The Golden Demon (1937) de Hiroshi Shimizu: ***
A tessitura dramática de Shimizu é sempre sóbria e, tal como era usual no seu tempo, usava-se preocupações sociais como pano de fundo para delinear psicologias amorosas em conflito. Antes da versão sonora de Hiroshi Shimizu, já a obra original de Koyo Ozaki tinha sido adaptada para o grande ecrã mais de meia dúzia de vezes e, inclusivamente, seria ainda rodada a cores por Koji Shima em 1954 - essa versão já foi tratada algures neste espaço. Com toda a justiça, podemos dizer que ao contrário da versão aparentemente mais moderna de Shima, este The Golden Demon evita o melodrama e tenta sempre dar uma profundidade (acima de tudo espacial) aos sentimentos desencontrados dos "dois pares" trocados pelo destino e pelas diferenças económicas. Com efeito, Shimizu nunca coloca a sua câmara ao acaso nem tão pouco se coíbe de a mover em graciosos travelings que abrem cada novo local e apresentam cada nova cena de maneira tão atmosférica. Talvez porque o filme actualmente permanece incompleto - e porque narrativamente no final ficamos suspensos num cliffhanger - ficamos ainda mais com a sensação de que esta adaptação não tem qualquer compromisso com melodramatismos.
Gang Vs. Gang (1962) de Teruo Ishii: **
Muito antes dos seus excessos "ero-guro", Teruo Ishii foi daqueles cineastas que ficaram encarregues de transpôr a estética do filme noir para a realidade nipónica. À saga Line (Black Line, Yellow Line, Sexy Line, Fire Line) seguiu-se um conjunto de filmes não relacionados directamente e que partilhavam a mesma palavra algures no título, Gang. Duas dessas películas já tinham sido lançadas em anos anteriores, e enquanto Ishii filmava este Gang Vs. Gang um jovem Kinji Fukasaku rodava também com Koji Tsuruta e para a Toei, Gang Vs. G-men, tentando, porventura, familiarizar-se com as idiossincrasias dos filmes de gangsters, mesmo quando estas vinham importadas, americanizadas e pareciam ainda pouco genuínas. Na verdade, este traço estilístico podia parecer postiço, mas abria novas possibilidades de imagem, principalmente no que diz respeito à iluminação e a jogos de contraste entre preto e branco. Logo no primeiro plano, uma silhueta negra sai da prisão e invade o plano até o tapar completamente. Esta acção rápida mas plena de sensibilidade fotogénica. demonstra de forma instantânea o feitio do nosso herói: alguém cool o bastante para se vingar dos que o traíram e desmantelar uma rede de tráfico de droga. Apesar do cuidado da iluminação ser milimétrico nas cenas em interiores, a opção de rodar bastante em exteriores (maioritariamente, nas ruas e em espaços urbanos) reforça a novidade do cinema despreocupado e "público" de, por exemplo, uma Nova Vaga Francesa.
Gang Vs. Gang (1962) de Teruo Ishii: **
Muito antes dos seus excessos "ero-guro", Teruo Ishii foi daqueles cineastas que ficaram encarregues de transpôr a estética do filme noir para a realidade nipónica. À saga Line (Black Line, Yellow Line, Sexy Line, Fire Line) seguiu-se um conjunto de filmes não relacionados directamente e que partilhavam a mesma palavra algures no título, Gang. Duas dessas películas já tinham sido lançadas em anos anteriores, e enquanto Ishii filmava este Gang Vs. Gang um jovem Kinji Fukasaku rodava também com Koji Tsuruta e para a Toei, Gang Vs. G-men, tentando, porventura, familiarizar-se com as idiossincrasias dos filmes de gangsters, mesmo quando estas vinham importadas, americanizadas e pareciam ainda pouco genuínas. Na verdade, este traço estilístico podia parecer postiço, mas abria novas possibilidades de imagem, principalmente no que diz respeito à iluminação e a jogos de contraste entre preto e branco. Logo no primeiro plano, uma silhueta negra sai da prisão e invade o plano até o tapar completamente. Esta acção rápida mas plena de sensibilidade fotogénica. demonstra de forma instantânea o feitio do nosso herói: alguém cool o bastante para se vingar dos que o traíram e desmantelar uma rede de tráfico de droga. Apesar do cuidado da iluminação ser milimétrico nas cenas em interiores, a opção de rodar bastante em exteriores (maioritariamente, nas ruas e em espaços urbanos) reforça a novidade do cinema despreocupado e "público" de, por exemplo, uma Nova Vaga Francesa.
