Our Wedding (1983) de Kichitaro Negishi: ***
A capacidade de Kichitaro Negishi tornar o mistério numa aventura absurda e inclassificável tem de ser elogiada. Our Wedding, filme policial virado completamente do avesso, gira em torno dos azares de Tsutomu, um jovem traquinas que no dia do seu casamento (no qual chega atrasado) vê a sua futura esposa, Makiko, ser esfaqueada por uma outra mulher vestida de noiva que, logo a seguir, se suicida, explodindo, para não ser reconhecida pelas autoridades. E que abertura poderosa, essa, onde a comédia e a violência se unem numa espiral estonteante! O casamento fica adiado e Tsutomu, no meio de um caos mediático e do acompanhamento constante de dois detectives, tem de vasculhar no seu passado oculto de namoros para identificar as razões de tal atentado e salvar o seu futuro. O tom do filme poderia estar completamente dependente da revelação que colocaria tudo nos eixos, mas Negishi aos poucos, entrega-se ao absurdo, parodiando até o próprio conceito de casamento, verdade e nunca cedendo às regras sisudas do género policial. A juventude impreparada prestes a tomar decisões irrevogáveis é também aqui descrita de forma irónica mas sempre complacente, como se os personagens só fossem capazes de ceder ao matrimónio e à monogamia quando todas as regras ficassem subvertidas, quando o casal se entendesse na loucura. Our Wedding pertence a um conjunto de obras "reformistas" que resgatavam conceitos tradicionais (outro título de destaque: Crazy Family de Sogo Ishii) através de uma abertura para a extroversão total e para a insanidade. Eram os doidos anos 80...
Balloon Club, Afterwards (2006) de Sion Sono: **
Versão sion sonoesca de The Big Chill (mais conhecido no nosso país por Os Amigos de Alex), Balloon Club, Afterwards partilha também a temática nostálgica da juventude perdida com outro filme pouco conhecido de Isao Yukisada, e por nós visto recentemente, Sunflower. As três produções iniciam-se com a notícia do falecimento de um colega, sendo que a passagem da informação pelo grupo fá-lo lembrar do tempo livre despendido em conversas, bebidas, namoros... Um tempo certamente difícil de recuperar mas que ainda assim se permeia a tentativas de reencontro, mesmo quando tudo em redor parece ter mudado ou perdido a chama. No caso do filme de Sono, a existência de um clube de balões guarda também a imagem singela de uma idade onde voar não significava só uma metáfora, mas era também uma aspiração ética, um elogio pueril aos sonhos de noites de Verão, aos projectos de vida que se calhar nunca vão ser cumpridos (e, não querendo sobrelotar o texto de referências, é exactamente esta a dimensão que os balões de ar quente também têm em Morning Schedule de Susumu Hani). Apesar de fazer parte das obras gentis do realizador, Balloon Club, Afterwards desenvolve não só o editing rápido e entrecortado como a inclusão de auxiliadores gráficos, ou seja, palavras escritas e narradas que se tornariam imagens de marca a partir de Love Exposure. Não deixa também de transmitir a sua visão agri-doce dos relacionamentos, contrariando a ideia saudosista de que nem mesmo o passado tem falhas, e confinar espaço para momentos catárticos de lirismo, porque para Sono sempre lhe interessaram as capacidades de expressão radicais e não conformistas da juventude.
