07/11/12

Fragmentos de 2012/04/09


The Living Magoroku (1943) de Keisuke Kinoshita: *
43 foi um ano feliz para o cinema japonês porque introduziu as obras de dois importantes realizadores: Keisuke Kinoshita - com este filme - e Akira Kurosawa. Teria de haver maturação, tanto para um como para outro. Dizia Kurosawa que só tinha chegado a uma verdadeira maturidade artística com Drunken Angel, precisamente seis anos depois do seu começo razoável com Sugata Sanshiro. Curiosamente, Kinoshita só chegaria mesmo à excelência também em 49 com a sua versão de Yotsuya Kaidan, contrariando este começo um pouco azedo de The Living Magoroku. No caso, um bom exemplo de um pouco de falta de experiência, precisamente na sequência final, que deveria funcionar como uma chave de sentido para todo o filme e falha miseravelmente, servindo-se de uma quantidade de facilidades narrativas apressadas, revelando um argumento que queria ser mais do que é.



Apostasy (1948) de Keisuke Kinoshita: ***
Com Apostasy, Kinoshita vira a sua câmara para o lado dos ostracizados pela sua casta, um problema que ainda tinha algum relevo no princípio do século passado (mesmo com a sua abolição na Era Meiji). Verdadeiramente humanista este retrato de um personagem (boa interpretação de Ryo Ikebe) bastante mais complexo do que aparenta. Alguns planos, no entanto, quase que rememoram Hiroshi Shimizu.



A Broken Drum (1949) de Keisuke Kinoshita: ****
Uma verdadeira comédia à japonesa comme il faut! Apesar de, ao longo do filme, se perder um pouco o humor quase caricatural em virtude da adopção de um estilo mais próximo da parábola, a primeira metade do filme não é nada parca em momentos hilariantes, principalmente os confrontos memoráveis entre Masayuki Mori e o genial Tsumasaburo Bando, o último interpreta aqui um pai tirano, muito castiço e autoritário que aos poucos vai vendo o seu poder sendo diminuido até à ruptura. Aqui Kinoshita consegue balançar os momentos de romance da filha mais velha do tal pai tirano, com alguns momentos sublimes do melhor humor que se fez por volta desta altura no cinema nipónico. Uma pérola.



The Good Fairy (1951) de Keisuke Kinoshita: **
O primeiro filme de Rentaro Mikuni (que aqui estranhamente adopta o seu nome para a personagem que interpreta) e que revela já algum do talento que mais tarde iria brilhar, personificando ele próprio, as vicissitudes do "bom carácter" - que inteligentemente no final do filme se toca com algo de mau e até assustador para os outros personagens que o observam e teoricamente, para o próprio espectador. Mas dizia eu que esse bom carácter é sempre visto como coisa rara e quase estranha num mundo que corta essa bondade pela raiz (um dos momentos altos do filme é uma conversa sobre este mesmo assunto). À parte disso, temos alguns momentos de melodrama e um sóbrio e fleumático Masayuki Mori, razoável, aqui mais apagado do que o habitual.



An Inn at Osaka (1954) de Heinosuke Gosho: *****
Do lote de filmes que assisti de Gosho (sete, para ser mais exacto) este é o melhor. Para além do já mencionado retrato da corrupção humana, sempre tão frágil e avessa à dádiva e à honestidade, o que mais me fascinou foi, sem dúvida, a maneira como o personagem principal vai desenvolvendo o seu carácter no meio que lhe é proporcionado, isto é, o lodo. Sabemos já que o cinema japonês do pós-guerra durou cerca de 10 anos, no sentido de ser este um cinema cicatrizado com vestígios da derrota e da ocupação, e por isso, vitimizado por uma modernização demasiado apressada para sequer ser digerida (ver como o albergue facilmente se adapta às novas circunstâncias de "mercado", por mais desumanas que elas sejam). É por estas razões, um cinema que teve em demasia, heróis morais (alguns mesmo moralistas), heróis que incorporavam uma certa negação do estado desorganizado das mentes (os heróis urbanos e modernos de Kurosawa são um excelente exemplo disto). Aqui, o nosso herói (se é que podemos chamar-lhe mesmo isso) começa como um mero espectador de visita às explorações, maldades e invejas do leque de personagens que vão aparecendo como que fantasmas pálidos cuja rotina é à imagem e semelhança das vidas ensombradas que levam (ouve-se muito frases como: "temos de viver"). Rapidamente o vemos mudar, sempre com um tom meio obscuro, confuso, mas com convicções morais quase inabaláveis (a cena da primeira "venda" do corpo da jovem é neste sentido, o vínculo que liga a mudança de carácter). No final, a moralidade neutraliza-se e o nosso personagem reencontra o espectador que começou por ser, mas com um tom que melancolicamente serve ao filme todo e a toda a observação das amarguras e dificuldades nas relações de homem para homem e de homem com o mundo: "Vamos rir-nos da nossa infelicidade". Com um tom verdadeiramente lúcido, ao labirinto do mundo não se sai pela porta grande. Tem de se o percorrer até ao fim, sem a convicção (esperança sequer) de se poder sair com resposta. A esta desconstrução das bases moralistas dos personagens (e de todo o cinema japonês que, para compensar, mais tardiamente virou esta carga acusatória para os seus filmes de cavalaria ou filme ninkyo) junta-se ainda uma descrição cinematográfica da cidade de Osaka, escuro local, com chaminés a tossir fumo, rios poluídos, gente infeliz mas sobrevivendo por entre a chuva ácida dos afectos e do poder económico.



