06/11/12

Fragmentos de 2012/02/10


Jubilation Street (1944) de Keisuke Kinoshita: **
Um dos primeiros filmes de Kinoshita que revela uma certa tendência de pactuar com o sistema de censura da guerra e ainda assim criticar sobre o ponto-de-vista dos afectos (também o seu filme posterior, The Army, faria isso). À parte disso, temos um drama que só finalmente se aguça na sequência perto do final (que deveria ter fechado o filme, e não a cena patriótica que ficou) do encontro dos residentes do bairro à chuva, confrontados com uma morte e um nascimento, reais, mas simbólicos.



The Girl I Loved (1946) de Keisuke Kinoshita: ***
Aparentemente um filme sobre a alegria simples de viver depois do flagelo da guerra, e apesar dos tons bucólicos e campestres, Kinoshita consegue aqui imprimir uma certa dose de desconcerto à personagem principal (cinematicamente resulta tudo muito bem: fades que desembocam em "close-ups", montagem particularmente equilibrada entre o grande plano / campo contra-campo). Visto que se trata de um filme feito num ano bastante precário para o cinema é certamente um bom exercício de montagem no sentido de desvendar o interior dos personagens.



Phoenix (1947) de Keisuke Kinoshita: ****
Como a fénix do título, aqui temos uma Kinuyo Tanaka completamente "desdobrável", a renascer das cinzas e das adversidades com uma interpretação completa, sendo que a câmara de Kinoshita alcança momentos sublimes.



Fireworks Over the Sea (1951) de Keisuke Kinoshita: **
Mais uma vez, peca-se aqui pelos mesmos excessos de outros filmes da época. Demasiados personagens, uma narrativa à deriva que abre demasiadas portas para as poder fechar todas bem, e um ritmo que vai ao sabor de uma certa mixórdia de intenções e carácteres. No final, podia tudo ser melhor executado. 



A Cat, Two Women, and One Man (1956) de Shiro Toyoda: ****
Uma mirabolante e inteligente comédia sobre confusões passionais e jogos de intensões de poder entre duas gerações diferentes de mulheres (na verdade são três) , uma gata e um pobre-diabo. Para além disso - e de uma forma meio absurda, meio preocupante - se este é um filme baseado numa obra de Junichiro Tanizaki, o mestre dos comportamentos desviantes, entra aqui em cena o tema da obsessão (aqui mais do que sexual) e de como essa focagem pode transformar o mundo de quem tem essa obsessão, arrastando todos os seus intervenientes para ela, para se acabar, finalmente, numa solidão com tons de poesia maldita (fez-me lembrar, por razões diferentes o final de The Pornographers de Imamura). Toyoda, nessa senda, consegue fazer que o seu filme constantemente esteja a balouçar entre a comédia de enganos e um registo mais ácido e sardónico, nunca deixando a narrativa esmorecer.



Danger Stalks Near (1957) de Keisuke Kinoshita: ****
Bastante peculiar este verdadeiro mergulho sociológico na classe média-baixa japonesa, tomando como palco (das acções e injunções), uma casa com vários moradores, uma velha mulher que funciona como dona de um negócio de arrendamento, e um casal com um filho que tenta sobreviver da melhor maneira (estão todos excelentes, mas Hideko Takamine rouba o espectáculo) . Para além das muitas "tropelias argentárias" (grande JCM!), é realmente salutar ver como Kinoshita joga com o olhar do espectador e a sua expectativa, mantendo no meio da confusão dos planos rápidos e da acelarada montagem, um trio de rufias que planeiam repetidamente um assalto com o olhar, e que, ao longo da fulgurante narrativa, nunca se consegue efectivar, gracejando-se assim com o estatuto flutuante do espectador, alguém que, no meio da previsibilidade do acto da visão, permite-se ser surpreendido.



The Eternal Rainbow (1958) de Keisuke Kinoshita: **
Iniciando-se com portentosas cenas industriais de uma fábrica de caminhos de ferro com direito a um narrador contando à gente as glórias da pátria nipónica, The Eternal Rainbow poderia deixar anunciar uma estrutura formal de um cinema nacionalista com tendências de facilitismo panfletário. Se bem que esse prenúncio não deixa de ser saturado e mesmo confirmando-se ao longo do filme, a personagem do jovem trabalhador com dúvidas quanto à sua existência e futuro do seu trabalho é uma boa maneira de estabelecer um diálogo interno e paradoxal entre o discurso propagandístico vigente e as inquietações normais do povo que lá trabalha e do espectador mais crítico que assiste ao "espectáculo".



Farewell to the Spring (1958) de Keisuke Kinoshita: **
Propondo-se contar as mudanças de um mundo que se acreditava ser eterno e imutável, neste filme de Kinoshita a amizade surge como o simulacro da transiência, sendo que os amigos recém encontrados lentamente vão descobrindo que não há heroismo, nem ídolos intocáveis num mundo aquático e sempre em mutação. Infelizmente, a filmagem peca por uma falta de invenção e uma linearidade que, de todos os modos, não faz justiça completa ao que se pretende filmar e transmitir.



Thus Another Day (1959) de Keisuke Kinoshita: ***
Não me deixou de surpreender este exercício linear de Kinoshita a transformar-se numa proposta bem mais arrojada. Aquele último plano-sequência distante é primoroso e fez-me "tremer" ainda que tudo o resto seja mais comedido e menos intenso (para, justamente, haver tal build-up).



Return of the Vagabond (1960) de Buichi Sato: 0
Um filme industrial da Nikkatsu com um Akira Kobayashi um pouco frouxo, um Joe Shishido mais festivo mas ainda assim imaturo, e uma história bastante previsível, com pouco ou nada a oferecer - mesmo a acção é mal filmada e insípida.



Golden Eyes (1968) de Jun Fukuda: *
Este é um filme de estúdio no sentido mais pejorativo do termo. Muita acção, muito estilo de pacotilha, muito aborrecimento e pouca invenção.



Himiko (1974) de Masahiro Shinoda: ****
Extraordinária produção ATG com uma quantidade de talentos artísticos reunidos. Para além da exímia realização de Shinoda (nunca pensei que conseguisse retomar uma abordagem quase tão radical como a sua suprema obra-prima Double Suicide), dos talentos de representação de Shima Iwashita e Rentaro Mikuni, de realçar sobretudo a música onírica de Takemitsu e o maravilhamento arrojado das coreografias de Tatsumi Hijikata e a sua trupe infernal de Butoh.



Father (1988) de Keisuke Kinoshita: *
Quem diria que o último filme de Kinoshita seria tão pouco satisfatório, permanecendo numa medianidade narrativa e apostando quase exclusivamente no personagem do Pai tosco e traquinas, para, no final, entendermos a sua humanidade na modéstia (sendo assim a maldade, pura ignorância desculpável). Não queria atirar tiros para o ar, mas parece-me que há qualquer coisa de Tora-san neste filme e isso quase que evoca uma tentativa de conquistar o mesmo público doméstico, não deixando ver muito mais do que "modelos" filmícos e não personagens de carne e osso.

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