29/10/12

Fragmentos de 2010/08/22



Night of the Felines (1972) de Noboru Tanaka: ****
Tanaka com este Night of the Felines convence-me, mais uma vez (a par com Kumashiro), que a melhor e mais aterrorizadora época da Roman-Porno foram os seus primeiros 4, 5 anos. Embora a narrativa seja tipicamente identificadora do género (as aventuras e desventuras sensuais de um grupo de "massagistas" no mundo suburbano de Tokyo), a sua execução e desenvolvimento em filme não deixa quaisquer dúvidas quanto ao mérito e criatividade de toda a equipa artística. Com um outro apontamento realmente fenomenal, este segundo filme de Tanaka é uma ode à despoetização do corpo e do sexo, num registo que, todavia, se esperaria fantasiado ou mesmo desejoso. Neste cinema, o ofício carnal é visto de maneira tão seca como as vidas dispares que se vão servindo dele. Aqui, há vidas de carne e osso, sem defesas ou ataques.  



The Rendezvous (1972) de Koichi Saito: ****
Esta primeira (e infelizmente imperfeita) tradução de um filme de Koichi Saito - esperaria ver mais cedo Tsugaru jongarabushi, a sua única participação no extenso catálogo ATG - fez-me descobrir mais um talento escondido desta era específica da cinefilia nipónica. Todo o ambiente deslocado e misterioso mais o longo aproveitamento imagético dos comboios e das linhas de ferro fizeram-me lembrar grandes obras da Nouvelle Vague como por exemplo Intentions of Murder de Imamura, Violence at High Noon de Oshima, e os anti-melodramas de Yoshida, mas este não é inteiramente um exercício radical como se poderia prever com esta associação. Poderia dizer que The Rendezvous é uma mistura bastante bem sucedida dos thrillers à Shochiku (por exemplo os de Yoshitaro Nomura) com um certo gosto e construção de picos contemplativos e imagéticos mais ambiciosos. 



Lovers are Wet (1973) de Tatsumi Kumashiro: ****
Tatsumi Kumashiro é um realizador, como se sabe, extremamente singular e a sua obra é portadora de uma estilística muito sui-generis e irrepetível; provando que de artesão em artesão, a vaga Roman Porno tinha mais sumo do que pareceria num primeiro lance. Lovers Are Wet é considerada por muitos críticos a sua obra mais completa e tal consideração não peca por excesso. Há muito mais do que sexualidades e desejos filtrados em película no mundo de Kumashiro. A temática do desejo erótico surge-nos aqui aterrorizada e envolvida numa paisagem quase onírica, de tão esmagadoramente despersonalizada que é. Outras singularidades típicas de Kumashiro (e atípicas para qualquer filme erótico) são as canções folclóricas, assaltando-nos numa envolvência quase etnológica daquela que é a cultura mais tradicional, popular do antigo Japão, mas também uma convicção (que aqui assume proporções gigantescas) que o erotismo e o sexo não é algo humoroso nem extasiante, mas embaraçoso e dormente, que carrega um certo pesar. Para não falar naqueles quadrados negros que na maior parte das vezes, não censuram nada e apenas representam um desejo frustrado e fetichista de ver algo. Para um cinema que supostamente mostraria aquilo que está escondido, Kumashiro desenha uma tragédia silenciosa (com pouco ou nada do que diz respeito a "prazeres alheios"), baseada em terríveis imagens e personagens indefiníveis.


About Love, Tokyo (1992) de Mitsuo Yanagimachi: ***
Não estando ao nível de outros dos seus filmes, Yanagimachi consegue caracterizar uma tumultuosa imagem do conflito de raças no Japão usando um conjunto de emigrantes chineses à procura de uma nova vida. Só que, quando o filme fazia anunciar um desenlace trágico para eclodir as consciências da maneira mais radical, acaba por finalizar-se da maneira mais aberta possível. Se com 19 Year Old e Farewell to the Land tal solução tinha resultado na perfeição, aqui deixa-nos com um sentimento de insatisfação algo inconsolável.



2/Duo (1997) de Nobuhiro Suwa: ****
Sabemos que os filmes de Suwa não são fáceis; o seu estilo representa a viragem angustiante de uma então nova geração de cineastas, contrafeitos com variadas inquietações. Por todo o lado ecoam as seguintes questões: o que filmar e como fazê-lo? Antes de ser um filme sobre juventude e problemas conjugais pós-modernos, 2/Duo é um filme estimulante, feito de pedaços e estilhaços, para procurar a sua própria resolução no processo caótico que é a filmagem. 



Minazuki (1999) de Rokuro Mochizuki: *
O percurso de Rokuro Mochizuki não é muito encorajador. Dos filmes que vi todos parecem ter mais ou menos a mesma fórmula: histórias de traição e violência (ver yakuza) com um pano de fundo romântico/erótico . Minazuki, que é considerada por vários a sua obra mais aconselhável, é mais do mesmo: um filme demasiado longo com uma narrativa que se inicia convenientemente mas logo caí no aborrecimento e numa previsibilidade atroz. Os actores, ainda assim, salvam o filme de alguns bocejos.


Nagisa (2000) de Masaru Konuma: **
Não deixa de ser irónico que um realizador especialista no género S&M, remontando aos dias fervorosos da Roman-Porno Nikkatsuana, acabaria por realizar um filme de primeiros amores imaculados (literalmente) como o seu "testamento cinematográfico". Konuma, desta feita, não entra em excessos e entrega-nos um filme bastante linear (alguns poderiam mesmo dizer académico), mas repleto de amor e dedicação pelos seus personagens. Uma boa entrada para os filmes de Verão sobre o crescimento.



Shangri-La (2002) de Takashi Miike: 0
Por não pertencer ao seu período mais recente de actividade (os últimos quatro, cinco anos) e por parecer assemelhar-se a um lado mais gentil da sua filmografia, poder-se-ia pensar que Shangri-La era um filme com uma qualidade equiparável a The Bird People, Guys from Paradise etc. Infelizmente, tal não é o caso. Aos vícios de um argumento entediante, junta-se uma realização verdadeiramente desapegada que faz que nem Sho Aikawa (com uma das suas mais fraquinhas prestações) salve o edifício de cair.


Yoshino's Barber Shop (2004) de Naoko Ogigami: **
Naoko Ogigami - uma das maiores esperanças femininas do cinema japonês da última década, juntamente com Nami Iguchi - realiza na sua primeira longa-metragem um filme entretido mas que, visto retrospectivamente (como eu o vi), fica aquém de Kamome Dinner ou mesmo Megane. Como alguém dizia, a virtude do estilo de Ogigami é o "estar-se" e não o "ir-se" (a fórmula ecoa noutros casos de cinema japonês independente), e em Yoshino's Barber Shop nota-se uma certa mistura de se "estar" e de se "ir" para algum lado. O filme não aborrece e o estilo de Ogigami até está consolidado, mas não se consegue mergulhar o espectador completamente nas ambiências simples, sorridentes e relaxantes dos seus outros filmes posteriores. Ainda assim, um razoável começo com um punhado de personagens amáveis, quase tirados de um livro de crianças.

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