Fiquei com a impressão de que este era o tipo de filme que os detractores de Branded to Kill queriam ter visto para as suas críticas fazerem sentido. Atsushi Yamatoya devia ser relembrado, acima de tudo, como argumentista, um lendário argumentista. Foi ele que, juntamente com Masao Adachi, poetizou os pinks de Koji Wakamatsu, foi ele que nos idos de 70 redefiniu a rebeldia juvenil da Nikkatsu (quer na obra de Toshiya Fujita, quer na de Yasuharu Hasebe) e, mais importante, foi ele um dos responsáveis pela escritura de um dos mais marcantes filmes de sempre: o já referido Branded to Kill, filmado no mesmo ano de 67. Na verdade, a desconstrução do herói hard-boiled é uma assinatura yamatoyana. Neste Inflatable Sex Doll (filme mais falado do que visto) o mundo dos hitmans também é mergulhado no onirismo confuso (e o onirismo aponta para a farça absurda) só que, claramente a expressão imagética é mais relevante e reveladora num caso do que no outro. O que diferencia a realização fervilhante de Yamatoya (mas sem travões) da de Suzuki é, precisamente, a componente transfiguradora das imagens surreais num regime de variação livre. Branded to Kill era um produto que vinha do interior da Nikkatsu e era, portanto, a consagração máxima da iconoclastia e rebeldia de alguém que se tornou autor, precisamente, por fazer variações alucinatórias das regras e preceitos de um artesão. Tinha sido produzido com o budget do estúdio e feito por trabalhadores habituados a despachar filmes sem artisticidade, por isso o choque de linguagens (a experimental e a ortodoxa) só podia gerar algo marcante. Pelo contrário, Inflatable é uma produção independente que não pode deixar de descurar as imagens (diria que falta o cinemascope da Nikkatsu, veja-se essa carência nos enquadramentos que, por vezes cortam partes da imagem), precisamente o veículo privilegiado de tais intentos surreais! No final, a realização de Yamatoya é desequilibrada mas interessante, muito confusa mas repleta de boas ideias. Uma espécie de ideal selvagem em rascunho para alguém visionário (quiçá um Suzuki) pegar.
Sex Game (1968) de Masao Adachi: ***
Incendiário como sempre, este raríssimo filme do forasteiro Masao Adachi parece continuar o trilho de gasolina cinematográfica deixado pelo seu "companheiro de luta", Wakamatsu, a saber, descrição de uma juventude que esbateu os limites morais e vê na violência e na sexualidade a única maneira de se exprimir com radicalidade e, portanto, honestidade brutal. Mais relevante do que esta busca desconexa pela violentação do outro e do próprio, é a presença fantasmagórica e atmosférica (pairante, até diria) de uma revolução "política" que se exprimiria exactamente da mesma forma e com as mesmas energias destrutivas e anárquicas. Marx e Engels tinham avisado no Manifesto Comunista de 1848 que o fantasma comunista vinha para ficar na Europa; Buñuel, depois deles, chamou "Fantasma da Liberdade" ao seu filme mais desconexo e que apontaria para o pós-modernismo, a expressão cultural do não ser determinado. Adachi neste Sex Game filma tudo menos este fantasma da Revolução, que, por um lado, não é mais do que um fantasma, no sentido de não existir efectivamente, mas a sua inscrição irreal deixa nos que acreditam nele ou o desejam um sentimento complexo de ansiedade e justificação. No final, o fantasma é Deus, mas um Deus maligno que necessita ver sacrificados os falsos fieis. Eis que Adachi encontra neste universo confuso e contraditório, mas repleto de revolta (nem que seja a revolta que nasce da revolta) imagens misteriosas (quase surreais se não fossem carnais) de uma geração cuja lógica de conduta residia na escolha de extremos. Portanto, a sequência final - farsa agressiva que suspende a seriedade diegética como se nada fosse - aponta para a seguinte denúncia: a evasão do Deus da Revolta torna a escolha dos extremos arbitrária, sejam eles a pertença ao Exército Vermelho ou a inscrição no Tatenokai (Sociedade do Escudo) de Yukio Mishima.
