Mother (1963) de Kaneto Shindo: ****
Num primeiro sentido, Mother é um regresso de Shindo às vivências mais imediatas dos seus personagens, explorando os seus dilemas e sofrimentos de uma maneira mais directa (não adoptando aqui, pelo menos em parte, o registo mais alegórico com que se tinha ocupado em Ningen, um ano antes, e desenvolveria em toda a sua plenitude com Onibaba um ano depois). Não devemos menosprezar o título: este é um filme que dialoga com uma tradição japonesa peculiar do filme de mãe (o chamado Haha-mono: grandes relatos sobre a força materna) e como que a vira do avesso, criando uma espécie de sentimento disperso e embriagado em torno de Hiroxima (e suas disposições melancólicas e feridas ainda bem presentes), ora transpondo os pensamentos e dificuldades da mãe auxiliando-se de uma voz-off trepidante, ora transfigurando aquela sensação rotineira com imagens e planos bem fortes e demarcados (a repetição do trabalho, etc.) Por outro lado, a descrição oblíqua da sexualidade da personagem principal corrói um pouco a ideia da pureza associada à maternidade (e que era o grande alibi dos Haha-mono), finalizando o filme com um sentimento algo dúbio acerca do poder real, e não idealizado, fetichizado, de uma mulher: o poder de dar ao mundo uma vida.
Sugata Sanshiro (1965) de Seiichiro Uchikawa: ***
Produzido por Akira Kurosawa, este remake alongado (e na maior parte dos aspectos, melhorado) da sua primeira obra conta com Seiichiro Uchikawa na cadeira de realizador e ainda com a participação especial de Toshiro Mifune (uma pequeno cameo de Takashi Shimura, o gang Kurosawa está cá todo!), no papel de mestre. Todo o feeling que as imagens carregam tem uma assinatura decididamente Kurosawaiana (alguns planos são de génio), mas de um Kurosawa cinemascope, muito mais maduro e moderno do que o da altura do primeiro Sugata Sanshiro. É como, não só um upgrade cinematográfico, mas também um diálogo com a forma de fazer cinema do mestre, que podemos ver esta nova reavaliação do famoso judoca japonês. O único defeito crasso é querer juntar dois filmes num, fazendo que a estrutura narrativa se repita duas vezes (dois pares de antagonistas, dois "supostos" combates finais), criando um menor efeito cilmáctico.
Sugata Sanshiro (1965) de Seiichiro Uchikawa: ***
Produzido por Akira Kurosawa, este remake alongado (e na maior parte dos aspectos, melhorado) da sua primeira obra conta com Seiichiro Uchikawa na cadeira de realizador e ainda com a participação especial de Toshiro Mifune (uma pequeno cameo de Takashi Shimura, o gang Kurosawa está cá todo!), no papel de mestre. Todo o feeling que as imagens carregam tem uma assinatura decididamente Kurosawaiana (alguns planos são de génio), mas de um Kurosawa cinemascope, muito mais maduro e moderno do que o da altura do primeiro Sugata Sanshiro. É como, não só um upgrade cinematográfico, mas também um diálogo com a forma de fazer cinema do mestre, que podemos ver esta nova reavaliação do famoso judoca japonês. O único defeito crasso é querer juntar dois filmes num, fazendo que a estrutura narrativa se repita duas vezes (dois pares de antagonistas, dois "supostos" combates finais), criando um menor efeito cilmáctico.
The Massacre Gun (1967) de Yasuharu Hasebe: ***
Hasebe,
artesão cujo início de carreira na Nikkatsu coincidiu com as últimas
tentativas do estúdio em reabilitar o género gangster (ou como o
estúdio o auto-intitulou, Nikkatsu action) vê-se aqui forçado a
contar uma história sombria e negra de vingança e retribuição sem
qualquer tipo de consessões, à imagem e semelhança do próprio declínio
lento das infra-estruturas do estúdio. Curioso como neste mesmo ano,
tínhamos visto com o mesmo actor principal (Joe Shishido) e o mesmo
compositor (Naozomi Yamamoto) essa obra-prima de Seijun Suzuki chamada Branded to Kill.
Salvaguardando as suas diferenças óbvias, ambos os filmes captam uma
certa disposição melancólica e de fim de era, no caso de Hasebe,
esgotando as possibilidades literais e mais óbvias do género e no de
Suzuki subvertendo as regras até à desintegração formal e temática.
