The Woman Gambler (1969) de Buichi Saito: *
Problema do género: quão complicado é falar sobre aquilo que já vimos milhares de vezes repetido! No caso, Buichi Saito, que tirando o seu belo trabalho no quarto capítulo da saga Lone Wolf and Cub sempre fora um artesão mediocre, troca o sexo do protagonista comum dos contos de honra e cavalaria yakuza e pouco ou nada mais muda ou reinventa. Podemos até mesmo dizer que excluídas algumas falas e memórias de perda do seu amante (essa cena de reminiscência a única que destoa do resto), o facto de ser uma personagem feminina a tomar as rédeas do drama não se traduz em nada de significativo. Felizmente para nós, já vimos muito melhor.
The Shiranui Sea (1975) de Noriaki Tsuchimoto: ****
Segunda parte da saga documental Minamata, ou melhor dizendo, como documentar um crime ambiental cujas consequências afectam directamente os homens, tornando-os, no limite, perpetuamente outros que nós, inocentes e incapacitados para viver. Ao contrário do primeiro filme que, conscientemente ou não, tinha uma estrutura de raiz quase operática, dividida em dois actos, sendo o último a consagração de todas as tristes vozes que viamos ao longo do fime silenciadas, mas que aí surgiam com uma voz e um poder conquistado e militante, este Shiranui Sea não se permite ter tal estrutura explosiva de acção-reacção. É, antes do mais, um relato ziguezagueado, mas cuja intensidade não se prescinde, ou não fosse a história de Minamata e do mar Shiranui trágica como sabemos ser. Nesse sentido, Tsuchimoto abstrai-se quase totalmente da existência e indagação de responsabilidades por parte da Chisso - a fábrica que durante anos deitou ao mar mercúrio e infectou fatalmente os habitantes das redondezas, habituados a alimentar-se de peixe e molúsculos - e vira-se quase exclusivamente para os vários tipos de pacientes com Minamata Disease, desde os congénitos (presença sempre dificil mas tocante) aos outros. Nessa busca de uma intimidade que denuncia nas entrelinhas tal flagelo, certos momentos são bastante complicados de ver: eis que encerramos o capítulo da culpa e filmamos o mundo, de esperanças reduzidas, em torno dos doentes (relembre-se a conversa entre a menina infectada e o psiquiatra). Intercalado com isto estão cenas incríveis dos pescadores em acção, muitos deles continuando a explorar e a viver do mar possivelmente tóxico de Shiranui. Aliás, não deixa de ser curioso como a imponência dos planos e imagens desse mar não encerram já uma magnífica mas trágica contradição: a componente sagrada do mundo natural que esconde, no seu interior, a hubris humana.
The Yakuza Wives 2 (1987) de Toru Dobashi: *
Na tentativa de capitalizar, ainda mais, o sucesso comercial obtido com o primeiro Yakuza Wives (talvez o pior filme da carreira invejável de Hideo Gosha), a Toei lançava uma série de sequelas temáticas, pois nenhuma ligação estritamente narrativa existia com esse primeiro filme, e contratava os seus artesãos para prosseguir com os trabalhos. A popularidade do filme de Gosha no seu tempo devia-se ao facto de ter como protagonistas aquelas figuras que tradicionalmente nos filmes de yakuza permaneciam em segundo-plano, quase sempre como love-interest idealizado e mecânico, isto é, as mulheres dos mafiosos. Nesse filme, elas apareciam com uma preponderância saliente, metendo até os próprios maridos e amantes a um canto: eram elas até quem compreendiam devidamente o sentido de obrigação e honra, erradamento atribuido aos homens. Dobashi, então, repete a fórmula anterior a um tal ponto que nunca larga uma linguagem quase estranha e irreconhecível ao género que vem duma tradição que se dialoga: tudo aqui é telenovelesco, ultra-romantizado e toda a psicologia das esposas yakuza sofre da presunção, algo irritante, de que, apesar das máscaras de masculinidade, força e carácter, elas guardam um secreto sentimento de feminino que se manifesta quando se apaixonam pelos amantes canastrões.
Tada's Do-It-All-House (2011) de Tatsushi Omori: **
Várias vezes advertimos neste espaço fragmentário que um certo tipo de cinema independente japonês produzido nos últimos anos pode ser visto como uma vaga não alinhada de realizadores com ideias muito semelhantes e com moods cinematográficos nada diferentes. Se o cinema americano criou recentemente o vício indie do mumblecore, também os japoneses (embora não sendo, por regra, tão pretensiosos e pegajosos) criaram um género de filme que se caracteriza por uma horizontalidade emotiva, uma filmagem com poucos ou nenhuns artifícios, e uma quotidianização excesiva dos seus personagens, não porque estes representam o japonês normal (o homem assalariado, etc.) mas porque nunca nos evadimos da disposição do dia-a-dia, mesmo que esse dia-a-dia seja povoado por forasteiros sociais (como é o caso). Pois bem. Tatsushi Omori, aqui no seu terceiro filme, finalmente rendido à estética do seu tempo, foi, porém, sagaz o suficiente para criar dois protagonistas muito simpáticos (a responsabilidade também se deve a Eita e Ryuhei Matsuda), com psicologias diferentes, mas que se ligam de uma maneira estranha e divertida, à revelia dos percalços da vida. Verdade seja dita, este também é um modelo de filme que foi repetido ad nauseam, mas apesar disso, Omori executa-o de uma maneira tão calorosa e, a passos, hilariante, que não deixamos de lhe felicitar por essa escolha (contrária à seriedade dos personagens insondáveis de tanta produção indie). Chame-se guilty pleasure ou não, embora nada do que vi fosse relevante, revelador ou digno de epifania, não me arrependo de ter visto.
