The Boss's Son Goes to College (1933) de Hiroshi Shimizu: ***
Começar pelo final às vezes é a melhor forma de restituir o poder a um filme. No caso do mudo The Boss's Son Goes to College o final aberto, mas necessariamente aberto pelas razões que já vamos apurar, torna-se ainda mais fascinante pois sabemos que Hiroshi Shimizu rodou mais cinco ou seis sequelas, hoje perdidas ou destruídas, das aventuras e desventuras de universitários boémios, divididos entre o dever e as inclinações hedonistas. Hoje nem sabemos se nessas produções o realizador retomou o seu personagem Minoru Fuji, estudante, filho de pai abastado, jogador talentoso de rugby e um playboy degenerado que se vicia numa vida noctívaga sem responsabilidades e que não responsabiliza, mas podemos dizer que o final aberto fecha o dilema moral deste personagem tão relacionável com chave de ouro. Ao mesmo tempo que Shimizu mergulha a sua objectiva na noite, nas bebedeiras com as geishas, nas visitas aos espectáculos de danças sensuais, contrasta ao mesmo tempo com imagens que evocam a ordem social: os comités de alunos, o próprio desporto como actividade de organização colectiva, o casamento encomendado da irmã do protagonista, os planos da casa do pai onde o trabalho e a vida honesta estão pregados às paredes. Mas a ambiguidade vem de seguida. Ao mesmo tempo que todos os personagens tentam salvar Fuji (por vezes, de forma bastante bruta) da queda inevitável, Shimizu mina a hipocrisia da ordem social (ou melhor, a extrema assimetria entre os costumes sociais e a nova vida moderna das cidades) representando, por exemplo, o recém cunhado de Fuji como alguém que descobre na noite uma vida mais prazerosa do que a vida de casado ou então outro membro da família que critica as saídas do jovem universitário mas mantêm, apesar da sua idade, um caso extraconjugal com uma geisha. Nesses momentos, a câmara, por motivos de humor ou não, põe-se do lado dos boémios e parece dizer que essa vida desviante é um complemento à vida organizada que é exigida a todos e a todo o custo. Essa exigência ou pressão social determina a tristeza dos planos finais. Mesmo quando Fuji resolve e vence, como um homem honesto, como um herói, os desafios no forro social, eis que a vida afectiva está por resolver. Serão os antípodas essencialmente antípodas? Shimizu não responde à pergunta, mas não é fatalista ao ponto de se inclinar para um caminho correcto de vida. Com a ambiguidade de The Boss's Son Goes to College, Shimizu parece querer dizer que a existência honesta, tal como a hedonista, é uma existência incompleta.
Port of Flowers (1943) de Keisuke Kinoshita: ***
Dos
quatro filmes realizados por Keisuke Kinoshita durante a participação
japonesa na Segunda Guerra Mundial, Port of Flowers juntamente com
The Army afirmam-se na contemporaneidade como os casos mais
interessantes, sobretudo se os encararmos sob o prisma da assinatura
propagandística, uma limitação criativa totalmente incontornável que afectou tantos outros realizadores dessa era. The Army era, em
tudo, mais declarado do que este primeiro filme (a estreia de
Kinoshita contrariamente ao que escrevi em tempos quando falei sobre Magoroku Is Alive) mas em ambos conseguimos ler nas entrelinhas o cepticisimo latente em relação aos assuntos bélicos muito embora a mensagem num e noutro nunca tivesse sido abertamente anti-guerra, parecendo até o contrário. Port of Flowers é uma comédia com dois burlões que enganam uma aldeia inteira e que a dada altura usam a declaração japonesa de guerra para assegurar que o esquema - ainda que inconscientemente - vá em seu proveito. Os dois forasteiros (Ken Uehara - que risada! - e Eitaro Ozawa) introduzem uma perspectiva diferente, mais lúcida na trafulha, do que a dos habitantes ingénuos que são enrolados no seu esquema: não festejam a guerra como eles, não têm grandes vinganças ou ódios estrangeiros (não praguejam "demónios americanos" como faz um dos mais jovens rapazes) e, tal e qual como as pessoas invísiveis que começaram com o confronto e a destruição em nome do Império, são também causadores da galvanização popular, desencadeiam até os seus maiores sacrifícios, unicamente por interesses pessoais falsamente mascarados de homenagens à memória e causas superiores. Será de duvidar das intenções críticas de Kinoshita quando, ao mesmo tempo, notamos uma certa convicção nacionalista por exemplo na cena final? Kinoshita nunca foi um iconoclasta e sempre as suas conclusões éticas foram retiradas da sensibilidade humanística dos seus personagens. Aconteceu assim em The Army, que forneceu a mais ambígua representação teórica de uma mensagem anti-guerra e que se tornava exactamente anti-guerra apenas ao nível da emoção (quando a mãe via o seu filho partir para a morte perante os gritos nauseantes