Wicked Priest 5 - Drinking, Gambling and Women (1971) de Buichi Saito: **
Com um subtítulo tão auto-explicativo não é de estranhar que o último filme da saga Wicked Priest seja uma colagem, mais ou menos incoerente, de todas aquelas traquinices que fizeram moderado sucesso junto de um público então cada vez mais dissidente e distante tanto da estética dos chanbara, como da ética dos ninkyo. Apicantar os heróis era obrigatório numa era que já não queria ver heróis imaculados, mas continuava a apostar-se num sentido qualquer de justiça e bondade. Se o monge Shinkai sempre foi um Zatoichi vidente (no quarto filme, inclusivamente, ficava cego) mais atrevido e eticamente questionável, neste último capítulo assinado por Buichi Saito - que tinha feito inúmeros ninkyo durante os anos 60 e em 72 fecharia outra saga célebre da Toei sobre yakuzas honestos, Red Peony Gambler com a diva Sumiko Fuji - a inspiração diegética é propriamente outra. Apesar de algumas cenas serem reminiscentes dos chanbara (os fraudulentos jogos de dados logo ao inicio), toda a constância narrativa pende para os ninkyos mais tradicionais, onde a honra e a justiça vencem no final do dia. Veja-se o chefe yakuza bom (Takashi Shimura, sim o de Kurosawa) que é trapaceado pela desonestidade dos seus "irmãos", enfim, vemos aprovada uma certa justiça poética e popular mesmo num personagem que, como se disse, aparentemente não saberia o significado de tais predicados. Talvez o pior e ao mesmo tempo o mais fascinante aspecto das produções de estúdio seja os últimos filmes ou a maneira como esses filmes terminam no contexto de uma saga. As grandes sagas do cinema japonês (Tora-san, Nemuri Kyoshiro, Lone Wolf and Cub, Shinobi, até mesmo Zatoichi, etc.) têm finais abertos, como se a responsabilidade de fechar conceptualmente a história destes personagens fosse demasiada para os estúdios acarretarem, vislumbrando sempre uma maneira qualquer de continuação, mesmo que esta só fosse possível na imaginação dos espectadores. Com Wicked Priest sucede o mesmo: depois da batalha sem desfecho com Ryotatsu, seu rival, plano aberto numa paisagem árida. Shinkai percorre em profundidade o campo, como se escapasse à câmara e induzisse o espectador à sua despedida fantasiosa. "Imagina-me, pois eu não regresso."
