08/11/12

Fragmentos de 2012/10/25


The Black Gambler (1965) de Ko Nakahira: ***
Mais uma estilosa incursão pelos reinos da Nikkatsu, quando ainda os filmes de gangster e acção eram a sua especialidade. Obviamente inspirado por James Bond, Akira Kobayashi com o seu ar de galã irreverente mas que leva sempre a melhor dos seus vilões é um dos pontos-altos do filme. Outro, é o modo como se filma o mecanismo dos múltiplos jogos de aposta, filmando nesse processo, tanto o pormenor das peças, cartas, objectos do jogo como as expressões, expectativas e batotas dos seus intervenientes.



Smuggler (2011) de Katsuhito Ishii: **
Após um hiato de quatro anos, podíamos dizer que a assinatura de Ishii se tinha refinado. Com Taste of Tea e Funky Forest, o seu humor aproximava-se de um absurdo deadpan, com sensibilidades non-sense aliadas aos silêncios espaçados do dia-a-dia. A sua proposta de 2008, o remake do filme de Hiroshi Shimizu, parecia ainda ser mais estranha porque se afunilava de alguma maneira todo o estilo próprio do princípio de sua carreira. Ora, em Smuggler, Ishii retoma não só a sua estilística mais veloz dos seus primeiros dois filmes como recicla aquela tendência do princípio da década passada: uma apropriação de uma linguagem cinematográfica irreal e manga aplicada a um universo povoado por humanos. De facto, para aproveitarmos os existentes (mas não muitos) benefícios de Smuggler precisamos de uma constante suspensão de juízo, todavia, tirando a parte do estilo (aquela sequência inicial, por exemplo, muito satisfatória), a insuficiência narrativa prevalece, demonstrando que nem o cast de luxo aqui presente consegue manter-se muito bem de pé quando não há acção nem cenas radicalmente sangrentas a preencher esse vazio estrutural.



Kotoko (2011) de Shinya Tsukamoto: ****
É com alguma alegria que se anuncia que Tsukamoto regressou, depois de quase meia década irreconhecível. Mas este regresso implica uma renovação (e uma nova aposta) estílistica que mantém ainda assim uma linha temática que simplesmente não esmorece em coerência, se nos ativermos aos seus outros filmes mais clássicos. Em primeiro lugar, Kotoko é Cocco, a cantora de Okinawa que tem aqui uma estreia extraordinária não só como actriz, mas como co-argumentista com o próprio Tsukamoto. Os seus jogos de mímica complexos (não é por acaso que as suas falas são quase sempre em voz-off) o seu olhar perturbador e neurótico, quase sempre a prometer qualquer coisa intermitentemente grave, os seus gritos de horror que chegam a chocar mais do que as próprias representações dos seus medos etc, dão à estilística de Tsukamoto uma diva perfeita e adequada (ousamos chamar-lhe assim). Para além disso, se nos dois Nightmare Detectives já havia uma preocupação com o tema do poder subordinante da mente em relação ao real, aqui em Kotoko temos uma verdadeira exploração dessas possibilidades aterradoras da intervenção quase anárquica da mente no mundo. É como se Tsukamoto subvertesse as próprias regras do seu cinema (cujos ódios e horrores eram sempre ou quase sempre exteriorizados: a cidade metalizada em Tetsuo, o corpo como algo externo em Tokyo Fist, etc) e virasse tudo para dentro da complexidade de um só acontecimento humano. Isto, que poderíamos apelidar de um genuíno horror solipsista, causa no próprio espectador um sentimento agonizante de claustrofobia mental e ansiedade - talvez a shaky-cam seja abusiva em certos pontos, mas aqui preenche esse mesmo propósito, contrário em tudo à simplificação da acção que ocorria em Tetsuo Bullet Man usando, todavia, o mesmo mecanismo -, no entanto, a forma ainda conciliadora como o filme acaba não nos deve enganar quanto à experiência por que se passou. Bem vindo, outra vez, aos pesadelos de Tsukamoto.



Isn't Anyone Alive? (2012) de Gakuryu Ishii: 0
Toda a gente pôs as mãos no fogo quando soube que Sogo Ishii (agora Gakuryu) para o seu regresso ao panorama do cinema japonês, estava a basear o seu próximo filme numa peça de teatro absurdo que tinha como tema o fim do mundo. Não tem sido a primeira (nem vai ser a última) vez que cineastas já consagrados dedicam a sua visão apocalíptica em celulóide, porém, se houvesse alguém cujo projecto se assentasse que nem uma luva, essa pessoa seria o próprio Ishii que, como sabemos, é o cineasta dos impulsos destruidores, mas também de alguma redenção associada a eles. Tendo visto o filme não há nada que prevaleça senão um forte sentimento de desilusão que faz valer a experiência como um resumo de cenas mal filmadas e interpretadas com um pano-de-fundo de uma crítica sem nenhuma profundidade sobre a vida dos imensos personagens todos condenados ao extremínio. Para além disso, o que ainda acabou por chocar mais foi o perpétuo esvaziamento e falta de reinvenção imagética que revela uma (talvez deliberada) falta de visão, nunca querendo transportar a suposta "mood" apocalíptica em imagens dignas desse efeito. Uma desilusão.

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