de encorajamento do povo) e aqui acontecia pela primeira vez quando os aldrabões, depois de ver o esforço silencioso da viúva enganada, cujo falecido marido diziam ser seu pai, resolvem finalmente entregar-se à polícia quando o tempo for indicado. Não são os sentimentos patrióticos que tomam a dianteira para o caminho da reabilitação, mas a contemplação da resiliência e sofrimento humano perante o engano. Se pensarmos agora no derradeiro plano (Ken Uehara de frente para a câmara, com uma lágrima no olho, cismando: "Vamos começar de novo") podemos não só antever o futuro de um país como dizer que o primeiro filme de Kinoshita durante a guerra poderia ter sido o seu último ou o primeiro de uma nova era, onde, justamente, se tinha de começar de novo.
Secret of Naruto (1957) de Teinosuke Kinugasa: **
Teinosuke Kinugasa é daqueles realizadores totalmente desconhecidos salvo uma ou duas obras que, por razões específicas, fizeram que o seu nome ficasse para os anais da História do Cinema Japonês, sendo até um dos nomes mais citados quando se fala do reconhecimento ocidental desse cinema na época do pós-guerra. Excluindo o modernismo impressionista e surrealizante de A Page of Madness e o academismo colorido, vencedor da Palma de Ouro de Gate of Hell, a verdade é que a restante porção da filmografia do realizador não é vista nem mesmo pelos especialistas, talvez por ser maioritariamente composta por filmes industriais mais afins às exigências monetárias dos estúdios: a Toho nos anos 40 e a Daiei nos anos 50 e 60. Secret of Naruto, filme de acção com ninjas (não, o título nada tem a ver com o famoso manga!), intrigas políticas, lutas de sabre e rivalidades entre espadachins, representa a típica produção de estúdio com uma narrativa demasiado melodramática, intrincada mas pouco complexa a nível de profundidade de carácter. À semelhança de tantas outras películas do género, esta também acaba por ser um veículo para as grandes estrelas do estúdio (a Daiei neste caso): o lendário Kazuo Hasegawa como protagonista, a bela Chikago Awashima e o talentosíssimo Raizo Ichikawa, aqui um vilão algo previsível. Se não dizemos muito mais, é porque Secret of Naruto não merece nem muitos elogios, nem muitas críticas. É apenas um exercício rotineiro, sem o virtuosismo e o brilho de, por exemplo, um Mizoguchi.
Safari 5000 (1969) de Koreyoshi Kurahara: *
De acordo com Jasper Sharp em Historical Dictionary of Japanese Cinema, esta mega produção rodada na Europa, Japão e África foi o filme japonês mais rentável de 1969, um estrondoso êxito de bilheteira. As razões desse feito, a despeito da qualidade duvidosa do filme, não devem ser muito difíceis de explicar: em primeiro lugar, o facto de ter sido filmado no estrangeiro (na França romântica e na África exótica) era na altura aliciante para o público japonês que parecia estar perante uma produção estrangeira com os seus tão queridos e reconhecíveis actores nacionais. A segunda razão prende-se com a despedida de um casal de actores do grande ecrã. Ruriko Asaoka e Yujiro Ishihara, que desde o final dos anos 50 apareceram tantas vezes juntos e a interpretar o ideal do casal descontraído e moderno - o bad-boy e a mulher capaz de esperar por ele - têm aqui a sua última colaboração com Koreyoshi Kurahara, que a par de Toshio Masuda e através de filmes como I Am Waiting, Love Story of Ginza, I Hate But Love foi o grande responsável pela imagem de marca de ambos. Safari 5000 infelizmente é bastante medíocre se nos abstrairmos destas supostas "receitas para o sucesso": conta os sucessos e insucessos de Godai (Ishihara) e Piere dois pilotos completamente devotos por guiar e ganhar várias competições automobilísticas, desde Fórmula 1 até um Safari africano que ocupa toda a segunda metade da película. A relação com as suas duas mulheres ocorre sempre num vai-e-vem com a obsessão masculina pelas corridas. Elas são mal-amadas, esperam ansiosamente que os seus amados não tenham acidentes graves e são quase sempre colocadas em segundo plano até à cena final de reconciliação e sucesso. Para além deste simplismo psicológico, outros factores que colocam alguma dificuldade em nos relacionarmos convenientemente com o que vemos são as fracas interpretações dos actores secundários (e porque é que os realizadores japoneses têm tanta dificuldade em dirigir actores estrangeiros?) e a excessiva duração (quase 3 horas)! De facto, vamos perdendo sucessivamente o interesse pelo desfecho previsível quando a duração não acrescenta qualquer significado narrativo a não ser estender cenas de corridas ad aeternum, ou cenas em que os personagens estão juntos mas pouco revelam da sua personalidade para além do que já conhecemos nos primeiros momentos em que tinham aparecido... Safari 5000 é, por estas razões, um filme-postal.