Gentle 12 (1991) de Shun Nakahara: ****
12 Angry Men de Sidney Lumet tinha introduzido no discurso cinematográfico um modo original de procura pela "verdade" quando esta tem consequências práticas devastadoras. Todos sabemos do que esse mítico filme trata: um conjunto de jurados, reunidos numa única sala, discute até à unanimidade um caso aparentemente óbvio de parricídio. Henry Fonda personificava, não só o cepticismo e o questionamento dessa evidência, como a necessidade de fazer falar os outros e ouvir as suas razões à primeira vista tão seguras. Era, portanto, o responsável pela instalação de um verdadeiro processo de escavamento pelas condições psicológicas que fazem aderir a certas "verdades convenientes" e ainda esgrimir novas possibilidades de como todo o processo de tribunal poderia ter sido baseado em erros. A petição pela unanimidade de todos os jurados criava, pois, uma tensão explosiva e demonstrava que, acima de tudo, uma verdade tem de ser convincente para se acreditar nela e se a defender, mesmo que (e isto é muito importante) ela não passe, no final do dia, de uma mera conjectura ou miragem. Só há matizes de possibilidade, nunca certezas, nunca a verdade. Parecendo que não, nem uma palavra foi dita sobre Gentle 12 e já muito se falou sobre ele. Na verdade, esta comédia - uma feliz revisitação da obra de Lumet - transpõe a mesma problemática da unanimidade mas com um requinte timidamente japonês: e se, ao invés de todos os jurados declararem culpado o arguido, o declarassem (sem malícia e com uma certa irresponsabilidade cândida) inocente? É o mote para revertermos as premissas do drama original, mantendo, ainda assim, quase tudo o resto intocável. A mise-en-scène minimalista e teatral de Nakahara e, principalmente, o argumento de Koki Mitani são inteligentes o bastante para jogar e brincar com a fonte sem a parodiarem, antes pelo contrário, mantêm-se aqui toda a sagacidade, inteligência e frescura que Lumet em 57 nos brindava. Menos furiosos, portanto mais simpáticos, inocentes e quase idiotas, estes jurados são tipicamente japoneses, no sentido em que confiam excessivamente na intuição e demonstram uma vontade estranha de não compromisso com decisões muito radicais. É bastante divertido para um Ocidental ver que na opinião pública japonesa é mais difícil, é mais desconfortável, condenar do que absolver.
Soft Skin (1998) de Hisayasu Sato: **
Quer seja doentio ou levemente satírico, a verdade é que Hisayasu Sato ao longo da sua carreira balançou constantemente nestes dois registos: o drama psico-sexual e, mais raramente, a comédia de costumes. Ambos sempre se revestiram de um não-sei-quê que carrega vontades radicais de transgressão e revolta, seja dos valores tradicionais (Sato jamais foi alheio à tradição dos pinks familiares, sempre na senda de um Teorema pasoliniano) seja de uma certa ansiedade e neurose urbana que se exprime em desvios e aberrações sexuais. Por isso, Soft Skin vem mais na continuidade de um Rafureshia do que de um Survey Map Of Paradise Lost e isto quer dizer, em primeiro lugar, que se trata de uma "comédia" visceralmente estranha como apenas Sato as fazia. Em segundo lugar, a família - e decadência e desencontro dos seus papeis - tem uma preponderância central. Dissecando a base das relações e axiologia familiar e deixando-a ao sabor da loucura e de um erotismo libertário (até libertino), ficamos com a sensação de que estamos perante uma paródia ácida, psicótica - com obsessões satianas como o "amor" doentio por câmaras de filmar - e não propriamente uma visão inteiramente racional e lúcida das mutações dessa instituição no Japão moderno.
Damejin (2006) de Satoshi Miki: *
Filmado em 2002 muito antes da suposta estreia de Satoshi Miki com In the Pool, em 2005, Damejin encontrou alguns problemas na fase de pós-produção (ao que dizem a produtora entrou em bancarrota) e só veio a público quatro anos depois da sua feitura. Este é um daqueles casos em que o mito do primeiro filme como prenúncio (temático e formal) de uma carreira não é um sofisma. Miki demonstra o seu carinho disfuncional pelos "bakas", personagens desajeitadas situadas psicologicamente entre a parvoíce e a ingenuidade (uma assinatura incontornável, nem sempre brilhante, das recentes comédias japonesas) e inicia o fragmentário estilo narrativo que iria imperar nos seus filmes posteriores, colagem desconexa de sketches e situações onde apenas a anarquia tem sentido. Estranho? Sim. Boa experiência? Nem por isso.
