02/11/12

Fragmentos de 2011/08/10


Stolen Desire (1958) de Shohei Imamura: ***
Primeiro filme de Imamura e, ainda pecando por falta de subtileza, já se pode considerar um filme marcante da sua carreira. Alguém disse que este poderia ser já um filme contestatário da estilística da velha guarda (Ozu: iniciante de Imamura). Depois de ver um filme de Kawashima e contrabalançando com este, percebe-se que esse mesmo seria o verdadeiro mestre de Imamura.



Nishi Ginza Station (1958) de Shohei Imamura: **
Este segundo e curto filme de Imamura representa, em primeiro lugar, um retrocesso face ao seu já maduro primeiro filme. Aproximando-se da lógica de um filme encomendado pela Nikkatsu, mesmo assim, Imamura consegue salpicar a película com alguns momentos de sátira sexual, trabalhando-se assim uma visão ácida e corrosiva do papel do casamento e do homem assalariado no final dos anos 50.



Ningen (1962) de Kaneto Shindo: ***
Shindo filma aqui uma espécie de precursor formal de Onibaba: poucos meios, quatro ou cinco personagens (grande cast) e um enredo, que desformalizado, pretende ir à essência das coisas (ou seja, o registo é o alegórico). Também tal como o filme de 64, aqui Shindo define o que é o homem através das suas zonas limítrofes. Só desconstruíndo é que se pode enxergar o processo de construção. Apesar de tudo bater certo, podemos ficar com a sensação de que a matemática alegórica pode ser uma simplificação de enredo e personagens, embora certas cenas sejam argutas, como não poderiam deixar de ser.



A Gambler's Life: The Massacring Fudo (1969) de Kimiyoshi Yasuda: **
Este que é o último filme de Raizo Ichikawa meses antes da sua morte prematura, representa a última vaga de filmes da Daiei que fecharia também as portas uns anos depois. É um filme de despedida, embora seja uma program picture como muitas outras, realizada com a mestria artesanal que é apanágio do estúdio.



Battles Without Honor and Humanity: Aftermath (1979) de Eiichi Kudo: *****
Uma estonteante pérola desconhecida. Assim poderíamos falar deste último capítulo (da descontínua saga de 9 filmes, oito deles realizados por Kinji Fukasaku) Battles Without Honor and Humanity. Neste último capítulo, Eiichi Kudo esforça-se por afastar os típicos tiques que tornaram a série um marco na história do cinema japonês. Câmara distante dos personagens, teimosia no plano fixo mesmo sendo este um filme de acção (Fukasaku, sabemos, usava a câmara livre como se fosse um olho humano a agonizar), e a construção de um ambiente meio desolador, meio dormente, à la final dos anos 70, em que a orquestra furiosa dos outros filmes é substituída por canções enka amarguradas. E depois, há Jinpachi Nezu que aqui, mais uma vez, está simplesmente siderante.



Seven Days War (1988) de Hiroshi Sugawara: **
Esta produção dos anos 80 é o típico filme Kadokawa direccionado para um público mais juvenil. Se a Kadokawa fica para a história como sendo não só a primeira "casa" dos primeiros filmes de Shinji Somai, mas também por nos ter oferecido pequenas pérolas como W's Tragedy ou The Beast To Die, tal surpresa não se pode aplicar a este entretido mas frustrado exercício de simplicidade, ainda que pudesse parecer que no, decorrer das primeiras sequências, iríamos presenciar hiperbolismos que, dentro da crítica leve do ensino demasiado autoritário, seriam muito bem-vindos.



Tokiwa: The Manga Apartment (1996) de Jun Ichikawa: ****
O célebre mutismo de Ichikawa e a sua idiossincrática maneira de filmar - como quem se detêm em cada cena, não como sequência de uma outra, mas como uma fotografia ou as linhas de um haiku - estão no seu apogeu nesta adaptação da célebre e verídica história dos apartamentos Tokiwa. Quem sabe um pouco de história do Manga, sabe eventualmente reconhecer os nomes dos personagens que perfilam neste exercício zen: Osamu Tezuka, Fujiko Fujio, Shotaro Ishinomori, Fujio Akatsuka e mesmo o "pessimista" Yoshiharu Tsuge. A escolha de Ichikawa em escolher um manga-ka muito menos conhecido, Hiroo Terada como centro da acção, relembra-me o mote ozuesco (provando que Ichikawa foi o último verdadeiro sucessor desse estilo) de que se deve "esconder o que o espectador mais quer ver". Assim, o cinema será a arte do resto, a vida enquanto vida e não a vida como espectáculo. Ichikawa neste Tokiwa, consegue exactamente isso mesmo: uma visão natural, e não naturalista, da arte, da vida e dos seus protagonistas.