Safari 5000 (1969) de Koreyoshi Kurahara: *
De acordo com Jasper Sharp em Historical Dictionary of Japanese Cinema, esta mega produção rodada na Europa, Japão e África foi o filme japonês mais rentável de 1969, um estrondoso êxito de bilheteira. As razões desse feito, a despeito da qualidade duvidosa do filme, não devem ser muito difíceis de explicar: em primeiro lugar, o facto de ter sido filmado no estrangeiro (na França romântica e na África exótica) era na altura aliciante para o público japonês que parecia estar perante uma produção estrangeira com os seus tão queridos e reconhecíveis actores nacionais. A segunda razão prende-se com a despedida de um casal de actores do grande ecrã. Ruriko Asaoka e Yujiro Ishihara, que desde o final dos anos 50 apareceram tantas vezes juntos e a interpretar o ideal do casal descontraído e moderno - o bad-boy e a mulher capaz de esperar por ele - têm aqui a sua última colaboração com Koreyoshi Kurahara, que a par de Toshio Masuda e através de filmes como I Am Waiting, Love Story of Ginza, I Hate But Love foi o grande responsável pela imagem de marca de ambos. Safari 5000 infelizmente é bastante medíocre se nos abstrairmos destas supostas "receitas para o sucesso": conta os sucessos e insucessos de Godai (Ishihara) e Piere dois pilotos completamente devotos por guiar e ganhar várias competições automobilísticas, desde Fórmula 1 até um Safari africano que ocupa toda a segunda metade da película. A relação com as suas duas mulheres ocorre sempre num vai-e-vem com a obsessão masculina pelas corridas. Elas são mal-amadas, esperam ansiosamente que os seus amados não tenham acidentes graves e são quase sempre colocadas em segundo plano até à cena final de reconciliação e sucesso. Para além deste simplismo psicológico, outros factores que colocam alguma dificuldade em nos relacionarmos convenientemente com o que vemos são as fracas interpretações dos actores secundários (e porque é que os realizadores japoneses têm tanta dificuldade em dirigir actores estrangeiros?) e a excessiva duração (quase 3 horas)! De facto, vamos perdendo sucessivamente o interesse pelo desfecho previsível quando a duração não acrescenta qualquer significado narrativo a não ser estender cenas de corridas ad aeternum, ou cenas em que os personagens estão juntos mas pouco revelam da sua personalidade para além do que já conhecemos nos primeiros momentos em que tinham aparecido... Safari 5000 é, por estas razões, um filme-postal.
Wood Job! (2014) de Shinobu Yaguchi: ***
Quem melhor do que Shinobu Yaguchi para oferecer uma comédia simpática com personagens simples, mas amáveis num cenário que desta vez nos faz descobrir os encantos de se ser lenhador numa comunidade distante do tempo e da azáfama urbana? Depois de chumbar o exame de entrada para a universidade, Yuki Hirano (Shota Sometani a interpretar mais um desastrado com piada) decide inscrever-se, mais ou menos aleatoriamente, num curso técnico de lenhador com base num poster aliciante (com uma bonita mulher, óbvio). Passado algum tempo, Yuki vê-se metido num imbróglio dos grandes. A vida de lenhador não é um mar de rosas e a bravura e primitividade da vida dos seus companheiros de trabalho nada tem a ver com a suavidade de um rapaz da cidade. Claro que a fórmula não é muito original: um estranho adaptando-se a uma nova realidade e acostumar-se a ela de tal modo que a sua anterior realidade perde o seu sentido foi, ao longo dos anos, um dos temas predilectos de Yaguchi (desde aos nadadores forçados de Waterboys às raparigas que não gostavam de Jazz em Swing Girls). Porém, se aqui a fórmula funciona é porque tudo (desde aos personagens até à mensagem do aproveitamento e gestão dos recursos naturais em prol do futuro sustentável das novas gerações) está repleto de gentileza e credibilidade.