My House (2012) de Yukihiko Tsutsumi: ***
É no mínimo surpreendente como o popularucho e abertamente comercial Yukihiko Tsutsumi corta com o seu passado neste exercício meditativo e intrigante. Contudo - e tendo-nos abstraído da estranheza desta obra no contexto da filmografia do seu realizador - , My House, para muitos, podia ser uma reprodução a papel químico das obsessões ditas "autorais" de um Masahiro Kobayashi: o misterioso movimento dos corpos, os silêncios infindáveis estão todos cá, assim como o irrepreensível cariz social dessa obra, personificada sempre em situações de sobrevivência, resignação e opressão urbana. Tsutsumi não imita ninguém para parecer alguém que não é. Diríamos mesmo que uma inquestionável inquietação assola honestamente o realizador quando este se coloca do lado dos que vivem à margem da sociedade e colecionam os seus dejectos e as sobras para conseguirem sobreviver no limiar da pobreza - essa inquietação tão crassa que só poderia estar manifesta numa negação de linguagens cinematográficas "para todos e para ninguém" (como são as comerciais). Portanto, o contraposto destes forasteiros com a patológica higiene dos civilizados demonstra bem o poder das imagens cinza desta câmara que filma os espaços citadinos como se pertencessem a um mundo metalizado, nublado, seco e sem esperança. Como todas as obras sociais, esta inesperada de Tsutsumi esconde uma feroz tensão e descontentamento pessoal. O seu mutismo, o seu pudor discreto e cortante serve apenas para nos espantarmos e sermos apanhados de surpresa enquanto a tristíssima Triaela de Roland Dyens ecoa no ecrã negro dos créditos como se fosse uma elegia a todo o sofrimento silenciado pela urbe monstruosa. Desconcertante.
Sex Game (1968) de Masao Adachi: ***
Incendiário como sempre, este raríssimo filme do forasteiro Masao Adachi parece continuar o trilho de gasolina cinematográfica deixado pelo seu "companheiro de luta", Wakamatsu, a saber, descrição de uma juventude que esbateu os limites morais e vê na violência e na sexualidade a única maneira de se exprimir com radicalidade e, portanto, honestidade brutal. Mais relevante do que esta busca desconexa pela violentação do outro e do próprio, é a presença fantasmagórica e atmosférica (pairante, até diria) de uma revolução "política" que se exprimiria exactamente da mesma forma e com as mesmas energias destrutivas e anárquicas. Marx e Engels tinham avisado no Manifesto Comunista de 1848 que o fantasma comunista vinha para ficar na Europa; Buñuel, depois deles, chamou "Fantasma da Liberdade" ao seu filme mais desconexo e que apontaria para o pós-modernismo, a expressão cultural do não ser determinado. Adachi neste Sex Game filma tudo menos este fantasma da Revolução, que, por um lado, não é mais do que um fantasma, no sentido de não existir efectivamente, mas a sua inscrição irreal deixa nos que acreditam nele ou o desejam um sentimento complexo de ansiedade e justificação. No final, o fantasma é Deus, mas um Deus maligno que necessita ver sacrificados os falsos fieis. Eis que Adachi encontra neste universo confuso e contraditório, mas repleto de revolta (nem que seja a revolta que nasce da revolta) imagens misteriosas (quase surreais se não fossem carnais) de uma geração cuja lógica de conduta residia na escolha de extremos. Portanto, a sequência final - farsa agressiva que suspende a seriedade diegética como se nada fosse - aponta para a seguinte denúncia: a evasão do Deus da Revolta torna a escolha dos extremos arbitrária, sejam eles a pertença ao Exército Vermelho ou a inscrição no Tatenokai (Sociedade do Escudo) de Yukio Mishima.
