança, entrecruzada com o ressurgir de passados negros de várias personagens, algo que se torna um pouco cansativo por ser previsível e melodramático (mas essas são as vicissitudes do género). De resto, nada mais a assinalar senão uma curiosa e mediana introdução à personagem e às aventuras de Oichi.



Trapped, the Crimson Bat (1969) de Sadatsugu Matsuda: **
Tinhamos dito que a personagem interpretada por Yoko Matsuyama era ligeiramente diferente dos modelos que se inspira. Isso deve-se, maioritariamente, por ser uma versão mais delicada e feminina da mulher assassina. Neste segundo capítulo, que é o filme final de Sadatsugu Matsuda, Oichi como que encontra uma felicidade provisória junto de um homem para, novamente e com ainda mais melancolia, regressar à sua vida usual de forasteira. Trata-se de uma estratégia comum de aprofundamento de um personagem que é, de alguma maneira, um pária mas que nunca esquece a possibilidade de um certo tipo de redenção junto daqueles que nega, os homens. Tal personagem existe a potes no cinema japonês e aqui temos mais um testemunho da sua complexidade, mesmo sendo um filme apoiado numa certa repetição incomodativa, que é a repetição do género.



Watch Out, Crimson Bat (1969) de Hirokazu Ichimura: *
Neste terceiro capítulo, Oichi tem de entregar um pergaminho que lhe foi confiado por um moribundo. Nessa viagem encontra o típico rival que se tornará um companheiro de viagem. Mais uma vez, Oichi é confrontada com os seus instintos de apego para os renegar numa batalha final sangrenta e violenta. Na sequência dos outros dois capítulos, este não se consegue destacar nem do primeiro, porque não desenvolve quase nada mais da personagem pricipal, nem do segundo, porque repete o mesmo esquema psicológico de Oichi.



Crimson Bat, Oichi: Wanted, Dead or Alive (1970) de Hirokazu Ichimura: *
O fechamento da saga mostra-nos um filme descentralizado da personagem principal e mais interessado nas relações que vão circulando em torno da protagonista (resulta curiosa a inclusão do misterioso personagem interpretado por Tetsuro Tanba). É por isso mesmo, pouco concentrado narrativamente, mesmo rebuscando alguma da inspiração imagética que vivia no primeiro filme e na sequência final do segundo (a mais completa, nesse domínio, de toda a saga). Um final que ainda assim sabe a pouco.



May Love Be Restored (1980) de Shigeyuki Yamane: **
Trata-se de um romance trágico entre um jovem aspirante ao sacerdócio e uma rapariga inocente vendida a um bordel pelos pais. Os dois prometeram casar-se quando pequenos e são, por isso, confontados com um mundo em constante mudança, que aparentemente faz renegar as promessas de eternidade. A paixão é vista como o desejo de aprisionar as constantes flutuações da realidade, como elas nos transformam ao ponto de nos tornarmos irreconhecíveis. O tema é este, mesmo que em termos imagéticos estejamos perante um filme feito à medida dos anos 80, com o seu estilo simplificado e redundantemente televisivo. A história e os dissabores dos personagens servem mais a uma interpretação da mítica história do incêndio do Templo do Pavilhão Dourado. Interpretação essa, aqui menos intelectualizada do que a versão mais conhecida de Yukio Mishima, mas mais interessada na componente trágica do amor e da sua impossibilidade. Neste sentido, não só o final raivoso, mas toda a parte do funcionamento do bordel e da perda da inocência da protagonista fez-me lembrar os filmes tardios de Hideo Gosha (como, por exemplo, The Geisha ou Tokyo Bordello).



Rape Climax! (1987) de Hisayasu Sato: *
Perfilam-se aqui certas obsessões temáticas do maligno - e, mesmo com piores filmes, sempre interessante - Sato, desta feita, criando um jogo de desconexão e identidade que poderia ter resultado bastante melhor se se optasse por caminhos imagéticos mais caprichosos (como o próprio viria a fazer). O problema dos filmes "pink" costumam ser as às vezes supérfluas cenas de sexo que aqui ainda tornam a experiência menos aprazível estéticamente.