The Snake Girl and the Silver Haired Witch (1968) de Noriaki Yuasa: **
Primeira adaptação cinematográfica de um manga do mestre clássico de horror Kazuo Umezu, esta foi uma tentativa da Daiei competir contra a famosa série de filmes de Horror lançados pela Shochiku (Body Snatcher from Hell à cabeça) e outros exercícios degenerativos da Shintoho (na altura falida) carimbados pela crescente Toei, que empregava os realizadores saidos desse estúdio. Posta esta introdução de parte, estamos presente a um filme cujo alcance imagético tem o seu esplendor nas cenas oníricas em que o sentimento de horror pode chegar, não como susto, mas como contemplação artística e até psicadélica (veja-se o fabuloso trabalho de iluminação, sobreposição de imagens, e alguns enquadramentos bem afinados). Como é característico das obras de Umezu, a componente assustadora e ameaçadora está a ser vista pelos olhos de uma criança. É preocupando-se com tal inocência que o espectador se motiva a seguir o resto da história (passando por cima até mesmo de alguns infelizes e banais lugares-comuns que Yuasa não esconde, ex, o excessivo uso de voz-off). Curioso exercício de estilo, mas narrativamente pouco audaz, apesar da simpática personagem principal.
Milocrorze - A Love Story (2011) de Yoshimasa Ishibashi: ***
Uma proposta muito semelhante às criações que marcaram grande parte da década passada no que a comédias japonesas diz respeito (ainda nos lembramos das insanidades Survive Style 5+, Funky Forest the First Contact, Yaji and Kita: The Midnight Pilgrims, etc). Posto isto, é um filme cujas qualidades e defeitos são muito semelhantes a essas outras tentativas extravagantes de unir comédia, algum drama e principalmente non-sense. Por um lado, é de saudar uma perpétua inventividade imagética (veja-se o formidável falso plano-sequência em slow-motion da batalha de sabres, uma aposta formal rara no cinema contemporâneo), que só peca por usar excessivos meios CGI, tornando a definição demasiadamente artificial e algo opaca. Abstraindo-nos desse factor, algumas ideias (como tornar a imagem cómica, antes do conteúdo) resultam bastante bem e o entretenimento é garantido, porém, não deixamos de sentir alguma dispersão narrativa (visto ser composta por três sequências heterógeneas entre si, exceptuando apenas um acontecimento que une um segmento ao outro). Neste sentido, o elo que liga as três partes (que contam com três interpretações bastante divertidas do próprio realizador, Yoshimasa Ishibashi) é puramente temático. Falando de histórias de amor (e sendo esta uma comédia) havia a tentação de resolver de forma fácil os problemas lançados pelos personagens e, pelo contrário, aqui só há duas formas de encarar o amor: ou trágica ou comicamente. Outra curiosidade aprazível foi ver o nosso querido Seijun Suzuki fazer uma cameo bem divertida!
The Millennial Rapture (2012) de Koji Wakamatsu: 0
The Millennial Rapture (2012) de Koji Wakamatsu: 0
Aqui está um exemplo claro de como a definição "testamento cinematográfico" pode ser absolutamente ocasional, não reflectindo nenhuma verdade quanto ao ponto último e mais maduro de uma obra. Ainda nos custa a perda tão recente de Wakamatsu, porém este Millennial de nenhuma forma espelha o melhor que o realizador forasteiro nos habituou. A verdade é que desde United Red Army que era evidente um reducionismo da imagem em virtude de narrativas com um sabor docu-drama (o digital, algumas vezes incompreendido era uma manifestação plena tanto de um espírito pragmático de filmar com baixo orçamento, como era reflexo de um aproveitamento dessa limpidez típica de uma abordagem mais próxima do olho real, do olho não ficcionado). Todavia, esse estilo - que à tangente e quase por coincidência, fazia sentido nas leituras desconstrutivas da história japonesa - aqui é meramente um resquício de opções preguiçosas e obtusas que teimam em se conservar. Esta adaptação de um romance épico de Kenji Nakagami (tão bons filmes já vieram de coisas escritas por este senhor!) tenta traçar as vidas dissidentes dos burakumin, tornando-os peões do destino de uma maldição geracional. De alguma forma, por serem ostracizados há gerações, algum determinismo trágico mantêm-se, apesar até da sua capacidade de tentar fugir às mãos da sua própria fatalidade. Eles são consequências vivas do próprio passado. Isto pode unicamente inferir-se, pois Wakamatsu jamais traça grandes conclusões acerca da temática que o romance original parece querer abordar, mantendo inteiramente um registo fracamente descritivo sobre os percursos desses jovens personagens, substituindo tudo aí, por um elogio deveras simplista sobre a maternidade. Shinobu Terajima (que aqui parece ser a única actriz que sabe interpretar convenientemente) é a personificação daquela mulher que tem o dom de dar a vida, mesmo que essas vidas estejam condenadas ao fracasso desde o princípio. Neste sentido, Wakamatsu desvia-se da maior parte do tempo que concentra nos jovens e repete até à exaustão, transferindo em intensidade, os mesmos planos de vales, da lua, do mar e da foz, tentando de alguma maneira focar-se nessa questão da dádiva da vida e do milagre que é nascer, apesar de tudo isto não funcionar muito bem e prolongar-se em tempos indevidos. Valem muito mais os últimos segundos de Violated Angels do que duas horas penosas de uma obra fraca de um talento gigante.
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