Wicked Priest 5 - Drinking, Gambling and Women (1971) de Buichi Saito: **
Com um subtítulo tão auto-explicativo não é de estranhar que o último filme da saga Wicked Priest seja uma colagem, mais ou menos incoerente, de todas aquelas traquinices que fizeram moderado sucesso junto de um público então cada vez mais dissidente e distante tanto da estética dos chanbara, como da ética dos ninkyo. Apicantar os heróis era obrigatório numa era que já não queria ver heróis imaculados, mas continuava a apostar-se num sentido qualquer de justiça e bondade. Se o monge Shinkai sempre foi um Zatoichi vidente (no quarto filme, inclusivamente, ficava cego) mais atrevido e eticamente questionável, neste último capítulo assinado por Buichi Saito - que tinha feito inúmeros ninkyo durante os anos 60 e em 72 fecharia outra saga célebre da Toei sobre yakuzas honestos, Red Peony Gambler com a diva Sumiko Fuji - a inspiração diegética é propriamente outra. Apesar de algumas cenas serem reminiscentes dos chanbara (os fraudulentos jogos de dados logo ao inicio), toda a constância narrativa pende para os ninkyos mais tradicionais, onde a honra e a justiça vencem no final do dia. Veja-se o chefe yakuza bom (Takashi Shimura, sim o de Kurosawa) que é trapaceado pela desonestidade dos seus "irmãos", enfim, vemos aprovada uma certa justiça poética e popular mesmo num personagem que, como se disse, aparentemente não saberia o significado de tais predicados. Talvez o pior e ao mesmo tempo o mais fascinante aspecto das produções de estúdio seja os últimos filmes ou a maneira como esses filmes terminam no contexto de uma saga. As grandes sagas do cinema japonês (Tora-san, Nemuri Kyoshiro, Lone Wolf and Cub, Shinobi, até mesmo Zatoichi, etc.) têm finais abertos, como se a responsabilidade de fechar conceptualmente a história destes personagens fosse demasiada para os estúdios acarretarem, vislumbrando sempre uma maneira qualquer de continuação, mesmo que esta só fosse possível na imaginação dos espectadores. Com Wicked Priest sucede o mesmo: depois da batalha sem desfecho com Ryotatsu, seu rival, plano aberto numa paisagem árida. Shinkai percorre em profundidade o campo, como se escapasse à câmara e induzisse o espectador à sua despedida fantasiosa. "Imagina-me, pois eu não regresso."
Gentle 12 (1991) de Shun Nakahara: ****
12 Angry Men de Sidney Lumet tinha introduzido no discurso cinematográfico um modo original de procura pela "verdade" quando esta tem consequências práticas devastadoras. Todos sabemos do que esse mítico filme trata: um conjunto de jurados, reunidos numa única sala, discute até à unanimidade um caso aparentemente óbvio de parricídio. Henry Fonda personificava, não só o cepticismo e o questionamento dessa evidência, como a necessidade de fazer falar os outros e ouvir as suas razões à primeira vista tão seguras. Era, portanto, o responsável pela instalação de um verdadeiro processo de escavamento pelas condições psicológicas que fazem aderir a certas "verdades convenientes" e ainda esgrimir novas possibilidades de como todo o processo de tribunal poderia ter sido baseado em erros. A petição pela unanimidade de todos os jurados criava, pois, uma tensão explosiva e demonstrava que, acima de tudo, uma verdade tem de ser convincente para se acreditar nela e se a defender, mesmo que (e isto é muito importante) ela não passe, no final do dia, de uma mera conjectura ou miragem. Só há matizes de possibilidade, nunca certezas, nunca a verdade. Parecendo que não, nem uma palavra foi dita sobre Gentle 12 e já muito se falou sobre ele. Na verdade, esta comédia - uma feliz revisitação da obra de Lumet - transpõe a mesma problemática da unanimidade mas com um requinte timidamente japonês: e se, ao invés de todos os jurados declararem culpado o arguido, o declarassem (sem malícia e com uma certa irresponsabilidade cândida) inocente? É o mote para revertermos as premissas do drama original, mantendo, ainda assim, quase tudo o resto intocável. A mise-en-scène minimalista e teatral de Nakahara e, principalmente, o argumento de Koki Mitani são inteligentes o bastante para jogar e brincar com a fonte sem a parodiarem, antes pelo contrário, mantêm-se aqui toda a sagacidade, inteligência e frescura que Lumet em 57 nos brindava. Menos furiosos, portanto mais simpáticos, inocentes e quase idiotas, estes jurados são tipicamente japoneses, no sentido em que confiam excessivamente na intuição e demonstram uma vontade estranha de não compromisso com decisões muito radicais. É bastante divertido para um Ocidental ver que na opinião pública japonesa é mais difícil, é mais desconfortável, condenar do que absolver.