Farewell to Dream (1956) de Keisuke Kinoshita: ****
Curto, mas digno de atenção e reverência, este pequeno filme de Kinoshita demonstra qualidades de mérito avultado: um retrato bastante completo de uma familía pouco abonada, e ao mesmo tempo um filme sobre o crescimento, dado a ver pelos olhos de um jovem adolescente demasiado sonhador e inapto para as dificuldades várias, as despedidas e mortes (reais ou simbólicas) por que tem de atravessar ao longo do filme. A câmara aqui costuma estar ora rígida como num filme de Naruse, centrando-se na vida caseira e nas várias peripécias do quotidiano, ora mais liberta e feérica (ver o magnífico traveling de abertura e fecho do filme, por exemplo). Uma outra nota para a interpretação de Yoshiko Kuga que aqui demonstra uma grande versatilidade, já que os seus papeis nada costumam ter a ver com irmãs mais velhas mimadas e ao mesmo tempo estranhamente ambiciosas e assustadoras.



A Legend or Was it? (1963) de Keisuke Kinoshita: ****
Este é um Kinoshita em modo Nouvelle Vague - isto é, um Kinoshita mais maligno e alegórico do que nunca - que consegue, às custas de um script arrojado e desconstrutivo, culminar uma quantidade de emoções contra o imperialismo de uma maneira assaz provocadora e até dura de mais. Apoiado por um grande cast (Shima Iwashita, Mariko Kaga, Kinuyo Tanaka, Go Kato e um jovem mas já talentoso Bunta Sugawara) e usando grandes planos distantes e um contraste técnico de cor e preto-e-branco em prol do significado mais metafórico da película (quem viu The River Fuefuki sabe que o infelizmente esparso Kinoshita dos anos 60 era dado à experimentação cromática), este é um filme altamente recomendado, um verdadeiro estudo sobre a organização tribal, os seus mecanismos sanguinários e a sua essencial relegação de identidade dos outros em virtude da sua função.



Sing, Young People! (1963) de Keisuke Kinoshita: **
Pelo contrário, esta crónica bem humorada do dia-a-dia de quatro estudantes universitários é totalmente contrária à violência acima de tudo temática do seu outro filme de 63. Iniciando-se com uma espécie de falsa notícia flash sobre as idiossincrasias da juventude desvairada dos sixties, Kinoshita dá o mote para uma comédia morna sobre a juventude, sem provocações ou esquemas arrojados - quando na mesma altura sensivelmente, dentro da Shochiku o movimento seishun eiga de Oshima, Yoshida e Shinoda estava a acabar. No final ainda temos direito a uma simpática homenagem à Shochiku e a dois filmes do próprio realizador, servindo-se das suas respectivas bandas-sonoras. Razoável.



Tomorrow - Ashita (1988) de Kazuo Kuroki: **
A permissa deste filme era qualquer coisa digna de uma produção ATG. Dar a impresão sensitiva e em filme do imenso absurdo que é ser-se aniquiliado com a facilidade monstruosa do clarão fatal da bomba atómica em Nagasaki era uma tarefa que exigia mais do que aqui, finalmente, acabamos por receber. A ideia era dividir todo o filme em duas partes: o último minuto e o resto do filme, sendo esse "resto" povoado por filmagens em que o espectador desenvolve naturalmente afectos pelos homens e mulheres que vê no ecrã, criando assim uma esperança secreta de que o desfecho desses personagens jamais possa ser tão gratuito e trágico do que no último minuto se confirma ser. Quantos filmes tem a coragem de levar tão longe esta ideia? Quantos filmes que abordam o tema da bomba atómica tem a coragem de fazer desaparecer todos os personagens que cuidadosamente e quotidianamente tinham sido desenvolvidos, dando ao espectador uma noção que só ele é precisamente espectador da aniquiliação, não usando outros personagens como intermediários, nem olhos alheios? Pela coragem da proposta, Kuroki merece aqui uma atenção especial.



Usagi Drop (2011) de Sabu: **
Já foi há algum tempo que viamos Sabu (ou melhor, Hiroyuki Tanaka) a correr atrás dos seus personagens com uma câmara que se movimentava ao sabor das suas paixões, desejos, arrelias, mostrando que o seu cinema tinha qualquer coisa de passional, decididamente louco mas empenhado. A fórmula, porém, começara a esgotar-se com Hard Luck Hero (2003), e depois, esgotamento total com Hold Up Down (2005), repetição sem graça nem novidade de um modelo já pré-adquirido que tinha começado tão espontaneamente. Decididamente, Sabu tinha gasto as correrias (não era já Blessing Bell um bom prenúncio disso?) e precisava de renovar-se. Até este Usagi Drop, Kanikosen (2009) tinha sido uma agradável experiência e um refrescar do perigo da repetição. Mas neste seu novo filme, adaptação de um manga, Sabu parece imitar não o seu estilo, mas outro tipo de filme independente japonês que se pauta por descrever sobriamente o dia-a-dia dos personagens. Admito que a primeira sequência do velório e do encontro com a pequena rapariga começaram por me deixar curioso, mas rapidamente tudo se torna um tanto ou quanto previsível e em certo sentido repetitivo, não só em termos da rotina filmada, como do modelo de filme aqui apresentado, mesmo que, também consigamos pereceber que houve um certo cuidado e carinho pelo personagem do jovem e com a relação da "tia" muito mais nova, filha bastarda do avô recém falecido. Não é um falhanço total, mas não deixa de ser cansativo e pouco inventivo.

Sem comentários:

Enviar um comentário