Cuban Lover (1969) de Kazuo Kuroki: ****
Produzido por Noriaki Tsuchimoto em terras cubanas, este filme do aprimorado Kazuo Kuroki - muita embora seja produto de improvisos sobre improvisos - consegue estupendamente ainda jogar com uma dimensão alegórica que, retomando certa tendência da altura, uma história de amor com base nos seus arredores espaciais, consegue replicar ou encenar o que seria o encontro real entre dois países, se eles magicamente se personificassem e se apaixonassem. O personagem de Tsugawa é portanto símbolo de um Japão turista que se enamora, por não conhecer (ou já se ter esquecido) da pobreza e da luta pela revolução daí consequente. Tudo é, portanto turismo para este personagem, repugnante por um lado, muitíssimo familiar por outro. A rapariga cubana, tal como todo o ambiente da ilha de Fidel, é filmado com esse estrangeirismo sempre apaixonado e idealista. Mas essa paixão é ela mesma vítima de uma visão turística e pouco sábia, quando comparada com a profundidade dos problemas sociais e da memória revolucionária cubana, alegoricamente representada pela rapariga que nunca perceberá o Japão, mesmo que o ame. Por jogar constantemente com este tipo de paradoxos e contradições, este filme - à primeira vista propagandístico - é bastante mais rico e complexo do que poderia parecer, pois joga ele mesmo com as fraquezas dos seus personagens, não as escondendo, mas desenvolvendo-as para provar a radical impermeabilidade entre culturas e indivíduos.
Curse of God Dog (1977) de Shunya Ito: **
Posterior aos seus três famosos filmes da saga Female Prisoner Scorpion , este exercício assombrado parecia ser a maneira ideal de Shunya Ito compactar o seu talento visual (enquadramentos, cores) com apontamentos surreais e de desconstrução da própria imagem (pense-se na estilística realmente alucinante de Female Convict Scorpion Jailhouse 41, essa obra-prima bastante subvalorizada). Pois bem, se tal talento não se lhe nega, o argumento, já isso, é vítima de uma enorme suspeita, ficando com enormes omissões, personagens mal desenvolvidas, e se o próprio ritmo da narrativa é exageradamente a despachar no início, lá para o fim as coisas começam a ficar mais oníricas, não se sabe se de propósito ou não. Pior do que tudo isso, é que em termos diegéticos, a metáfora de "cuida da natureza ou então ela não cuidará de nós" podia ter sido muito melhor explorada (veja-se Fire Festival de Yanagimachi) cruzando-se isso com um filme de amaldiçoamentos fantasmagóricos que, apesar de fornercerem umas quantas cenas aprimoradas (a cena do exorcismo, por exemplo), pareciam ter ficado melhor no papel do que em película.
The Shogun Assassins (1979) de Sadao Nakajima: **
Este épico da Toei remonta à altura em que o estúdio deixara os seus filmes de yakuza e virara-se para longos filmes de época com inúmeros personagens e complexas tramas, com uma componente dedicada quase exclusivamente ao entretenimento. Se a versão Fukusakiana desta tendência, The Shogun's Samurai conseguia uma mistura realmente inovadora de géneros, sem perder o pé quanto a uma narrativa que se poderia facilmente perder, com esta nova tentativa, Nakajima executa pior do que o seu companheiro de estúdio, se bem que as suas qualidades como contador de histórias dificilmente podiam ter sido como as de Fukasaku, visto a dificuldade da tarefa. De facto, não se trata mesmo de um problema de duração, mas a de uma mistura de géneros algo esquizofrénica (ninjas, cometas?, filme de guerra à Kurosawa?) que nos confunde um pouco a seriedade e já que se aproveitaram algumas personagens históricas, o relato é decididamente anti-histórico e anti-fáctico. Isso até pode ser bom noutras circunstâncias, mas aqui só nos confunde ainda mais. Sadao Nakajima, apesar de nos manter os frissons, e de ter algumas ideias bem pensadas, parece estar sempre a construir castelos de areia, numa maré confusa que rapidamente os deita abaixo.
Night in the Nude: Salvation (2010) de Takashi Ishii: 0
Tudo o que aparentemente podiamos conceber de meritório no trabalho de Ishii vai pelo cano abaixo nesta ridícula retoma de narrativa, mais de quinze anos depois do seu outro Night in the Nude (sem o Salvation). Insuficiente história para a cansativa duração, personagens de uma superficialidade atroz (para não falar na representação duvidosa de certos actores) e, pior do que tudo isso, um tratamento de imagem muito insípido se compararmos este filme aos seus predecessores, com um digital tímido e sequências algo amadoras. Até os sucessivos fades revelam uma sensibilidade foleira na montagem.
Permanent Nobara (2010) de Daihachi Yoshida: ***
Após um fulgurante início de carreira e de um segundo filme menos inspirado, mas ainda assim interessante noutras leituras, Daihachi Yoshida lança-se num produção típica de uma certa onda estética (que condiciona a temática) do cinema japonês: ambientes sossegados, rurais ou litorais, personagens inofensivas mas idiossincráticas e um gosto requintado por mulheres pouco usuais. Mas, com este retrato que podia cair na repetição total de certos lugares-comuns alternativos (também o alternativo tem a sua sombra), Yoshida dá meia-volta e desenvolve complexamente a personagem principal, que parecia ficar naquela indescritibilidade própria deste tipo de heróinas contemporâneas. Essa reviravolta, que se concentra no último terço do filme, deu um outro sabor à experiência toda, provando, outra vez, que Daihachi Yoshida é um caso a seguir futuramente na geração japonesa, infelizmente pouco inventiva, das promessas mais recentes.
Sketches of Kaitan City (2010) de Kazuyoshi Kumakiri: *****
O que Kumakiri tinha proposto fazer aqui era, no mínimo, arriscado. Adaptar as pequenas histórias de Yasushi Sato, que se suicidara antes de terminá-las era uma tarefa labírintica, pois tal como no caso do seu autor, havia perigo de derrocada criativa. O filme, portanto, tem este contacto realmente místico não só com a sua incompletude, mas com o carácter fragmentário da própria vida dessas personagens gélidas e embaciadas, como as ruas e o mar de Kaitan, filmado com uma sensibilidade infrene, que estando em todo o lado e em cada plano, se parece ir perdendo suavemente, à medida que nos despedimos dos silencios, do vento e do sol encoberto que carregam as montanhas. Nada nos impede de sermos afectados pelos casos específicos aqui apresentados, mas o peso que julgamos carregar depois de sairmos de lá é o peso de toda a humanidade. A isso, se juntarmos os nocturnos de Jim O'Rourke, ficamos com uma verdadeira experiência cinematográfica!
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