28/10/12

Fragmentos de 2010/01/06


Crossroads (1928) de Teinosuke Kinugasa: ****
Mais um admirável exemplo do poder mirabolante das primeiras obras de Kinugasa! Mesmo não estando ao nível da loucura experimental de A Page of Madness, a mesma estética onírica está bem demarcada em planos tormentosos e numa história terrificamente trágica, sem deixar de ser destemperadamente sóbria. Se Page of Madness com a sua desconstrução pura poderia ser equiparado aos pesadelos de Yoshida ou Oshima; este Crossroads tem razões para ser o antepassado vigoroso - por causa da sua claustrofobia e do seu sentido alienado e alienante - de Shura por Toshio Matsumoto!



The Elegant Life of Mr. Everyman (1963) de Kihachi Okamoto: ***
Curiosa esta comédia inteligente de Okamoto, que apenas peca por durar demasiado. Apesar disso, tem pormenores - que ao roçarem o absurdo do quotidiano - nos arrancam uma ou outra risada gulosa. De realçar, Keiju Kobayashi que está simplesmente genial.  



Blue Film Woman (1969) de Kan Mukai: 0
Após os entusiásticos e, talvez precipitados, elogios de Jasper Sharp - o entendido "pink" - a Blue Film Woman e ao seu autor Kan Mukai, tinha de ver com os meus próprios olhos aquele que foi, considerando algumas vozes, "o único grande rival de Koji Wakamatsu". O resultado foi um filme desastrado, melodramático na pretensão de ser sóbrio e que reúne uma história sem tragédia a umas interpretações canastronas. Em suma, um filme fraco e até previsível - apesar da excelente sequência inicial - e que me faz reforçar a ideia que até à revolução roman-porno da Nikkatsu, o único grande cineasta pink até finais de 60, era Wakamatsu.



Double Suicide of Sonezaki (1978) de Yasuzo Masumura: ***
Esta segunda e última obra ATG de Masumura foi uma agradável (e talvez literal demais, sem o engenho de um Shinoda) transposição de uma peça de Mozaemon Chikamatsu. Se já sabemos qual o valor das actrizes nos filmes de Masumura (relembre-se os papelões de Ayako Wakao) , desta vez é Meiko Kaji que faz o filme, com uma interpretação sensacional e que apara algumas falhas de "over-acting" do inexperiente Ryudo Uzaki (que nos brinda, ainda assim, com uma estonteante banda-sonora).



All Under the Moon (1993) de Yoichi Sai: ***
Desde que vi o documentário oshimano 100 Years of Japanese Cinema que fiquei com uma ligeira vontade de ver este filme de Yoichi Sai. Embora comece bastante bem, a verdade é que All Under the Moon vai perdendo força consoante a narrativa se vai desenvolvendo. Claro que, sendo este um filme vindo do cineasta japonês mais conhecido com origens coreanas, o tema acaba por funcionar: porque nestas coisas dos "clichés" (do "todos somos seres humanos" que fere os ouvidos atentos) quanto mais se esconder, quanto maior o pudor de revelar, mais digna nos parecerá a conclusão. E All Under the Moon nunca cai nessa tentação de evidenciar seja o que for de naturezas humanas de pacotilha. No entanto, o problema parece-me ser este: (problema comum a certos filmes japoneses dos anos 90; os filmes de Naoto Takenaka, por exemplo) apagando os cumes e o desenlace na narrativa, condensando as emoções a uma alegria esparsa e morna (que é a alegria possível no mundo da rotina, bem o sabemos), o espectador deixa de ter consciência que há algo de maior, por detrás daquilo que vê. Os filmes que sofrem desta pequena falha são aqueles que, por sintoma, parecem que estão sempre a acabar, ou seja, que o valor da cena que continua, para além daquela que devia acabar o filme, é, na maior parte dos casos, nulo.



Tokyo Rendez-vous (2008) de Chihiro Ikeda: **
Embora ache adorável este filme da estreante Chihiro Ikeda, por vezes pareceu-me que se esqueceu do que quer dizer "subtileza", isto é, o imperativo de não ser óbvio; demonstrar o indemonstrável nas pequenas coisas que nos escapam. A mim, parece-me que o ritmo demasiado lento permitiu que essa subtileza se perdesse, em parte, pela tentativa de tornar mais real o que se filmava. Embora seja este uma questão de equilíbrios (e que ele há, há) a subtileza nem sempre anda de mão dada com o ritmo pausado da realidade, e em rigor, não ficamos a saber se foi a subtileza ou a falta dela que está expressa nos diálogos e na própria maneira de filmar.



The Blood of Rebirth (2009) de Toshiaki Toyoda: ****
Apesar de ter estreado dia 19 do mês passado nos cinemas japoneses, um screener do último filme de Toyoda (depois de um hiato de quatro anos) apareceu surpreendentemente, desafiando todas as expectativas! E se o filme é uma adaptação de uma peça "sobrenatural" de Hangan Oguri, as marcas estilísticas de Toyoda estão cá todas: rebelião, o gosto pelos forasteiros, mas principalmente a soberba e inteligente maneira de filmar, tendo a música (só Toyoda podia filmar aqueles 30 minutos finais, elevando o filme para toda outra dimensão) o papel de possibilitar o cunho avassalador das imagens. Apesar do final feliz (?), este The Blood of Rebirth faz, certamente parte, daqueles pesadelos japoneses das vinganças como pano de fundo. Foi bastante bom ver outra vez Toyoda em grande forma.

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