Silver Spoon (2014) de Keisuke Yoshida: **
Estranho como no mesmo ano e num tão curto espaço de tempo pude assistir a dois filmes tão semelhantes. Tanto Wood Job! como Silver Spoon partilham do mesmo pressuposto: um adolescente da cidade desloca-se para o interior onde tomará conhecimento de uma realidade mais rural e imprópria dos seus costumes. Em ambos os casos, a entrada nesse mundo dá-se mais ou menos por acaso e, no final, a adaptação é tão grande e os laços humanos que são estabelecidos tão valiosos que o estranho passa completamente a familiar. Se Wood Job! era uma comédia bem estruturada sobre lenhadores com personagens caricatos mas muito amáveis, Silver Spoon envereda por um caminho mais discreto e com menos situações de relevo. O humor é abrandado e assim também acontece com a simpatia geral da película. A formação de Yuugo na Escola de Agricultura chega a ser até demasiado regular, com momentos de cinema mais previsíveis e académicos, assim como personagens menos interessantes e por quem nutrimos menos carinho. Não quer isto dizer que Silver Spoon não tenha o seu interesse, mas de maneira geral é um parente mais pobre do novo filme de Shinobu Yaguchi.
Rurouni Kenshin - The Legend Ends (2014) de Keishi Otomo: **
A batalha emocionante contra o maldoso Makoto Shishio continua nesta terceira parte, que é também a última das aventuras de Kenshin Himura no grande ecrã. Agora que a lenda acabou, não podemos deixar de confessar alguma desilusão com este desfecho que, mesmo não trazendo novas imperfeições que não estivessem em potência e acto nos outros filmes, acaba por acentuá-las para pior, afastando-se cada vez mais da inspiração originária para concluir, com alguns lugares comuns, a trilogia. Sendo um mau presságio ou não, os anseios que tinha pedido em Kyoto Inferno, a segunda parte, não se realizaram. Bem sabemos que o capítulo final de um trabalho de ficção (e ainda mais no caso da sétima arte) tem classicamente de passar por uma quantidade de etapas para dar a sensação de um fechamento significativo. Nas trilogias, a terceira parte é sempre uma resposta a um cliffhanger qualquer dado na segunda parte: é o regresso do herói, a solução fulgurosa para a angústia, a altura da resolução final contra todos os antagonismos. Como também sabemos, o manga de Nobuhiro Watsuki como prescindia, dado o seu formato, de uma estrutura tripartida e a acção narrativa sempre foi bem mais distendida, nunca precisou de cair nestas formas básicas de atribuir máximo significado aos heróis, formas por nós tão conhecidas e que na cultura popular vão desde os episódios originais do Star Wars ao Lord of the Rings. Por isso, a salvação e o encontro com o mestre de Kenshin, assim como a aprendizagem da última técnica de sabre no seguimento imediato do cliffhanger artificial do segundo filme nada tem a ver com percurso da obra, pois inaugura uma solução causal demasiado simples e que nos deixa antever facilmente a maneira como tudo irá terminar. Outro facto infelizmente desnecessário é a ideia de uma única grande batalha final, quando no manga cada batalha com os terríveis capangas de Shishio era como se fosse, ela mesma, uma batalha final. Em The Legend Ends o embate com pretensões épicas à fortaleza aquática de Shishio (já agora, porquê um barco se no original era uma montanha?) acaba por ser apressado para chegarmos à esperada cena final. Tudo o resto - os restantes membros das Dez Espadas, figurantes que nem um minuto de filme tiveram direito, o muito promissor mas mal aproveitado Sojiro Seta, Yumi e a devoção inexplicável pelo génio do mal - não passa de uma diversão confusa e encavalitada para tudo acontecer ao mesmo tempo de uma forma épica. Portanto, mesmo sofrendo destes males, temos de dizer, a bem da justiça, que a batalha final contra Shishio é uma boa réplica da do manga e mesmo que metade das motivações se tenham perdido na adaptação, toda a energia e acção está lá.
