Seven Seas Part 1 - Virginity (1931) de Hiroshi Shimizu: ***
Seven Seas Part 2 - Frigidity (1932) de Hiroshi Shimizu: **
Esta foi considerada por muitos a primeira obra-prima muda de Hiroshi Shimizu, nomeadamente por William M. Drew que escreveu no site Midnight Eye uma esclarecedora e completa revisão da obra pré-sonora do cineasta recém revitalizado. Não partilho na integra o seu entusiasmo - devido a certas escolhas narrativas menos sábias -, porém, Seven Seas é um exercício curioso a vários níveis. Isto deve-se principalmente a Yumie Sone, a protagonista feminina que demonstra uma raríssima complexidade e um poder de resposta e reacção que transcende a sua feminilidade. Incapaz de ficar com o homem que ama, acaba por ser violada pelo irmão do seu apaixonado (revelação frouxa no meio de cenas sem grande pista ou build-up). Com a sua família dissolvida, Yumie nega o seu amado, aceita surpreendentemente casar-se com o homem que lhe roubou a inocência e para além de esbanjar a fortuna da sua família abastada ao ponto da falência, impõe a sua castidade como punição. Esta mudança de personalidade engendra uma vingança com contornos sexuais em tudo rara nas narrativas dos anos 30, colocando na dianteira uma mulher abusada que tem de mergulhar na mesquinhez e na crueldade para conseguir fazer pagar o homem rico, explorador por natureza. O grande problema deste mudo é, finalmente, a sua resolução inconsequente, como se o choque e a intensidade dramática tivessem sido filmados em vão.
Duel at Fort Ezo (1970) de Kengo Furusawa: *
A década de 70 ficou conhecida por tentar revitalizar o chambara. Uma das estratégias mais conhecidas para captar novos espectadores foi o de intensificar quer a violência, quer a sexualidade dessas películas. Porém, a Toho, um dos estúdios menos afectados com a crise administrativa e financeira das casas de produção, não mexia um centímetro quanto à sua maneira de fazer entretenimento, como os americanos dizem, cheesy. Na senda das produções baratas e singelas de Senkichi Taniguchi para o estúdio - relembro, pelas piores razões, The Samurai Pirate (1963) ou Adventure in Kigan Castle (1966) - aqui também se reuniu um conjunto de actores de renome e se orquestrou uma aventura com pretensões épicas, ressoando aparentemente algumas influências do género: um conjunto de bandidos em missão de infiltração. A famigerada suspensão do juízo atinge proporções gigantescas quando, por exemplo, vemos um homem vestido de urso a fingir ser um ou uma violação que é perdoada por ter despertado o espírito feminino da líder da aldeia. Apenas um actor consegue destoar as imperfeições reinantes. Rentaro Mikuni sempre que surge é uma alegria e o seu personagem - matreiro como as raposas - esconde o típico jogo duplo (neste caso triplo, à boa maneira de Yojimbo) quando coloca duas facções em conflito e foge de cena. O seu carisma é de tal maneira antagónico ao descrédito da película que torcemos pelo seu triunfo aquando do duelo final. Sempre previsível e pouco polido, Duel at Fort Ezo não cumpre nem essa expectativa.
Duel at Fort Ezo (1970) de Kengo Furusawa: *
A década de 70 ficou conhecida por tentar revitalizar o chambara. Uma das estratégias mais conhecidas para captar novos espectadores foi o de intensificar quer a violência, quer a sexualidade dessas películas. Porém, a Toho, um dos estúdios menos afectados com a crise administrativa e financeira das casas de produção, não mexia um centímetro quanto à sua maneira de fazer entretenimento, como os americanos dizem, cheesy. Na senda das produções baratas e singelas de Senkichi Taniguchi para o estúdio - relembro, pelas piores razões, The Samurai Pirate (1963) ou Adventure in Kigan Castle (1966) - aqui também se reuniu um conjunto de actores de renome e se orquestrou uma aventura com pretensões épicas, ressoando aparentemente algumas influências do género: um conjunto de bandidos em missão de infiltração. A famigerada suspensão do juízo atinge proporções gigantescas quando, por exemplo, vemos um homem vestido de urso a fingir ser um ou uma violação que é perdoada por ter despertado o espírito feminino da líder da aldeia. Apenas um actor consegue destoar as imperfeições reinantes. Rentaro Mikuni sempre que surge é uma alegria e o seu personagem - matreiro como as raposas - esconde o típico jogo duplo (neste caso triplo, à boa maneira de Yojimbo) quando coloca duas facções em conflito e foge de cena. O seu carisma é de tal maneira antagónico ao descrédito da película que torcemos pelo seu triunfo aquando do duelo final. Sempre previsível e pouco polido, Duel at Fort Ezo não cumpre nem essa expectativa.