The Extreme Sukiyaki (2013) de Shiro Maeda: **
O argumentista do excelente A Story of Yonosuke decidiu pegar na câmara para rodar a sua primeira película com a dupla de actores nossa conhecida de filmes como Ping Pong: são eles Arata e o extraordinário Yosuke Kubozuka que interpretam aqui velhos amigos desavindos que embarcam numa viagem curta com os seus interesses amorosos. O resultado final é desequilibrado, mas contêm elementos de destaque. Em primeiro lugar, assinalamos a química entre os actores que são auxiliados por um argumento que, a despeito de não ir a lado nenhum, consegue transmitir momentos de magia deadpan onde conversas insólitas casam com a gentileza inofensiva de um road-movie sem destino e ao ar livre. Situações como a conversa à volta dos hábitos alimentares de Buda (que obviamente comia caril como todos os indianos), um boomerang do contra que é como a vida (pois engana sempre que pretendemos fixar o seu movimento), ou ainda a discussão de quais as regras para comer um sukiyaki genuíno (sem porco e sem molho) vão variando o tom, desde a palhaçada até aos momentos de epifania divertida que por vezes sucedem quando se discorre, entre amigos, sobre tudo e nada. Os quatro protagonistas, nesse êxodo transitório tão característico do cinema japonês contemporâneo, vão descobrindo, entre disparate e convívio num sossego que não se suspeita, sentimentos tão profundos como o amor e o companheirismo de que se recorda com saudade nos tempos realmente difíceis. Uma última menção para a banda-sonora: não sendo imposta de fora, mas fazendo parte das viagens de carro do quarteto, relembra o vício de nos perdermos a espreitar pela janela de um veículo em movimento enquanto os sons acompanham as divagações da mente.
Misono Universe (2015) de Nobuhiro Yamashita: ***
Depois de sair da prisão, Shigeo é violentamente espancado por delinquentes encapuzados. Horas mais tarde, acorda ainda vivo mas sem qualquer memória de quem é, vagueando com a cara cheia de sangue até dar de caras com uma banda num jardim. Uma música surge-lhe subitamente e como que impelido por um instinto oculto canta a plenos pulmões para uma plateia incrédula, parado apenas por um desmaio. Kasumi, a jovem manager da banda, acode o misterioso cantor amnésico e acolhe-o na sua casa com a única contrapartida de este a ajudar no estúdio de música que o pai lhe deixara. Esta amizade improvável só poderia funcionar se houvesse especial atenção aos personagens e, como devemos saber por esta altura, Nobuhiro Yamashita era o realizador indicado para levar tudo a bom porto. O realizador de Osaka, de facto, têm uma apetência inegável para filmar existências que têm imenso interesse mesmo quando a narrativa soa a desastre ou não parece ter nada para oferecer. Kasumi, por exemplo, sendo a típica personagem yamashitana, (rabugenta e masculina) quebra o molde e interage com o sonolento Shigeo de forma completamente credível e cativante, desenvolvendo sentimentos nada duvidosos por ele. Mesmo a banda, que tem uma interpretação secundária, age de maneira a que a sua presença seja agradável e até cómica. Misono Universe pode ser visto igualmente como o regresso de Yamashita às origens musicais de Linda Linda Linda, filme marcante que também vivia dos seus personagens, a saber, um grupo de colegiais que formava uma banda para tocar no festa da sua graduação.
Assassination Classroom (2015) de Eiichiro Hasumi: 0
Não pode haver grandes floreados para Assassination Classroom: para quem não tem relação qualquer com o manga original, resume-se a uma estopada infantil que chega a embaraçar pela artificialidade das prestações, pela inconsequência do argumento e por uma sensação de filme de domingo à tarde com um premissa estranha. É expectável que os admiradores da obra adaptada sintam, como aliás também é costume, uma certa injustiça perante a simplificação psicológica que um filme destes, destinado a um público ou muito jovem ou muito pouco exigente, acarreta. Que fique provado com o professor alienígena fabricado a partir de um CGI fraquinho que ocupa irritantemente quase todos os segundos de película, fazendo troça não só dos alunos que o querem assassinar para salvar o mundo, mas igualmente de nós, espectadores. Se, no entanto, nos virarmos para qualquer outro personagem (desde o insosso protagonista, passando por um menino arrogante que tem tentáculos no cabelo ou ainda uma professora de inglês tão pouco ocidental e tão pouco japonesa) ficaremos com o mesmo amargo de boca e com a mesma sensação de insuficiência e incongruência. A isto junte-se um vilão humano exagerado, sem qualquer credibilidade e uma sucessão de cenas parvinhas (uma delas pretende ser um discurso educativo sobre a importância de se estudar, quando o foco é o assassinato do professor) e têm-se a ideia do quão penoso é Assassination Classroom, uma parada de cosplay entediante.