Silver Spoon (2014) de Keisuke Yoshida: **
Estranho como no mesmo ano e num tão curto espaço de tempo pude assistir a dois filmes tão semelhantes. Tanto Wood Job! como Silver Spoon partilham do mesmo pressuposto: um adolescente da cidade desloca-se para o interior onde tomará conhecimento de uma realidade mais rural e imprópria dos seus costumes. Em ambos os casos, a entrada nesse mundo dá-se mais ou menos por acaso e, no final, a adaptação é tão grande e os laços humanos que são estabelecidos tão valiosos que o estranho passa completamente a familiar. Se Wood Job! era uma comédia bem estruturada sobre lenhadores com personagens caricatos mas muito amáveis, Silver Spoon envereda por um caminho mais discreto e com menos situações de relevo. O humor é abrandado e assim também acontece com a simpatia geral da película. A formação de Yuugo na Escola de Agricultura chega a ser até demasiado regular, com momentos de cinema mais previsíveis e académicos, assim como personagens menos interessantes e por quem nutrimos menos carinho. Não quer isto dizer que Silver Spoon não tenha o seu interesse, mas de maneira geral é um parente mais pobre do novo filme de Shinobu Yaguchi.
Rurouni Kenshin - The Legend Ends (2014) de Keishi Otomo: **
A batalha emocionante contra o maldoso Makoto Shishio continua nesta terceira parte, que é também a última das aventuras de Kenshin Himura no grande ecrã. Agora que a lenda acabou, não podemos deixar de confessar alguma desilusão com este desfecho que, mesmo não trazendo novas imperfeições que não estivessem em potência e acto nos outros filmes, acaba por acentuá-las para pior, afastando-se cada vez mais da inspiração originária para concluir, com alguns lugares comuns, a trilogia. Sendo um mau presságio ou não, os anseios que tinha pedido em Kyoto Inferno, a segunda parte, não se realizaram. Bem sabemos que o capítulo final de um trabalho de ficção (e ainda mais no caso da sétima arte) tem classicamente de passar por uma quantidade de etapas para dar a sensação de um fechamento significativo. Nas trilogias, a terceira parte é sempre uma resposta a um cliffhanger qualquer dado na segunda parte: é o regresso do herói, a solução fulgurosa para a angústia, a altura da resolução final contra todos os antagonismos. Como também sabemos, o manga de Nobuhiro Watsuki como prescindia, dado o seu formato, de uma estrutura tripartida e a acção narrativa sempre foi bem mais distendida, nunca precisou de cair nestas formas básicas de atribuir máximo significado aos heróis, formas por nós tão conhecidas e que na cultura popular vão desde os episódios originais do Star Wars ao Lord of the Rings. Por isso, a salvação e o encontro com o mestre de Kenshin, assim como a aprendizagem da última técnica de sabre no seguimento imediato do cliffhanger artificial do segundo filme nada tem a ver com percurso da obra, pois inaugura uma solução causal demasiado simples e que nos deixa antever facilmente a maneira como tudo irá terminar. Outro facto infelizmente desnecessário é a ideia de uma única grande batalha final, quando no manga cada batalha com os terríveis capangas de Shishio era como se fosse, ela mesma, uma batalha final. Em The Legend Ends o embate com pretensões épicas à fortaleza aquática de Shishio (já agora, porquê um barco se no original era uma montanha?) acaba por ser apressado para chegarmos à esperada cena final. Tudo o resto - os restantes membros das Dez Espadas, figurantes que nem um minuto de filme tiveram direito, o muito promissor mas mal aproveitado Sojiro Seta, Yumi e a devoção inexplicável pelo génio do mal - não passa de uma diversão confusa e encavalitada para tudo acontecer ao mesmo tempo de uma forma épica. Portanto, mesmo sofrendo destes males, temos de dizer, a bem da justiça, que a batalha final contra Shishio é uma boa réplica da do manga e mesmo que metade das motivações se tenham perdido na adaptação, toda a energia e acção está lá.
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