East Meets West (1995) de Kihachi Okamoto: 0
Nem se pode dizer que o Este encontrou o Oeste, nem tão pouco parece Okamoto ter encontrado o seu "norte" nesta simplista e desastrada aventura "blockbuster" de mixórdia que não consegue fazer justiça nem ao filme de sabre, nem às visões dos grandes mestres do western, ficando todo o exercício preso a uma mediocre experiência pulverizada com coisas que podiam ter sido melhores. Pior do que isto, é a contínua tentativa de encher os tempos mortos com um "comic relief" que não funciona de maneira nenhuma, e consegue ainda desesperar mais o espectador. Quando penso que este filme foi realizado por alguém que fez obras definitivas como The Sword of Doom ou The Age of Assassins fico um pouco incrédulo.



Sharaku (1995) de Masahiro Shinoda: ***
A história do misterioso pintor Sharaku (bom complemento a outras obras sobre pintores) é aqui contada por Shinoda de uma maneira leve, mas não leviana, articulando aqui a representação da vida japonesa do século XVIII com as rotinas artísticas e suas rivalidades. É, por isso mesmo, das obras melhores do período tardio de Shinoda, que, como sabemos, não é muito favorável a obras-primas, nem a bons filmes, sequer. Ouça-se também a eclética (desde instrumentos tradicionais a sonoridades mais jazzy) e penúltima banda-sonora de Toru Takemitsu. Um mimo.



ANPO - Art X War (2010) de Linda Hoaglund: ****
Um documentário muito inteligente que vai ziguezagueando entre relatos na primeira pessoa e sequências imagéticas estáticas (pinturas e fotos) ou móveis (documentos da altura ou excertos de filmes) sobre a relação complicadíssima entre os Estados Unidos da América e o Japão, desde o final da 2ª Guerra, passando pela contestação nos anos 60 sobre o famoso tratado de mútua cooperação e segurança, até ao ainda existente problema das bases americanas em Okinawa. A forma intervalada do documentário permite que as imagens falem por si e tenham o seu tempo de intervenção na retina do espectador, contando elas ainda melhor a história do que qualquer testemunho documentado em video, servindo mais como uma muleta informativa do que outra coisa. Para mim, mais do que as fotografias e até alguns clássicos do cinema que vão aparecendo, a mais valia são mesmo as pinturas que me abriram para um mundo que eu julgava desconhecido (a pintura contemporânea japonesa). Nesse domínio, para além do meu conhecido Tadanori Yokoo, artistas como Tatsuo Ikeda, Hiroshi Nakamura, Shigeo Ishii, mas principalmente Kikuji Yamashita (que obra estarrecedora!) foram descobertas completamente decisivas e são um testemunho vincado a negro de estados disposicionais crepusculares, resultado de um tempo histórico não menos negro.



Ashita no Joe (2011) de Fumihiko Sori: *
Sendo um ávido leitor do mítico manga original, entrei relutante para esta adaptação, que parecia tão fiel imagéticamente às aventuras do trágico pugilista, Joe. Pois bem, se de facto, se confirmou essa componente fidedigna quando à imagem (às vezes até demasiado fiel, resultando forçada alguma inclusão de imagens manga num universo imagem real), o espírito não está totalmente lá. E isso, deve-se, principalmente à prestação que mais importante seria, a de Joe. O actor que, em vez de representar a fúria, o sangue quente, mas também a amizade e os sentimentos mais nobres, preferiu optar por uma espécie de postura de lobo solitrário, sem grandes sentimentos ou fervuras, o que diminiu toda a compaixão que poderia haver. Outro falhanço, deve-se ao facto de a narrativa estar construida de uma maneira pouco perspicaz, já que lambuza as passagens cruciais do manga, mas não percebe que seria preciso momentos mortos para desenvolver os personagens. Uma pena, já que, apesar das dúvidas, parecia prometer uma boa empresa.



Hanezu (2011) de Naomi Kawase: ***
Há quem julgue ser um dos melhores filmes de Kawase, mas, não deixei de achar que as imagens, muitas vezes arrebatadoras, foram-se tornando mais banais à medida que a história se desenvolvia, um olhar acima de tudo, mitológico acerca da guerra do amor. Algumas boas ideias imagéticas ficaram um pouco manchadas por menos boas interpretações.



Ace Attorney (2012) de Takashi Miike: *
O novo filme de Miike é insuficiente a vários níveis mas consegue entreter. Porém, tem uma dificuldade enorme em se afirmar como objecto cinematográfico independente, pedindo emprestado todas as ideias imagéticas a uma versão pouco plausível (mas tendo em conta o medium original e relativamente a ele, credível) de um jogo-de-video.

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