The Catch (1983) de Shinji Somai: *****
O cinema de Shinji Somai evoca uma certa e radical tendência mizoguchiana de esbatimento das emoções. Neste magnânimo The Catch a estratégia não difere do resto da sua obra: distanciamento da câmara dos actores com pericias de acrobata (e como acontece com todos os acrobatas, nem sempre fazem cambalhotas perfeitas), renegação de qualquer tipo de plano-detalhe ou "close-up" e prolongamento teimoso da duração dos planos, compassando e esculpindo assim o tempo, um tempo tão marcadamente seu que torna indefinida qualquer previsão de como e quando acaba uma sequência. Ainda sobre os seus gigantes e inigualáveis planos-sequência (e que planão-sequência abre este filme!) poder-se-ia dizer o seguinte: Somai é o arquitecto dos corpos, não num sentido carnal, mas na acepção dos diversos posicionamentos espaciais dos actores no interior dos seus planos sempre móveis e irrequietos. De facto, se já se privou a expressividade rápida e súbita do "close-up", se já houve a recusa absoluta de um acesso à emoção a partir do pormenor (seja ele facial ou outro qualquer) resta-nos apenas a presença declarada do corpo distante no meio da abrangência dura do plano. Estes corpos revelam-nos tudo o que é necessário: relações de poder, disposições mentais e psicológicas, mas acima de tudo, são esboços materiais das emoções. Por isso, estranhamente, na opção de divergir, dispersar e borrifar os sentimentos (até de os recusar, em certa medida) Somai volta a encontrar essa emotividade de um modo completamente original e severo. Eis mais uma obra, a todos os níveis, arrebatadora.
Darkness in the Light (2001) de Kei Kumai: *
Uma boa mensagem não resulta necessariamente um bom filme. No caso, poder-se-ia dizer que as intenções de Kei Kumai até eram nobres e a crítica dos mass-media como entidades continuamente responsáveis na culpabilização de gente inocente podia ser vista como uma resposta à esquizofrenia mediática que os inesperados ataques de gás do culto Aum Shinrikyo trouxeram à sociedade japonesa nos meados dos anos 90. No entanto, Darkness in the Light é demasiado massudo, pouco engenhoso e recorre exageradamente à explicação e a diálogos fastidiosos que lá vão puxando a intriga mas pouco mais fazem. No final, não temos muito mais do que um enredo e uma estética telenovelesca com propósitos mais elevados. Os propósitos, infelizmente, mereciam um tratamento bastante melhor.
Torch Song (2001) de Isao Yukisada: **
Um homem acaba por contaminar negativamente a relação de duas amigas. Os trios amorosos costumavam ser matéria para os realizadores pink desconstruirem o papel tortuoso que cada membro interpreta na relação amaldiçoada por não ser completa e totalizante. Essas obras são conhecidas por tornarem misteriosos, arrogantes e inacessíveis os homens e virarem-se para as reacções e sentimentos das mulheres, essas muito mais contrastadas e "humanas". Honestamente, Isao Yukisada está na pista desta estética, não exagerando em nada no ritmo da história (deixando escorrer o tempo), e concentrando-se apenas nos seus três personagens, abrindo, portanto, o drama doméstico a desenlaces mais imprevistos (um deles, dispensável). Neste seu quarto filme, que antecede Go, exercício que iria marcar definitivamente a sua carreira, há alguns problemas de durabilidade e algumas cenas parecem ser excessivas, já que não avançam em quase nada a história nem acrescentam qualidades ou detalhes aos personagens. Sabemos que, como filme independente que é, a importância reside na atmosfera, mas mesmo esta poderia ter poupado uma certa repetição.