Soft Skin (1998) de Hisayasu Sato: **
Quer seja doentio ou levemente satírico, a verdade é que Hisayasu Sato ao longo da sua carreira balançou constantemente nestes dois registos: o drama psico-sexual e, mais raramente, a comédia de costumes. Ambos sempre se revestiram de um não-sei-quê que carrega vontades radicais de transgressão e revolta, seja dos valores tradicionais (Sato jamais foi alheio à tradição dos pinks familiares, sempre na senda de um Teorema pasoliniano) seja de uma certa ansiedade e neurose urbana que se exprime em desvios e aberrações sexuais. Por isso, Soft Skin vem mais na continuidade de um Rafureshia do que de um Survey Map Of Paradise Lost e isto quer dizer, em primeiro lugar, que se trata de uma "comédia" visceralmente estranha como apenas Sato as fazia. Em segundo lugar, a família - e decadência e desencontro dos seus papeis - tem uma preponderância central. Dissecando a base das relações e axiologia familiar e deixando-a ao sabor da loucura e de um erotismo libertário (até libertino), ficamos com a sensação de que estamos perante uma paródia ácida, psicótica - com obsessões satianas como o "amor" doentio por câmaras de filmar - e não propriamente uma visão inteiramente racional e lúcida das mutações dessa instituição no Japão moderno.
Damejin (2006) de Satoshi Miki: *
Filmado em 2002 muito antes da suposta estreia de Satoshi Miki com In the Pool, em 2005, Damejin encontrou alguns problemas na fase de pós-produção (ao que dizem a produtora entrou em bancarrota) e só veio a público quatro anos depois da sua feitura. Este é um daqueles casos em que o mito do primeiro filme como prenúncio (temático e formal) de uma carreira não é um sofisma. Miki demonstra o seu carinho disfuncional pelos "bakas", personagens desajeitadas situadas psicologicamente entre a parvoíce e a ingenuidade (uma assinatura incontornável, nem sempre brilhante, das recentes comédias japonesas) e inicia o fragmentário estilo narrativo que iria imperar nos seus filmes posteriores, colagem desconexa de sketches e situações onde apenas a anarquia tem sentido. Estranho? Sim. Boa experiência? Nem por isso.
My House (2012) de Yukihiko Tsutsumi: ***
É no mínimo surpreendente como o popularucho e abertamente comercial Yukihiko Tsutsumi corta com o seu passado neste exercício meditativo e intrigante. Contudo - e tendo-nos abstraído da estranheza desta obra no contexto da filmografia do seu realizador - , My House, para muitos, podia ser uma reprodução a papel químico das obsessões ditas "autorais" de um Masahiro Kobayashi: o misterioso movimento dos corpos, os silêncios infindáveis estão todos cá, assim como o irrepreensível cariz social dessa obra, personificada sempre em situações de sobrevivência, resignação e opressão urbana. Tsutsumi não imita ninguém para parecer alguém que não é. Diríamos mesmo que uma inquestionável inquietação assola honestamente o realizador quando este se coloca do lado dos que vivem à margem da sociedade e colecionam os seus dejectos e as sobras para conseguirem sobreviver no limiar da pobreza - essa inquietação tão crassa que só poderia estar manifesta numa negação de linguagens cinematográficas "para todos e para ninguém" (como são as comerciais). Portanto, o contraposto destes forasteiros com a patológica higiene dos civilizados demonstra bem o poder das imagens cinza desta câmara que filma os espaços citadinos como se pertencessem a um mundo metalizado, nublado, seco e sem esperança. Como todas as obras sociais, esta inesperada de Tsutsumi esconde uma feroz tensão e descontentamento pessoal. O seu mutismo, o seu pudor discreto e cortante serve apenas para nos espantarmos e sermos apanhados de surpresa enquanto a tristíssima Triaela de Roland Dyens ecoa no ecrã negro dos créditos como se fosse uma elegia a todo o sofrimento silenciado pela urbe monstruosa. Desconcertante.
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