The Priest of Darkness (1936) de Sadao Yamanaka: ****
Finalmente
pude ver o último filme sobrevivente da filmografia de Yamanaka! E o
que dizer? A genialidade prematura do realizador de Humanity and Paper Balloons
ressalta aqui mais uma vez, numa narrativa com tons pessimistas, mas
com seus grandes momentos de humor reluzente e caracterizações geniais.
Os últimos planos anárquicos são um óptimo contraponto com o seu último
filme: ambos trágicos, mas um silencioso e o outro barulhento. Adorei
ver a Setsuko Hara tão jovem e já cheia de talento e expressividade!
Sudden Rain (1956) de Mikio Naruse: ****
Mais um filme gentil sobre as problemáticas relações de marido e mulher. De destacar as excelentes prestações e a subtileza narusiana com olhares, gestos e até um jogo de bola para caracterizar as peripécias, mais ou menos graves, do dia-a-dia conjugal. É um filme óptimo para acompanhar com Repast (1951), Wife (1953) ou Husband and Wife (1953). E maravilhosa Setsuko Hara!
Mais um filme gentil sobre as problemáticas relações de marido e mulher. De destacar as excelentes prestações e a subtileza narusiana com olhares, gestos e até um jogo de bola para caracterizar as peripécias, mais ou menos graves, do dia-a-dia conjugal. É um filme óptimo para acompanhar com Repast (1951), Wife (1953) ou Husband and Wife (1953). E maravilhosa Setsuko Hara!
Wife's Heart (1956) de Mikio Naruse: ****
Wife's Heart esconde na sua aparente paz (de ritmo e narrativa) relações e intentos violentos. Os toques subtis de Naruse (não é que sejam silenciosos, mas há que ler nas entrelinhas sempre!) quase que minam as estruturas familiares, mormente a relação conjugal - que não é inteiramente feliz no caso (e quase sempre na sua filmografia). Mas o filme acaba e é como se tivesse começado. Não há mudança, quando tudo poderia mudar. É essa apatia definitivamente a mais pessimista, é a narusiana por excelência. De destacar a excelente Hideko Takamine e a aparição fortuita de Toshiro Mifune num registo completamente diferente do que estamos habituados!
Nikudan (1968) de Kihachi Okamoto: ***
Esperava também mais desta sátira, principlamente vindo de quem vem. Quanto ao relembrar Katsu Kanai, passou-me exactamente o mesmo no bestunto quando a voz-off da criança apareceu (lembrou-me aquele plano assustador do Deserted Archipelago onde o míudo lê a história do Rato). O facto deste filme ter sido rodado em 16mm sublinhou ainda mais aquela composição alongada dos planos de Kanai. Mesmo assim, sobre Nikudan, genial foi só mesmo o final. Aquele corte para 1968 com a juventude na praia e o que daí se segue, deu aquela sensação irónico-descontrutiva das primeiras produções ATG.
Esperava também mais desta sátira, principlamente vindo de quem vem. Quanto ao relembrar Katsu Kanai, passou-me exactamente o mesmo no bestunto quando a voz-off da criança apareceu (lembrou-me aquele plano assustador do Deserted Archipelago onde o míudo lê a história do Rato). O facto deste filme ter sido rodado em 16mm sublinhou ainda mais aquela composição alongada dos planos de Kanai. Mesmo assim, sobre Nikudan, genial foi só mesmo o final. Aquele corte para 1968 com a juventude na praia e o que daí se segue, deu aquela sensação irónico-descontrutiva das primeiras produções ATG.
Deserted Archipelago (1969) de Katsu Kanai: *****
Revisto com melhor qualidade, devido à saida tão esperada das obras completas de Kanai Katsu em DVD, Deserted Archipelago ainda assim me supreende, após tantos revisionamentos. Um exercício surreal, um ensaio insano da traumática vida do pós-guerra Japonês (e não há definição mais melancólica desse Japão do que "Arquípelago deserto"!). O fracasso das batalhas, a dependência do moralismo corrupto das freiras macabras, o abandono do filho (que nasce nas costas do protagonista!), tudo isso desenvolve verticalmente um filme de imagens pessimistas e angustiantes.
Revisto com melhor qualidade, devido à saida tão esperada das obras completas de Kanai Katsu em DVD, Deserted Archipelago ainda assim me supreende, após tantos revisionamentos. Um exercício surreal, um ensaio insano da traumática vida do pós-guerra Japonês (e não há definição mais melancólica desse Japão do que "Arquípelago deserto"!). O fracasso das batalhas, a dependência do moralismo corrupto das freiras macabras, o abandono do filho (que nasce nas costas do protagonista!), tudo isso desenvolve verticalmente um filme de imagens pessimistas e angustiantes.
Good-Bye (1971) de Katsu Kanai: **
O elo mais fraco da trilogia The Smiling Milky Way. Katsu procura as suas origens mais remotas, num road-movie bizarro, com confrontos de identidade, metáforas existenciais etc. Mesmo revendo-o (com melhor qualidade e disposição) ainda o acho demasiado incompreensível e com certas cenas gratuitas e sem grande sentido (mesmo que, com Katsu Kanai se tenha de pensar sempre duas vezes). O plano final, por exemplo, representa um grande ponto-de-interrogação.