A Chorus of Angels (2012) de Junji Sakamoto: *
A recorrência ao passado por via de flasbacks é um mecanismo que tem de ser usado com cuidado e cepticismo. O novo filme de Junji Sakamoto (realizador que, apesar de surpresas desagradáveis, já foi responsável por um punhado de obras-primas), como tantos outros, confia em demasia num esquema diegético esclarecido e revelado pelo pretérito e como tal, não consegue livrar-se de um dramatismo excessivamente planeado e coreografado, ver até mesmo postiço. Também é uma pena que a cinematografia de Daisaku Kimura tenha sido usada para filmar as paisagens gélidas de Hokkaido e nunca chegue a dar uma verdadeira intenção à câmara, um poder que poderia cortar com o sentimento entediante da excessiva duração.
Happiness Come On (2012) de Daisuke Nakamura: ***
No cinema japonês, sempre houve a tendência de representar as forças miraculosas da maternidade, que é o mesmo que dizer, todo o instinto romantizado de abnegação e sacrifício feminino. Nos anos 50 os Haha-mono alcançaram uma popularidade avassaladora, sendo essa fixação prova de que, parafraseando Ian Buruma no seu estudo Behind the Mask, a sociedade japonesa esconde secretas e profundas raízes matriarcais. O primeiro filme de Daisuke Nakamura é interessante na medida em que joga constantemente com o papel moral da mãe, papel que durante anos se manteve intocável e inexpugnável: a maternidade é a condição mais purificada de uma mulher. Poderíamos até ir mais longe. Quase nunca o cinema japonês ousou filmar a maternidade de forma tão disfuncional e, ao mesmo tempo, tão carinhosa. Daisuke Nakamura executa aqui um primeiro filme interessante, repleto de momentos cómicos e tocantes. Em Happiness Come On, por mais chocante que seja a irresponsabilidade materna, por mais politicamente incorrecta e indelicada que seja a relação entre filho e mãe (e o poder e a responsabilidade são aqui invertidas), resta sempre um sentimento de que há coisas eternas. Afinal, para se ser mãe não é necessário ser-se santa.
Petal Dance (2013) de Hiroshi Ishikawa: ***
Não consigo deixar de estabelecer um paralelo entre o falecido Jun Ichikawa (com "c") e este nosso Hiroshi Ishikawa (com "s"). Os dois realizadores vieram da publicidade televisiva e ambos encaram a expressão cinematográfica como um acto de purificação e condensação do quotidiano, algo, em tudo contrário à linguagem material e objectificada da propaganda. Por isso, ambos lutam contra o artifício e contra a típica cadeia de causa e efeito psicológico, na esperança de erguer uma intimidade duradoura e insuspeita. Tanto Ichikawa como Ishikawa filmam o feminino recorrendo ao silêncio espaçado dos momentos, portanto, não esquecem jamais a clarividência discreta e as lições astutas dos haijin, os escritores de haikus. Tal como Eureka de Shinji Aoyama, este é um road-movie difuso e desintrincado, que não coloca nenhum propósito a não ser o da própria experiência de saborear a maresia, respirar fundo o ar que soa a piano e enxergar os céus acinzentados com aviões paridos. Petal Dance não é cinema para abrir os olhos, mas antes, cinema que os ensina a fechar. Nada mais, nada menos.
Darkness in the Light (2001) de Kei Kumai: *
Uma boa mensagem não resulta necessariamente um bom filme. No caso, poder-se-ia dizer que as intenções de Kei Kumai até eram nobres e a crítica dos mass-media como entidades continuamente responsáveis na culpabilização de gente inocente podia ser vista como uma resposta à esquizofrenia mediática que os inesperados ataques de gás do culto Aum Shinrikyo trouxeram à sociedade japonesa nos meados dos anos 90. No entanto, Darkness in the Light é demasiado massudo, pouco engenhoso e recorre exageradamente à explicação e a diálogos fastidiosos que lá vão puxando a intriga mas pouco mais fazem. No final, não temos muito mais do que um enredo e uma estética telenovelesca com propósitos mais elevados. Os propósitos, infelizmente, mereciam um tratamento bastante melhor.
