05/11/12

Fragmentos de 2012/01/27


Banka (1957) de Heinosuke Gosho: ***
Achei principalmente curiosa a maneira quase libertária e ao mesmo tempo cínica como Gosho neste filme encara o estatuto da família, tradição e mulher no Japão contemporâneo, tornando esta obra tematicamente polida - ao contrário do outro filme brindado recentemente, Dispersed Clouds, insosso nesse nível e em outros. Achei também que esse retrato consegue de alguma forma contrariar a representação do amor e da desilusão (não sendo ainda assim tão duro como Floating Clouds de Naruse) que tantas vezes por esta altura e antes o cinema japonês nos apresentava. Pareceu-me mesmo ser uma espécie de "enemy from within", na forma como pegando nos meios e nas temáticas já usadas, as punha de pantanas subtilmente. Se o filme tivesse acabado no suicídio da personagem mais enigmática e que vale o filme (a mulher de Masayuki Mori), teria sido um verdadeiro murro no estômago. Assim, fica só como um bom esboço de rebeldia silenciosa e algo discreta no meio dos lugares-comuns que fundam o género.



Everything Goes Wrong (1960) de Seijun Suzuki: **
Não achei este Suzuki assim tão semelhante a The Warped Ones, embora percebendo porque é que essa equiparação foi feita (nem que seja por serem ambas produções do mesmo estúdio, a Nikkatsu). No filme de Kurahara havia improviso, liberdade e um toque de absurdo. Mas, aqui vejo muito mais uma tentativa de comunicar algo ao espectador, de dizer que a rebeldia da juventude e a sua recusa juvenil dos valores tradicionais leva, no final, à sua auto-destruição. Pareceu-me ser quase uma resposta suzukiana aos filmes Sun-Tribe, moralizando sobremaneira a sua audiência e por isso mesmo, retirando impacto, liberdade e bravura a toda a experiência, pincelando tudo com cansativos discursos e confrontos de ponto-de-vista entre os personagens, que revelam a falta de subtileza de uma coisa que já se estaria a propôr ter isso (ao contrário de The Warped Ones, não vi nele essa petição de censor ou crítico)



Cold Rice (1965) de Tomotaka Tasaka: ****
Uma excelente colectânea de contos tripartida, baseados na obra de Shugoro Yamamoto, com um Kinnosuke Nakamura a fazer o que em parte já tinha feito dois anos atrás com Cruel Tales of Bushido, ou seja, uma demonstração da variadíssima paleta de tons e degradês interpretativos. Se a câmera de Tasaka capta cada história com uma cor diferente (e cada cor corresponde a uma determinada disposição: a primeira meio cómica, a segunda quase psico-erótica - que grande segmento, diga-se - e a terceira mais familiar e aconchegadora) também Nakamura se assenta que nem uma luva, mostrando em cada um desses segmentos totalmente diferentes, a sua monstruosa versatilidade.



The Pirates of Bubuan (1972) de Shohei Imamura: ****
Depois do feliz upgrade do seu outro documentário, Muhomatsu Returns Home eis que surgiu outra peça do êxodo cinematográfico de Imamura. E o resultado é especialmente recompensador já que para além da fotografia aprimorada e dos locais meio-paradisíacos, todo o filme é antropologia filmada, servindo-se assim de uma tribo no meio do mar do Pacífico para descortinar as suas vivências, tradições, meios de sobrevivência e subsistência e perigos vários.



Erotic Journey: Love Affair in Hong Kong (1973) de Masaru Konuma: ****
Por não se reduzir a mero romantismo erótico, nem a uma montra de beleza e facilidades - mesmo admitindo que o facto de ter sido rodado em Hong Kong é uma jogada de marketing para anunciar "o primeiro roman-porno passado no estrangeiro" - , mas por adensar não só a trama (um marido à procura da sua noiva) como a estética (pelo menos 10 minutos dos 70 estão ao nível do que os mais experimentais realizadores nesta altura faziam), este é provavelmente o melhor filme de Konuma, sendo muito mais satisfatório e bem mais negro do que os seus mais conhecidos e aclamados Flower and Snake e Wife to be Sacrificed.



Okita Soji (1974) de Masanobu Deme: **
Nem é tão informativo, nem tão boa peça como outros filmes sobre o Shinsengumi ou cada um dos seus membros (lembro-me de um Shinsengumi (1969) de Tadashi Sawashima, um Shinsengumi Chronicles (1963) de Misumi, o aprimorado Brutal Story at End of the Tokugawa Shogunate (1964) de Tai Kato , ou até mesmo Blazing Sword (1966) de Hirokazu Ichimura, filme completamente subvalorizado), mas ainda assim tem uma ou duas belas sequências - uma delas fez-me lembrar o pesadelo na praia de Drunken Angel - embora também tenha alguns momentos de menor destaque.