Tag (2015) de Sion Sono: *
Entre colegiais decepadas em dois, constrições do espaço-tempo, alvejamentos em massa e outras tantas práticas de violência desrealizada (à la jogo de vídeo, como até acaba por ser confirmado mais tarde), Sion Sono prossegue com o seu cinema de personalidade limítrofe, desta feita encenando uma fantasia feminista demasiado histérica, confusa e fragmentada para poder ser levada a sério mesmo no plano meramente das ideias. Se excluirmos a série de televisão Minna! Esper Dayo!, que terá este ano direito a dois filmes, um no pequeno e outro no grande ecrã, nunca Sono tinha sido tão deliberadamente juvenil e tão questionável do bom gosto, quer na forma narrativa excessivamente obscura, quer no conteúdo que nunca prescinde de uma petição lógica (frustrada) dentro da aparente aleatoriedade. E mesmo sabendo nós que todo o seu cinema tende a reformular não só o "bom senso", como qualquer conceito de tonalidade dramática (daí a comparação óbvia entre a vida ser essencialmente surreal e tudo ser visto com os óculos colectivos de um distúrbio mental), Tag não consegue mostrar mais do que um realizador em piloto automático que aproveita a ausência absoluta de verossimilhança para despachar, uma a uma, as suas obsessões e imagens de marca com uma falta de coerência na postura que também é, de algum modo, autoral. Apesar de tudo e de forma indiscriminada, destaco alguns pontos altos: a puerilidade perversa (quase homoerótica) como a juventude é representada, a menstruação simbólica das penas e o casamento zoófilo com um porco que parece simbolizar toda a humanidade que nasceu com um pénis. Resta-nos, para além disto, ou seja, para além de carnificina sumárias e do gore enferrujado por um CGI deplorável, uma imagem do feminino tão ambígua quanto discutível. Num mundo apenas povoado por mulheres, Sono mistura ou confunde inclinações feministas questionáveis (pode assumir-se essa posição filmando tantas cuecas de esgueira?) com uma androfobia, rara para um cineasta masculino e tão sexual.
Yakuza Apocalypse (2015) de Takashi Miike: *
Yakuza Apocalypse foi considerado por muitos um regresso às origens de um realizador que desmontou, várias e várias vezes, o mito do yakuza: nas mãos de Takashi Miike a estoica máfia japonesa já tinha sido robotizada (Full Metal Yakuza), metalizada (Deadly Outlaw Rekka), esventrada (Fudoh, Ichi the Killer), surrealizada (Gozu) que só ficava mesmo a faltar ser vampirizada. O verbo vampirizar, no entanto, assume duas dimensões: a primeira diz respeito à óbvia comparação entre yakuzas e vampiros, pois ambas as figuras vivem às custas (do sangue e do dinheiro) dos inocentes que caem na sua esparrela. A segunda dimensão, mais profunda, podia ser aplicada ao próprio Miike. Aqui ele vai sugar o sangue da sua velha estética "what the f***?", com o seu apogeu na trilogia Dead or Alive e Gozu, mas só consegue replicar uma pálida imagem (um chupão tímido, se quisermos) das capacidades anárquicas de suspensão de juízo do seu cinema passado. À medida que somos conduzidos por este filme sem travões, somos capazes de rir pelo vilão mais poderoso que vem vestido de sapo e logo a seguir desesperar por outra espécie de cena ou personagem que simplesmente está a mais. Claro que para quem conhece a cultura do submundo japonês (muito dela vem, justamente, da sétima arte), Yakuza Apocalypse pode tocar numa ou noutra referência que, parodiada, desperta alguma jocosidade: vejam-se as poses, as atitudes extremas de intimidação, até aquele plano da caminhada de vampiros-rufias retirado directamente de Ichi the Killer. Se Miike conhece a fundo os lugares comuns do género ao ponto de os poder ridicularizar (e não esquecer que, ao longo da sua carreira, fez mais filmes sérios sobre mafiosos do que paródias ou atrocidades) rapidamente demonstra o calcanhar de Aquiles quando mistura com outras estéticas estrangeiras, por exemplo, o filme de artes marciais ou até mesmo o kaiju. As cenas de acção, das quais o filme começa a viver destemperadamente a partir da segunda metade, são desinspiradas para dizer no mínimo. Alinham naquela forma de montagem tosca que dá primazia à velocidade (sonora, visual) e não ao impacto. Quantas cenas de pancadaria deste Yakuza Apocalypse podiam ter aproveitado o potencial cómico se tivessem sido filmadas num plano apenas e tivessem mais noções de slapstick? Na cena final onde vemos Hayato Ichihahra e Yayan Ruhian esmurrarem-se entediadamente é visível no fundo de um velho cinema um cartaz de Fighting Elegy de Seijun Suzuki. Esse filme subvertia completamente a mentalidade imperialista do velho Japão exagerando na violência e belicidade dos comportamentos até à gargalhada. Yakuza Apocalypse, com o seu espírito infantil e demolidor, não consegue ser inteligente na paródia, nem tão pouco suscitar boas reacções ou comédia sem logo a seguir destroná-la com caprichos despropositados e uma aleatoriedade perdida de tão repetida. Um regresso à forma seguramente isto não é.
