07/11/12

Fragmentos de 2012/04/29


A Mother Never Dies (1942) de Mikio Naruse: *
Para o 67º filme de Naruse a que assisto, calhou um exercício menos aprumado com contornos de uma certa inocência propagandística. Falar da produção cultural durante a guerra é sempre algo difícil e exige uma certa distância e espírito crítico. No caso, retrata-se, na primeira metade, a figura materna, elevada quase à santidade, e mais tarde, vira-se a câmara para os árduos esforços do pai que depois do abalo familiar e da perda da esposa se dedica à educação do seu filho e à criação de novas invenções. Alguma simplificação e pouca subtileza fazem deste filme menor um tímido oponente se compararmos à quase obra-prima de Ozu, do mesmo ano, There Was a Father.



My Son's Youth (1952) de Masaki Kobayashi: **
Sejamos francos: quem estiver à espera de um início de carreira tão refinado e contestatário como os filmes mais maduros de Kobayashi terá aqui uma desilusão. Em Son's Youth o tom é mais familiar, pincelado com algumas graças e personagens coloridas. A sua duração demasiado curta não nos deixa, porém, afeiçoar talvez com a dedicação que seria esperada. Para além disso, a acção da narrativa é algo dispersa, sem um fio condutor muito definido, o que só nos proporciona sorrisos localizados.



Where Chimneys Are Seen (1953) de Heinosuke Gosho: ****
Alguns de nós podem não apreciar o registo balançado, ora ligeiro, ora sobre-dramático deste retrato Goshiano da vida conflituosa de três casais (dois vivendo debaixo do mesmo tecto). Mas esse registo tem alguma coisa de fascinante quando acompanhado pelas extraordinárias interpretações de Ken Uehara e Kinuyo Tanaka que carregam gestos e olhares que rememoram a mímica do cinema mudo. Para além disso - e mesmo faltando-lhe a agudez certeira de Inn at Osaka - joga também com uma metáfora simples, mas bastante eficaz: chaminés como perspectivismo. Ver uma chaminé num local é impermeável a vê-la noutro (quem vive num local pensa haver um número específico de chaminés). Só quem percorre a vida, consegue ver todas as perspectivas e assim alargar o seu âmbito. É isso também o cinema, e é isso o cinema de Gosho, quando está na sua melhor forma.



Distant Clouds (1955) de Keisuke Kinoshita: ****
Traçando mais uma história dividida entre as paixões e a obrigação social, Kinoshita pega aqui numa das suas divas predilectas (a minha vênia a Hideko Takamine) e transforma um suposto melodrama de amores proibidos num filme em que reina a tensão e um jogo bastante bem orquestrado entre a concretização dos desejos dos personagens e a sua frustração, hipotética ou efectiva. A sequência final, diga-se, comprova bem o que digo, e não só vale o filme todo, como também é recomendável para todo o admirador de cinema que se preze. O memorando é: como filmar a falência do egoismo passional e a ressurreição da obrigação comunitária. Como filmar a máscara dessa tal obrigação, sem, mesmo assim, derrubar a honestidade desse processo.



Spring Dreams (1960) de Keisuke Kinoshita: **
Dissemos que Kinoshita nos idos de sessenta era um experimentalista cromático. Aqui se reitera o que disse e acrescento outra sua componente: a crescente teatralização dos espaços filmados e dos trejeitos dos personagens. Neste filme há quase uma dimensão humorística que vêm da orientação espacial dos personagens (para além, claro das suas acções). Há também crítica social ligeira e uma multiplicidade de personagens que representam excentricidades de uma classe social distante dos reais problemas do país. Há também a simbólica do amor como único modo de fazer cair os muros que separam os homens. Há também um velho personagem que faz tudo isto acontecer. No entanto, muitos destes aspectos multiformes estranhamente vão contra o filme e não necessariamente a seu favor.



To Sleep so as to Dream (1986) de Kaizo Hayashi: **
Esperava muito mais. Desde que vi o trailer que me sentia assombrado pelas imagens e principalmente pela música, que comportava um não-sei-quê de místico. O filme foi, em parte, à imagem e semelhança de outro "falhanço" de Hayashi. Falo de Zipang (1990), um filme que tem, provavelmente o melhor início de sempre, no que concerne a reciclagens de filmes de sabre, mas que se desmorona completamente na sua continuidade e conclusão. Aqui a ordem é ao contrário. Um início promissor com uma proposta curiosa, uma metade sem sabor, pouco inventiva e repetitiva e um final que consegue resgatar algum do interesse que parecia estar sempre adormecido. É horrível dizer-se isto sobre um filme, mas ainda prefiro ver o trailer: mais sintético, mais místico (como na cena final) e sem grandes "enchimentos de chouriço" com cenas de humor um pouco deslocadas e sem grande gosto.



Cut (2011) de Amir Naderi: 0
Um filme tão repulsivo como este só deixa perceber os gordos lugares-comuns do cinema independente e "puro", quando nada de puro há aqui, só autofagia criativa e um conjunto de saudosismos panfletários, sem qualquer tipo de conteúdo apesar da nos venderem a torto e a direito uma crítica pretensamente lúcida e profunda do estado actual da sétima arte, sendo na realidade tão superficial quanto a visão enraivecida, mas académica e "perfumada" do cinema de autor. Foi uma sessão indie em todos os aspectos, em que só me apetecia vomitar, não só porque o moralismo repudiante não se conseguia sustentar a si mesmo (citam-se tantos bons e marcantes filmes, mas o que nos tem a apresentar é repetitivo e enfadonho, sem nada para dizer ou acrescentar senão uma veneração religiosa e infantil por uns tantos deuses falecidos) mas principalmente porque a alegoria, ainda que simples, poder fazer algum sentido para quem já pegou numa câmara (processo criativo cinematográfico como ser socado por financiamento, sem qualquer retorno). Toda a execução é péssima, e quando o pretensiosimo adolescente não podia piorar, eis que ainda somos sujeitos a uma lista idiota dos 100 melhores filmes de todos os tempos, num tom declaradamente pseudo-visionário. Pior do que o cinema ser como uma prostituta é quando ela é uma mulher mal-educada, hipócritamente moral e, pior do que tudo, cinéfila, no pior sentido do termo. Só me passava pela cabeça esta frase de Kiju Yoshida: "It might be changing these days, with people watching films as a hobby, as something purely pleasurable. Like for example what some people that are called eiga otaku are doing, focusing entirely on films, without grasping the larger picture. Of course I cannot say that it is all over with today's cinema, but that is certainly one bad factor in it today."

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