O elo mais fraco da trilogia The Smiling Milky Way. Katsu procura as suas origens mais remotas, num road-movie bizarro, com confrontos de identidade, metáforas existenciais etc. Mesmo revendo-o (com melhor qualidade e disposição) ainda o acho demasiado incompreensível e com certas cenas gratuitas e sem grande sentido (mesmo que, com Katsu Kanai se tenha de pensar sempre duas vezes). O plano final, por exemplo, representa um grande ponto-de-interrogação.
Mandala (1971) de Akio Jissoji: *****
Finalmente ficou disponível com uma nova tradução as legendas da segunda parte da trilogia budista ATG de Akio Jissoji! Medo!
Nunca vi um filme tão inspirado em Georges Bataille como Mandala. É
sabido que a tendência de realizadores como Nagisa Oshima, Kiju Yoshida,
Masao Adachi e Yasuzo Masumura entre outros seria a de aproximar as
teorias sobre o erotismo de Georges Bataille a uma compreensão japonesa
da morte e dos corpos. Espero poder falar do filme com mais profundidade
da próxima vez mas queria só citar esta frase de Bataille para se notar
a imensa proximidade entre ambas as obras:
"Do Erotismo se pode dizer que é a aprovação da vida até na própria morte."
Dear Summer Sister (1972) de Nagisa Oshima: ***
Qualquer Oshima me põe ansioso, e este Dear Summer Sister era, justamente, um dos que me faltavam ver, restando apenas agora, sem contar com os seus documentários, The Catch (1961) e Band of Ninja (1967). No seu cerne, este é mais um filme de Oshima que funciona todo ele como uma alegoria feita por blocos metafóricos. Por isso mesmo, é sempre saudoso ver o Oshima Gang em acção (Rokko Toura, Hosei Komatsu, Kei Sato, Akiko Koyama etc.) e a sempre genial, aqui mais de Verão, música de Toru Takemitsu. Desta vez, penetra-se no problema de Okinawa, pequena terra amaldiçoada pela guerra, não só porque nela se travou das maiores batalhas do Pacífico (ver o filme de Okamoto ajuda), como porque logo após a guerra, a terra foi entregue aos americanos, provocando todo o tipo de celeuma estudantil e política ao longo dos anos 50 e 60. Talvez a melhor imagem do filme, sem ser a óbvia do "brotherless child" (como se Okinawa estivesse perdendo a identidade, como se o pai lhe fosse desconhecido), é a do Japonês e a do Okinawiano feitos um para o outro, no sentido, em que se amam e odeiam, muito ao jeito de certas personagens Oshimanas que se complementam precisamente por serem duas forças opostas.
Qualquer Oshima me põe ansioso, e este Dear Summer Sister era, justamente, um dos que me faltavam ver, restando apenas agora, sem contar com os seus documentários, The Catch (1961) e Band of Ninja (1967). No seu cerne, este é mais um filme de Oshima que funciona todo ele como uma alegoria feita por blocos metafóricos. Por isso mesmo, é sempre saudoso ver o Oshima Gang em acção (Rokko Toura, Hosei Komatsu, Kei Sato, Akiko Koyama etc.) e a sempre genial, aqui mais de Verão, música de Toru Takemitsu. Desta vez, penetra-se no problema de Okinawa, pequena terra amaldiçoada pela guerra, não só porque nela se travou das maiores batalhas do Pacífico (ver o filme de Okamoto ajuda), como porque logo após a guerra, a terra foi entregue aos americanos, provocando todo o tipo de celeuma estudantil e política ao longo dos anos 50 e 60. Talvez a melhor imagem do filme, sem ser a óbvia do "brotherless child" (como se Okinawa estivesse perdendo a identidade, como se o pai lhe fosse desconhecido), é a do Japonês e a do Okinawiano feitos um para o outro, no sentido, em que se amam e odeiam, muito ao jeito de certas personagens Oshimanas que se complementam precisamente por serem duas forças opostas.
The Kingdom (1973) de Katsu Kanai: ****
O
único filme dos três que ainda não tinha visto, mas que esperava há
muito principalmente pela sinopse no site de Katsu Kanai. "Even if we were to deny all gods, there is one god controlling us, one god whom we cannot refuse: the god of time." De facto, The Kingdom
poderia descrever-se como esse "desafio" a Cronos, Pai de Zeus,
conhecido na mitologia grega por devorar os seus próprios filhos. Goku, o
personagem principal, é o filho tentado a subverter as regras da
existência, que não se pode conceber sem temporalidade. Epopeia kitsch
como define Katsu Kanai, The Kingdom promete ser matéria para
pensamento, com um final deveras misterioso, quase sagrado. (e aqueles
risos com a boca fechada! Medo!)
