30/10/12

Fragmentos de 2010/11/12


The Army (1944) de Keisuke Kinoshita: ***
Este é daqueles filmes cujo final salva ou resgata todo e qualquer anacronismo. De facto, o último plano de uma Kinuyo Tanaka aterrorizada pelo destino do seu filho, preparado para morrer pelo seu país, é não só uma contradição do exacerbado nacionalismo que está pulverizado pelo personagem de Chishu Ryu, como um duro, dramático e subreptício alerta, tendo em conta o ano em que o filme foi feito.



Shozo (1948) de Keisuke Kinoshita: **
Seguindo um argumento escrito por Akira Kurosawa, este filme de Kinoshita peca por ser a típica produção imediata do pós-guerra: dilaceramento moral como tema, a fazer os personagens parecerem autómatos da mensagem e nada mais.



Motoharu Jonouchi Shorts (1964-1969) de Motoharu Jonouchi: *****
Graças a um camarada pude testemunhar mais um experimentalista digno de referência, ao lado de Terayama, Kanai, Hosoe, Adachi, Iimura, Ito etc. Motoharu Jonouchi nestas suas três curtas demonstra não só um sentido de plasticidade abismal como um questionamento constante da imagem e das problemáticas inerentes da altura. De realçar o magnânimo exercício de estilo Gewaltopia Trailer: uma colagem meta-cinemática (com excertos de filmes aterradores como The Golem (1920), Nosferatu (1922) entre outros) intercalada com paisagens, manifestações estudantis e uma faixa sonora delirante e psicadélica. O resultado é um trepidar absoluto dos sentidos!



Yunbogi's Diary (1965) de Nagisa Oshima: ****
Extraordinário este pequeníssimo filme (25 minutos) de Oshima; colagem de diversas fotos sensacionais resultado de uma viagem do realizador pela Coreia, juntamente com uma trilha sonora verdadeiramente arrepiante em certos momentos (de realçar o espiritual Sometimes I feel like a motherless child) e uma narração que mais se assemelha a um torrencial poema intimista que espelha angústias colectivas (porque como se refere no final do filme: "Yunbogi is all corean boys"). Para além de ser o primeiro filme em que o interesse pelas minorias étnicas está presente e, desde logo demarcado na obra de Oshima, também se pode dizer ser este o percursor de Boy (1969).



The Man Without a Map (1968) de Hiroshi Teshigahara: ****
Depois de mais de um ano desde a tradução temível de umas legendas russas, eis que um caro espanhol decidiu traduzir de forma mais fiel, este tão esperado filme de Teshigahara, mais uma colaboração com Kobo Abe no argumento (foi a última nesse caso), e Toru Takemitsu na música. O filme obviamente não se quer como um tratado extensivo sobre antropologias peculiares (como eram Pitfall, Woman of the Dunes e principalmente Face of Another), antes usa o mecanismo estilístico presente em toda a obra de Abe (a alegoria) para ela própria se perder (isto é, não se resolver) na dormente angústia do seu personagem principal (a propósito, grande papel de Shintaro Katsu!). Neste caso, o estudo sobre o humano não vem de fora do seu âmbito íntimo (filosofia) antes se fecha nele mesmo, e não mais responde a nada do que antes perguntara. A condição de detective (a nossa condição); a condição do interrogatório pela identidade do que nos rodeia é, apesar de tudo, um exercício frustrado à partida. A narrativa de The Man Without a Map perde-se tal como o personagem de Katsu se perde. Não responde a nada do que pergunta como uma criança mimada. Vive-se fechado em si mesmo e todas as perguntas do caso da vida acabam todas com uma definitiva interrogação, um deserto já sem fronteiras, em expansão a cada pergunta por responder. Se isto não é angustiante, o que poderá ser? Entediante?



Original Sin (1992) de Takashi Ishii: ****
Takashi Ishii tem seus altos e baixos e curiosamente este que é o filme mais desconhecido da sua carreira acaba por ser um dos seus melhores por variadíssimas razões: excelentes interpretações (o trio amoroso: Masatoshi Nagase, Hideo Murota e principalmente Shinobu Otake), uma angustiante narrativa centrada numa modernização do tema barroco do amour-fou, e principalmente a confiança no uso (muito do meu agrado e que infelizmente mais tarde Ishii perdeu) de longos takes e planos sequência para agudizar os tumultuosos afectos dos personagens.



A Night in the Nude (1993) de Takashi Ishii: ***
A Night in the Nude, outro filme bastante desconhecido de Ishii, prometia ainda mais do que Original Sin e estava a prometer mais a meio da coisa, mas aquelas sequências finais estragaram a construção do filme. Em resumo, um drama que se estava tragicamente a construir e que deu tudo a perder por soluções românticas agri-doces bastante lamechas e descontextualizadas. De realçar outra vez, por parte de Ishii, a sublimação dos planos-sequência e a confiança enorme nas técnicas de interpretação dos actores.