The Most Beautiful Night in the World (2008) de Daisuke Tengan: *
Por causa da extensíssima duração (2 horas e 40 minutos), só muito recentemente ganhei coragem para ver este filme de Tengan (que já nos tinha oferecido uma agradável - Aiki - e uma menos boa - Alone in the Dark - experiência) e, apesar da bizarra narrativa, que, esperava eu, poder ser um sinónimo de uma inteligente e temerária experiência, ficamos aqui pela pura e simples brejeirice, mascarada de arrojo. Este é um filme que sofre dos mesmos pecados - mas aqui multiplicados -que já o último filme de Imamura padecia (também esse escrito por Tengan): muitas personagens, exagerada duração e um tratamento da sexualidade básico e infantil.



One Million Yen and the Nigamushi Woman (2008) de Yuki Tanada: ****
Depois de duas felizes, mas ainda imperfeitas, tentativas (Moon and Cherry e Ain't no Tomorrow's), temos realizadora! Eis que Yuki Tanada nos brinda com este filme convencionalmente independente mas que demonstra muita inteligência e muito tacto num certo amor e dedicação que dá aos personagens. Embora ache Yu Aoi um pouco sobrevalorizada, aqui ela realmente brilha e demonstra que a fama tem o seu proveito!



Alice in the Underworld (2009) de Mari Terashima: 0
E eu que pensava que já não podia haver mais criminosas adaptações, leituras, interpretações (venha o diabo e escolha!) do conto de Lewis Carol... Se a idiotice Tim Burtoniana era superficialmente gótica para agradar a teenagers que pensam que a Alice foi criada pela escritora de vampiros com problemas existenciais de pacotilha, então esta curta de Mari Terashima (uma das mais antigas realizadoras experimentais japonesas) é um vómito experimental, pretendendo-se grotesco, colorido para aquelas garotas que sonham que na era Victoriana é que era! Essa junção da moda underground com cinema indie foi, para mim, verdadeiramente penosa, porque, mais uma vez, nos damos conta de uma apropriação de universos díspares (afinal que mal fez a pequena Alice?), unidos somente por uma teimosia estética com laivos saudosistas que compacta o diferente no mesmo. De animações rudimentares, filmagens dinâmicas à anuncio de perfume, passando ainda por piscares de olho ao cinema mudo e legendas que mais parecem ter saído de um videojogo, Mari Terashima não se apercebe que aqui o grotesco tem mais que ver com o indiemente aceitável e não com o resto. E a pobre Alice, todos falam dela mas ninguém a compreende! Mais valia ter ficado pelo público da "literatura infantil"...



Cold Fish (2010) de Sion Sono: ***
Sion Sono prova mais uma vez aqui que é um realizador de excessos: em todos os seus mais recentes filmes parece-nos que se teima no exagero, na violência temática e gráfica dos argumentos e, principalmente, no carácter psicologicamente movediço das suas personagens (nada parece ser estável no mundo filmado de Sono). Se a sua linguagem cinemática é esta (o exagero pode ser tanto que inclusive roça a irrealidade: Love Exposure), muita desta sua carga excessiva ou funciona ou é frustrada com enormes proporções. Neste caso, poder-se-ia dizer que é um misto. De facto, Cold Fish tem momentos muito bem conseguidos, mas alguns tiques e algumas palermices (já se percebeu que Sono gosta de mulheres..) que o tornam uma experiência um tanto desequilibrada. Mesmo assim, e apesar do plot da família desunida e da "falta de comunicação" existente começar a ser uma constante repetida e um pouco enervante nos seus filmes (Noriko's Dinner Table, Love Exposure, Be Sure to Share etc.), parece-nos que a cena final consegue ser intensa e desconcertante o bastante - assim como a metáfora simples, mas eficaz do planetário - para este ser um satisfatório, e por vezes, bem forte, retrato de um serial-killer pela força tragicamente ocasional das circunstâncias.

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