The Excitment of the Do-Re-Mi-Fa Girl (1985) de Kiyoshi Kurosawa: **
Com Shinji Aoyama apelidando-o de um dos filmes mais marcantes da sua geração, este prematuro filme de Kiyoshi Kurosawa é certamente desconstrutivo e, por vezes, cómico, porém, perde-se bastante em delírios "pink" ou até de outra natureza mais intelectual. É, sobretudo, um filme com grandes momentos individuais e que tem um gostinho também meu no que diz respeito a ridicularizar o ambiente universitário. Quem conhece Kurosawa pela sua faceta mais terror, vai ter aqui uma surpreendente amálgama de personagens, histórias e momentos bizarros bem ao modo do pink dos anos 80.
Com Shinji Aoyama apelidando-o de um dos filmes mais marcantes da sua geração, este prematuro filme de Kiyoshi Kurosawa é certamente desconstrutivo e, por vezes, cómico, porém, perde-se bastante em delírios "pink" ou até de outra natureza mais intelectual. É, sobretudo, um filme com grandes momentos individuais e que tem um gostinho também meu no que diz respeito a ridicularizar o ambiente universitário. Quem conhece Kurosawa pela sua faceta mais terror, vai ter aqui uma surpreendente amálgama de personagens, histórias e momentos bizarros bem ao modo do pink dos anos 80.
Noisy Requiem (1988) de Yoshihiko Matsui: *****
Reza a lenda que Shuji Terayama, depois de ler o script de Noisy Requiem
(morrera antes de o ver completo) disse: "seria um escândalo se fosse
feito em filme". De facto, a palavra escandalo é das mais merecidas,
pois poucos filmes são tão monstruosos como este. Noisy Requiem é
talvez o filme mais transgressivo que vi, um dos mais angustiantes e
solitários. É escandaloso, mas não menos verdadeiro e audaz, o modo como
a monstruosidade humana é filmada, sem esperança e fechada em si mesma
numa tragédia tautológica de proporções desumanas. Um filme como este -
devedor estilístico de cineastas independentes e alegóricos como Katsu
Kanai ou o próprio Shuji Terayama - semeia tristeza e tragédia com um
olho de solilóquio, mas também com uma capacidade alegórica
absolutamente destrutiva. A dimensão trágica vem da inexprimível solidão
dos "monstros" que habitam a tela, na procura de amores que ultrapassem
a (sua) realidade, virtuais, por isso, na sua essência. Matsui filma o
caos amoroso e a impossibilidade do triunfo da imaginação, mas
igualmente descreve as relações sexuais como violação (na esteira de
Terayama). Um mundo assim filmado, tão cruel e inóspito faz-nos
escandalizar lenta e rigorosamente. Noisy Requiem era exactamente
o que eu esperava dele: um pesadelo cinematográfico sem par, um filme
tão perfeito quanto abjecto que à semelhança da luz solar, quanto mais
se olha para ele, mais vontade temos de esquivar a vista.
Four Days of Snow and Blood (1989) de Hideo Gosha: ***
Não sei se sou eu ou não, mas os últimos filmes de Hideo Gosha (quase todos os da década de 80) são insípidos e bastante repetitivos. Não é o caso de serem maus filmes, são de uma razoabilidade irritante. Este 226 era um dos últimos que me faltava ver e não estava com grandes expectativas, porém revelou-se uma experiência feliz. Como tema tem o único golpe de estado jamais cometido no Japão, o célebre Ni Ni Roku. Só que ao contrário de um Coup D'État de Yoshida, que prescrutava a base teorética do acontecimento pela figura misteriosa do filósofo Kita Ikki, no filme de Gosha a narrativa vira-se para os soldados e os generais que executaram o golpe de estado e, mais tarde, tiveram de cometer suícidio por alta traição. É assim, uma representação realista sem esconder um profundo sentimento de tristeza e frustração. Os últimos minutos do filme são de uma intensidade dramática fenomenal, como se Gosha tivesse representado cinematograficamente o último e fugaz fechar de olhos antes de se puxar aquele angustiante gatilho.
Não sei se sou eu ou não, mas os últimos filmes de Hideo Gosha (quase todos os da década de 80) são insípidos e bastante repetitivos. Não é o caso de serem maus filmes, são de uma razoabilidade irritante. Este 226 era um dos últimos que me faltava ver e não estava com grandes expectativas, porém revelou-se uma experiência feliz. Como tema tem o único golpe de estado jamais cometido no Japão, o célebre Ni Ni Roku. Só que ao contrário de um Coup D'État de Yoshida, que prescrutava a base teorética do acontecimento pela figura misteriosa do filósofo Kita Ikki, no filme de Gosha a narrativa vira-se para os soldados e os generais que executaram o golpe de estado e, mais tarde, tiveram de cometer suícidio por alta traição. É assim, uma representação realista sem esconder um profundo sentimento de tristeza e frustração. Os últimos minutos do filme são de uma intensidade dramática fenomenal, como se Gosha tivesse representado cinematograficamente o último e fugaz fechar de olhos antes de se puxar aquele angustiante gatilho.
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