Moving (1993) de Shinji Somai: ****
Depois de alguns filmes, Shinji Somai está-se a tornar cada vez mais, na minha opinião, numa brutal besta cinematográfica. Com uma narrativa pouco usual no contexto do cinema japonês (divórcio), Somai filma de uma maneira tão perfeita, com os seus longos takes, que parece que nada lhe escapa (um realizador que também tenho essa sensação é Mizoguchi). Este é talvez um dos melhores representantes naquilo que eu chamo de emotividade coreografada com movimentos (ausências) de câmara e de sets. A última cena é a consagração da forma: simbólica, literal, lindíssima cena sobre o crescimento de uma criança (pai e mãe ardendo no meio do rio nebuloso; o abraço da criança do passado com a criança do presente). Perfeito.



Unchain (2000) de Toshiaki Toyoda: **
Apesar de uma forma e estilística parcialmente televisivas, Unchain consegue de algum modo se distanciar desse cânone facilitista, transformando-se numa cadência de histórias vivas em torno de um grupo de amigos pugilistas (de diferentes estilos). A irascibilidade dos seus desafios e o seu carácter quase sempre frustrado, permite a Toyoda, mais uma vez, filmar casos limite de desespero, violência e raiva.



Tetsuo: The Bullet Man (2009) de Shinya Tsukamoto: 0
Depois de um segundo capítulo razoável de Nightmare Detective - prometendo talvez um regresso às suas origens -, Tsukamoto envolveu-se neste projecto bizarro (mas já há muito prometido), provando aqui que de promessas a terceira instalação de Tetsuo deveria ter permanecido. O filme apresenta falhas em quase todos os níveis: 1) Realização velozmente bocejante: alguém tem de dizer a Tsukamoto que os fades constantes na montagem são cansativos e a sua shaky-cam aqui mais livre do que nunca (fazendo-nos questionar a existência efectiva de um cameraman?), é bastante penosa para o seguimento do que se está a ver. Para além disso, Tsukamoto parece estar sem ideias, tanto na composição dos planos (alguns são cópia integral de outros filmes) como no próprio seguimento narrativo (resultando em constantes "becos-sem-saída" na história). 2) Actores dificultados pela barreira linguística, tornando tudo num espectáculo de canastrões, mesmo recitando as mais dramáticas ou filosóficas tiradas. Os actores americanos mais uma vez parecem destoados da narrativa, e os japoneses completamente perdidos. E Tsukamoto a fazer o mesmo personagem (sem tirar nem pôr) do primeiro Nightmare Detective. Falta de inspiração ou "marca autoral"? 3) Argumento insuficiente para o que se propõe, pois perde-se a noção da metamorfose presente principalmente no primeiro filme. A noção de "contágio" é essencial, pois ela não pode arranjar uma narrativa que explique a transformação, enquanto que em Bullet Man todo um (mau) engenho narrativo se constrói para dar credibilidade (?) ao que se passa. Mais uma vez, se o primeiro Tetsuo era composto por uma quantidade de imagens que se justificam surrealmente umas nas outras, em Bullet Man temos o problema "americano" de tradução da composição filmica, sendo os personagens do filme intérpretes do próprio filme, explicando por eles mesmos algo que a própria constituição das imagens deveria encarregar-se de fazer. 4) A música de Chu Ishikawa consegue recriar razoavelmente o ambiente Tetsuo, e ainda temos direito a uma cameo do verdadeiro Tetsuo, Tomorowo Taguchi a escovar os dentes. No final, Tetsuo: The Bullet Man é de se fugir; um filme esquizofrenicamente dividido entre as exigências "americanas", e um experimentalismo tosco que em nada tem que ver com o primeiro que o fundou.



Caterpillar (2010) de Koji Wakamatsu: ***
Esta é a visão wakamatsuana da geração de 40, tão tragicamente representada como em United Red Army, a de 70 surgiria. Se em United a luta armada pela revolução era desmascarada como uma intensa relação de poder e sexualidade (e não a da sua libertação, como se poderia profetizar), em Caterpillar todo o palco temático é o da exortação radical contra todo o tipo de guerra, contextualizada numa história nacional que resulta de uma constante angústia de corrupções carnais e morais. Se bem que Shinobu Terajima nos oferece uma sentida prestação, não consigo deixar de notar alguma contenção relativamente à construção formal. Aqui, à rarefacção estilística juntam-se alguns momentos estranhos e despropositados com uma música melodramática de piano a tentar fazer ressoar uma componente mais lacrimejante que não era, de todo, necessária. A Wakamatsu parece-me que a radicalidade formal já não interessa minimamente, mas sim uma prevalência da narrativa como (des)construção sociológica para desenterrar os fantasmas do passado. Todavia, uma narrativa tão dura como esta, a meu ver, necessitava de um maior arrojo técnico (a curta de Hisayasu Sato em Rampo Noir, por exemplo), nem que com isso se pudesse prescindir de alguma intensidade narrativa ou temática que este Caterpillar de Wakamatsu seguramente tem (talvez até de mais).

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