Uniform Virgin: The Prey (1986) de Hisayasu Sato: 0
Infelizmente, este não é, de todo, o lugar indicado nem o melhor, para novatos se iniciarem na filmografia críptica de Sato. Sendo um dos seus primeiros filmes - e mesmo tendo pelo menos uma obsessão em comum com o resto da sua obra, a saber, o deturpado voyeurismo da câmara de filmar - todo o exercício cheira a encomenda de estúdio, pela sua violência e conteúdo chocante, pseudo-rebelde e gratuito in extremis, sem qualquer tentativa sequer de narrar.



Shoot (1994) de Kazuki Ohmori: *
Lembrei-me de uma frase de um amigo meu que dizia que filmes sobre futebol não dão boas experiências. Esta de Ohmori é bastante escassa, não só como um filme desportivo, o que até seria a componente mais dispensável, mas sobretudo como filme de juventude e um interesse (e há bons filmes japoneses assim: Linda Linda Linda, Swing Girls , Sumo Do, Sumo Don't etc.) e nesso sentido enquadram-se as seguintes críticas: personagens mal-escritas e climaxes desnecessários.



Utsushimi (2000) de Sono Sion: 0
Um pseudo-documentário que tresanda aquele tipo de pornografia sononizada , isto é, aquela representação que abunda nos seus filmes de sexualidade demasiado feliz que não tem cabimento algum para ser objecto filmíco e caracteriza-se por não ser nada fotogénica. E depois de aturarmos as correrias desenfreadas daquelas duas personagens, uma montagem demasiado "artística" para sequer ser compreensível, e uma filmagem que faz que o epíteto "amador" seja um insulto, ainda temos direito aos bastidores de artistas avant-garde como o fotógrafo Nobuyoshi Araki e o dançarino de butoh Akaji Maro, a única parte, possivelmente interessante e que, mesmo assim, Sono torna dificilmente visível.



Il se peut que la beauté ait renforcé notre résolution - Masao Adachi (2011) de Philippe Grandrieux: ***
Embora não seja realizado por um cineasta japonês, este pequeno retrato do - parafraseando um dos seus amigos apanhados na câmara - forasteiro Adachi é um precioso testemunho de uma personalidade realmente captivante. À semelhança de outros documentários sobre outras personalidades artísticas japonesas (Tsuchimoto, Ohno, Araki etc.) esta é uma verdadeira viagem à mente e às inquietações do sagaz Adachi, alguém que constantemente se caracteriza como um surrealista. Os últimos minutos do filme nos quais se conversa sobre a definição de cinema (intercalando isso com os conceitos de "mundo das ideias" e "mundo sensorial") são puro ouro.



Guilty of Romance (2011) de Sion Sono: 0
O que acontece quando Sono desesperadamente quer ser maldoso? Põe o Addagieto da 5ª Sinfonia de Mahler (nunca um andamento foi tão mal tratado antes) como som de fundo no meio de uma histeria feminina que supera em irritação o ambiente bordelesco pincelado com uma arma apontada à cabeça. Os filmes de Sono nunca são aborrecidos e certamente que é bom haver argumentos originais no meio de uma produção estandardizada que é a japonesa, hoje. No entanto, com este Guilty of Romance não se sabe onde quer Sono ir, e por esse mesmo facto, parece haver quase um divertimento infantil em ficar-se no limbo, em destruir personagens, sujá-las e impugná-las com referências eruditas totalmente idiotas (será que o que Sono tirou do Castelo de Kafka foi apenas a circularidade e a inacessibilidade do castelo e comparou-a assim ao desejo sexual?), filmando também as relações sexuais sempre com uma transgressão, e assim culpabilização de meia-tigela que deverá agradar a dois ou três intelectuais francófonos que, depois de se terem libertado do catolicismo e arranjarem outros deuses, vomitando Proust e Sade, entre duas ou três cachimbadas "géniaux", se apercebem que os tiques irritantes da cultura francesa têm um eco num japonês que mais quer provocar do que outra coisa.



Scabbard Samurai (2011) de Hitoshi Matsumoto: *
Depois do indiferente Big Man Japan e do insuportável Symbol, Matsumoto consegue aqui nesta sua terceira tentativa mudar alguma coisa que estava errada nos seus outros filmes e ainda assim conservar alguns pecados que se provam capitais para a frustração da experiência. Em primeiro lugar, desta vez Matsumoto conseguiu criar personagens coloridas que ligam o espectador emocionalmente. Assim, alguns dos momentos cómicos do filme conseguem ganhar alguns sorrisos não pela comédia, mas precisamente porque nos preocupamos com alguns personagens (outras não: por exemplo, aquele trio de bandidos). O pior mesmo é - e surprendentemente - a comédia, porque nunca saimos do mesmo registo de humor físico que Symbol já nos tinha fartado, e não deixa de ser espantoso como um tão hábil cómico consegue ser bastante mais divertido na televisão do que num filme, apoiando-se, ainda assim, no mesmo tipo de humor. Fica para a próxima, Matsumoto...

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