Balloon Club, Afterwards (2006) de Sion Sono: **
Versão sion sonoesca de The Big Chill (mais conhecido no nosso país por Os Amigos de Alex), Balloon Club, Afterwards partilha também a temática nostálgica da juventude perdida com outro filme pouco conhecido de Isao Yukisada, e por nós visto recentemente, Sunflower. As três produções iniciam-se com a notícia do falecimento de um colega, sendo que a passagem da informação pelo grupo fá-lo lembrar do tempo livre despendido em conversas, bebidas, namoros... Um tempo certamente difícil de recuperar mas que ainda assim se permeia a tentativas de reencontro, mesmo quando tudo em redor parece ter mudado ou perdido a chama. No caso do filme de Sono, a existência de um clube de balões guarda também a imagem singela de uma idade onde voar não significava só uma metáfora, mas era também uma aspiração ética, um elogio pueril aos sonhos de noites de Verão, aos projectos de vida que se calhar nunca vão ser cumpridos (e, não querendo sobrelotar o texto de referências, é exactamente esta a dimensão que os balões de ar quente também têm em Morning Schedule de Susumu Hani). Apesar de fazer parte das obras gentis do realizador, Balloon Club, Afterwards desenvolve não só o editing rápido e entrecortado como a inclusão de auxiliadores gráficos, ou seja, palavras escritas e narradas que se tornariam imagens de marca a partir de Love Exposure. Não deixa também de transmitir a sua visão agri-doce dos relacionamentos, contrariando a ideia saudosista de que nem mesmo o passado tem falhas, e confinar espaço para momentos catárticos de lirismo, porque para Sono sempre lhe interessaram as capacidades de expressão radicais e não conformistas da juventude.
O argumentista do excelente A Story of Yonosuke decidiu pegar na câmara para rodar a sua primeira película com a dupla de actores nossa conhecida de filmes como Ping Pong: são eles Arata e o extraordinário Yosuke Kubozuka que interpretam aqui velhos amigos desavindos que embarcam numa viagem curta com os seus interesses amorosos. O resultado final é desequilibrado, mas contêm elementos de destaque. Em primeiro lugar, assinalamos a química entre os actores que são auxiliados por um argumento que, a despeito de não ir a lado nenhum, consegue transmitir momentos de magia deadpan onde conversas insólitas casam com a gentileza inofensiva de um road-movie sem destino e ao ar livre. Situações como a conversa à volta dos hábitos alimentares de Buda (que obviamente comia caril como todos os indianos), um boomerang do contra que é como a vida (pois engana sempre que pretendemos fixar o seu movimento), ou ainda a discussão de quais as regras para comer um sukiyaki genuíno (sem porco e sem molho) vão variando o tom, desde a palhaçada até aos momentos de epifania divertida que por vezes sucedem quando se discorre, entre amigos, sobre tudo e nada. Os quatro protagonistas, nesse êxodo transitório tão característico do cinema japonês contemporâneo, vão descobrindo, entre disparate e convívio num sossego que não se suspeita, sentimentos tão profundos como o amor e o companheirismo de que se recorda com saudade nos tempos realmente difíceis. Uma última menção para a banda-sonora: não sendo imposta de fora, mas fazendo parte das viagens de carro do quarteto, relembra o vício de nos perdermos a espreitar pela janela de um veículo em movimento enquanto os sons acompanham as divagações da mente.