Torch Song (2001) de Isao Yukisada: **
Um homem acaba por contaminar negativamente a relação de duas amigas. Os trios amorosos costumavam ser matéria para os realizadores pink desconstruirem o papel tortuoso que cada membro interpreta na relação amaldiçoada por não ser completa e totalizante. Essas obras são conhecidas por tornarem misteriosos, arrogantes e inacessíveis os homens e virarem-se para as reacções e sentimentos das mulheres, essas muito mais contrastadas e "humanas". Honestamente, Isao Yukisada está na pista desta estética, não exagerando em nada no ritmo da história (deixando escorrer o tempo), e concentrando-se apenas nos seus três personagens, abrindo, portanto, o drama doméstico a desenlaces mais imprevistos (um deles, dispensável). Neste seu quarto filme, que antecede Go, exercício que iria marcar definitivamente a sua carreira, há alguns problemas de durabilidade e algumas cenas parecem ser excessivas, já que não avançam em quase nada a história nem acrescentam qualidades ou detalhes aos personagens. Sabemos que, como filme independente que é, a importância reside na atmosfera, mas mesmo esta poderia ter poupado uma certa repetição.
A Chorus of Angels (2012) de Junji Sakamoto: *
A recorrência ao passado por via de flasbacks é um mecanismo que tem de ser usado com cuidado e cepticismo. O novo filme de Junji Sakamoto (realizador que, apesar de surpresas desagradáveis, já foi responsável por um punhado de obras-primas), como tantos outros, confia em demasia num esquema diegético esclarecido e revelado pelo pretérito e como tal, não consegue livrar-se de um dramatismo excessivamente planeado e coreografado, ver até mesmo postiço. Também é uma pena que a cinematografia de Daisaku Kimura tenha sido usada para filmar as paisagens gélidas de Hokkaido e nunca chegue a dar uma verdadeira intenção à câmara, um poder que poderia cortar com o sentimento entediante da excessiva duração.
Happiness Come On (2012) de Daisuke Nakamura: ***
No cinema japonês, sempre houve a tendência de representar as forças miraculosas da maternidade, que é o mesmo que dizer, todo o instinto romantizado de abnegação e sacrifício feminino. Nos anos 50 os Haha-mono alcançaram uma popularidade avassaladora, sendo essa fixação prova de que, parafraseando Ian Buruma no seu estudo Behind the Mask, a sociedade japonesa esconde secretas e profundas raízes matriarcais. O primeiro filme de Daisuke Nakamura é interessante na medida em que joga constantemente com o papel moral da mãe, papel que durante anos se manteve intocável e inexpugnável: a maternidade é a condição mais purificada de uma mulher. Poderíamos até ir mais longe. Quase nunca o cinema japonês ousou filmar a maternidade de forma tão disfuncional e, ao mesmo tempo, tão carinhosa. Daisuke Nakamura executa aqui um primeiro filme interessante, repleto de momentos cómicos e tocantes. Em Happiness Come On, por mais chocante que seja a irresponsabilidade materna, por mais politicamente incorrecta e indelicada que seja a relação entre filho e mãe (e o poder e a responsabilidade são aqui invertidas), resta sempre um sentimento de que há coisas eternas. Afinal, para se ser mãe não é necessário ser-se santa.
Petal Dance (2013) de Hiroshi Ishikawa: ***
Não consigo deixar de estabelecer um paralelo entre o falecido Jun Ichikawa (com "c") e este nosso Hiroshi Ishikawa (com "s"). Os dois realizadores vieram da publicidade televisiva e ambos encaram a expressão cinematográfica como um acto de purificação e condensação do quotidiano, algo, em tudo contrário à linguagem material e objectificada da propaganda. Por isso, ambos lutam contra o artifício e contra a típica cadeia de causa e efeito psicológico, na esperança de erguer uma intimidade duradoura e insuspeita. Tanto Ichikawa como Ishikawa filmam o feminino recorrendo ao silêncio espaçado dos momentos, portanto, não esquecem jamais a clarividência discreta e as lições astutas dos haijin, os escritores de haikus. Tal como Eureka de Shinji Aoyama, este é um road-movie difuso e desintrincado, que não coloca nenhum propósito a não ser o da própria experiência de saborear a maresia, respirar fundo o ar que soa a piano e enxergar os céus acinzentados com aviões paridos. Petal Dance não é cinema para abrir os olhos, mas antes, cinema que os ensina a fechar. Nada mais, nada menos.
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