Misono Universe (2015) de Nobuhiro Yamashita: ***
Depois de sair da prisão, Shigeo é violentamente espancado por delinquentes encapuzados. Horas mais tarde, acorda ainda vivo mas sem qualquer memória de quem é, vagueando com a cara cheia de sangue até dar de caras com uma banda num jardim. Uma música surge-lhe subitamente e como que impelido por um instinto oculto canta a plenos pulmões para uma plateia incrédula, parado apenas por um desmaio. Kasumi, a jovem manager da banda, acode o misterioso cantor amnésico e acolhe-o na sua casa com a única contrapartida de este a ajudar no estúdio de música que o pai lhe deixara. Esta amizade improvável só poderia funcionar se houvesse especial atenção aos personagens e, como devemos saber por esta altura, Nobuhiro Yamashita era o realizador indicado para levar tudo a bom porto. O realizador de Osaka, de facto, têm uma apetência inegável para filmar existências que têm imenso interesse mesmo quando a narrativa soa a desastre ou não parece ter nada para oferecer. Kasumi, por exemplo, sendo a típica personagem yamashitana, (rabugenta e masculina) quebra o molde e interage com o sonolento Shigeo de forma completamente credível e cativante, desenvolvendo sentimentos nada duvidosos por ele. Mesmo a banda, que tem uma interpretação secundária, age de maneira a que a sua presença seja agradável e até cómica. Misono Universe pode ser visto igualmente como o regresso de Yamashita às origens musicais de Linda Linda Linda, filme marcante que também vivia dos seus personagens, a saber, um grupo de colegiais que formava uma banda para tocar no festa da sua graduação.
Assassination Classroom (2015) de Eiichiro Hasumi: 0
Não pode haver grandes floreados para Assassination Classroom: para quem não tem relação qualquer com o manga original, resume-se a uma estopada infantil que chega a embaraçar pela artificialidade das prestações, pela inconsequência do argumento e por uma sensação de filme de domingo à tarde com um premissa estranha. É expectável que os admiradores da obra adaptada sintam, como aliás também é costume, uma certa injustiça perante a simplificação psicológica que um filme destes, destinado a um público ou muito jovem ou muito pouco exigente, acarreta. Que fique provado com o professor alienígena fabricado a partir de um CGI fraquinho que ocupa irritantemente quase todos os segundos de película, fazendo troça não só dos alunos que o querem assassinar para salvar o mundo, mas igualmente de nós, espectadores. Se, no entanto, nos virarmos para qualquer outro personagem (desde o insosso protagonista, passando por um menino arrogante que tem tentáculos no cabelo ou ainda uma professora de inglês tão pouco ocidental e tão pouco japonesa) ficaremos com o mesmo amargo de boca e com a mesma sensação de insuficiência e incongruência. A isto junte-se um vilão humano exagerado, sem qualquer credibilidade e uma sucessão de cenas parvinhas (uma delas pretende ser um discurso educativo sobre a importância de se estudar, quando o foco é o assassinato do professor) e têm-se a ideia do quão penoso é Assassination Classroom, uma parada de cosplay entediante.
Tag (2015) de Sion Sono: *
Entre colegiais decepadas em dois, constrições do espaço-tempo, alvejamentos em massa e outras tantas práticas de violência desrealizada (à la jogo de vídeo, como até acaba por ser confirmado mais tarde), Sion Sono prossegue com o seu cinema de personalidade limítrofe, desta feita encenando uma fantasia feminista demasiado histérica, confusa e fragmentada para poder ser levada a sério mesmo no plano meramente das ideias. Se excluirmos a série de televisão Minna! Esper Dayo!, que terá este ano direito a dois filmes, um no pequeno e outro no grande ecrã, nunca Sono tinha sido tão deliberadamente juvenil e tão questionável do bom gosto, quer na forma narrativa excessivamente obscura, quer no conteúdo que nunca prescinde de uma petição lógica (frustrada) dentro da aparente aleatoriedade. E mesmo sabendo nós que todo o seu cinema tende a reformular não só o "bom senso", como qualquer conceito de tonalidade dramática (daí a comparação óbvia entre a vida ser essencialmente surreal e tudo ser visto com os óculos colectivos de um distúrbio mental), Tag não consegue mostrar mais do que um realizador em piloto automático que aproveita a ausência absoluta de verossimilhança para despachar, uma a uma, as suas obsessões e imagens de marca com uma falta de coerência na postura que também é, de algum modo, autoral. Apesar de tudo e de forma indiscriminada, destaco alguns pontos altos: a puerilidade perversa (quase homoerótica) como a juventude é representada, a menstruação simbólica das penas e o casamento zoófilo com um porco que parece simbolizar toda a humanidade que nasceu com um pénis. Resta-nos, para além disto, ou seja, para além de carnificina sumárias e do gore enferrujado por um CGI deplorável, uma imagem do feminino tão ambígua quanto discutível. Num mundo apenas povoado por mulheres, Sono mistura ou confunde inclinações feministas questionáveis (pode assumir-se essa posição filmando tantas cuecas de esgueira?) com uma androfobia, rara para um cineasta masculino e tão sexual.
Yakuza Apocalypse (2015) de Takashi Miike: *
Yakuza Apocalypse foi considerado por muitos um regresso às origens de um realizador que desmontou, várias e várias vezes, o mito do yakuza: nas mãos de Takashi Miike a estoica máfia japonesa já tinha sido robotizada (Full Metal Yakuza), metalizada (Deadly Outlaw Rekka), esventrada (Fudoh, Ichi the Killer), surrealizada (Gozu) que só ficava mesmo a faltar ser vampirizada. O verbo vampirizar, no entanto, assume duas dimensões: a primeira diz respeito à óbvia comparação entre yakuzas e vampiros, pois ambas as figuras vivem às custas (do sangue e do dinheiro) dos inocentes que caem na sua esparrela. A segunda dimensão, mais profunda, podia ser aplicada ao próprio Miike. Aqui ele vai sugar o sangue da sua velha estética "what the f***?", com o seu apogeu na trilogia Dead or Alive e Gozu, mas só consegue replicar uma pálida imagem (um chupão tímido, se quisermos) das capacidades anárquicas de suspensão de juízo do seu cinema passado. À medida que somos conduzidos por este filme sem travões, somos capazes de rir pelo vilão mais poderoso que vem vestido de sapo e logo a seguir desesperar por outra espécie de cena ou personagem que simplesmente está a mais. Claro que para quem conhece a cultura do submundo japonês (muito dela vem, justamente, da sétima arte), Yakuza Apocalypse pode tocar numa ou noutra referência que, parodiada, desperta alguma jocosidade: vejam-se as poses, as atitudes extremas de intimidação, até aquele plano da caminhada de vampiros-rufias retirado directamente de Ichi the Killer. Se Miike conhece a fundo os lugares comuns do género ao ponto de os poder ridicularizar (e não esquecer que, ao longo da sua carreira, fez mais filmes sérios sobre mafiosos do que paródias ou atrocidades) rapidamente demonstra o calcanhar de Aquiles quando mistura com outras estéticas estrangeiras, por exemplo, o filme de artes marciais ou até mesmo o kaiju. As cenas de acção, das quais o filme começa a viver destemperadamente a partir da segunda metade, são desinspiradas para dizer no mínimo. Alinham naquela forma de montagem tosca que dá primazia à velocidade (sonora, visual) e não ao impacto. Quantas cenas de pancadaria deste Yakuza Apocalypse podiam ter aproveitado o potencial cómico se tivessem sido filmadas num plano apenas e tivessem mais noções de slapstick? Na cena final onde vemos Hayato Ichihahra e Yayan Ruhian esmurrarem-se entediadamente é visível no fundo de um velho cinema um cartaz de Fighting Elegy de Seijun Suzuki. Esse filme subvertia completamente a mentalidade imperialista do velho Japão exagerando na violência e belicidade dos comportamentos até à gargalhada. Yakuza Apocalypse, com o seu espírito infantil e demolidor, não consegue ser inteligente na paródia, nem tão pouco suscitar boas reacções ou comédia sem logo a seguir destroná-la com caprichos despropositados e uma aleatoriedade perdida de tão repetida. Um regresso à forma seguramente isto não é.
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