Henge (2012) de Hajime Ohata: 0
Criou-se um culto à volta de Henge que não parece ser justificado. Este filme de Hajime Ohata que, em tudo parece querer ser o Tetsuo da geração digital tem várias contrariedades que o distanciam até dessa obra marcante de Shinya Tsukamoto. A começar pela concepção da história, que mistura ataques de ansiedade, várias metamorfoses, em suma, a componente do fantástico, com uma irritante persistência da realidade, a saber, as consultas de psiquiatria, as sessões de exorcismo e até uma visita dos agentes da polícia. Parecendo que não, o que deveria criar suspense (o confronto do monstro com os humanos) apenas se torna num espectáculo cansativo e robótico, cujo desfecho prevemos com uma facilidade atroz. Por outro lado, o amor dos dois protagonistas (a aceitação da monstruosidade por parte da mulher) é feito sem grande razão, criando algumas cenas embaraçosas, pouco sentimentais e muito confusas. Um último aspecto: os efeitos especiais de Tetsuo, feitos há mais de 23 anos são incomensuravelmente mais certeiros e realmente aterrorizadores, por criarem experiências de abalo e atrofia sensorial. Em Henge, por contraste, temos uma máscara de carnaval - agigantada, de forma ridicula, na cena derradeira - e esguichos de sangue CGI, penosos para o olhar e para os sentidos. De evitar, com toda a certeza.
Henge (2012) de Hajime Ohata: 0
Criou-se um culto à volta de Henge que não parece ser justificado. Este filme de Hajime Ohata que, em tudo parece querer ser o Tetsuo da geração digital tem várias contrariedades que o distanciam até dessa obra marcante de Shinya Tsukamoto. A começar pela concepção da história, que mistura ataques de ansiedade, várias metamorfoses, em suma, a componente do fantástico, com uma irritante persistência da realidade, a saber, as consultas de psiquiatria, as sessões de exorcismo e até uma visita dos agentes da polícia. Parecendo que não, o que deveria criar suspense (o confronto do monstro com os humanos) apenas se torna num espectáculo cansativo e robótico, cujo desfecho prevemos com uma facilidade atroz. Por outro lado, o amor dos dois protagonistas (a aceitação da monstruosidade por parte da mulher) é feito sem grande razão, criando algumas cenas embaraçosas, pouco sentimentais e muito confusas. Um último aspecto: os efeitos especiais de Tetsuo, feitos há mais de 23 anos são incomensuravelmente mais certeiros e realmente aterrorizadores, por criarem experiências de abalo e atrofia sensorial. Em Henge, por contraste, temos uma máscara de carnaval - agigantada, de forma ridicula, na cena derradeira - e esguichos de sangue CGI, penosos para o olhar e para os sentidos. De evitar, com toda a certeza.
Chronicle of my Mother (2012) de Masato Harada: *
Estava a começar bem o novo filme de Harada. Uma visita de um escritor, mais ou menos arrogante, a casa dos pais onde se evidenciava um certo peso e desconforto, aquele tipo de sensação ligada ao envelhecimento mútuo de filhos e pais (a autoridade esbatida aproxima-os de maneira triste). Outra cena, logo a seguir, servia de contraponto e o mesmo personagem, que era filho na primeira cena, torna-se pai numa acesa demonstração de autoridade com a sua filha. Isto demonstrava uma curiosa troca de lugares, enriquecedora dos personagens e da narrativa. Digamos que não esperava o que viria a seguir: a mãe do escritor fica viúva e, cena atrás de cena, lidamos com a sua demência gradual, de uma maneira tão absorvente que tudo o que vinha sendo construído perde justificação face a um modelo reconciliador (e positivo) da morte e da velhice que é infelizmente bastante mais descritivo do que reflexivo. Para além do mais, como comparar este registo de narração facilitista e algo tear-jerker sobre os últimos anos com obras tão estimulantes como Will to Live de Kaneto Shindo ou Human Promise de Kiju Yoshida?
The Kirishima Thing (2012) de Daihachi Yoshida: ****
Já tinha dito aqui algures (se não disse, digo agora) que Daihachi Yoshida era um dos talentos definitivos da sua geração. De facto, este Kirishima Thing não só é um dos melhores filmes do ano passado, como também é a obra-prima do realizador que aqui se consagra e encerra um verdadeiro círculo. Trata-se de um filme que nada deixa de parte, sendo um roteiro completo às várias inquietações e modalidades de comportamento dos estudantes nos anos finais do secundário. Aqui, está claro, acrescentando uma vertente muito importante no modelo de ensino japonês, a existência dos clubes, uma espécie de disciplina extra-curricular onde os alunos se aplicam e competem, demonstrando uma dedicação, por vezes, doentia. Com uma primeira parte verdadeiramente engenhosa (que me fez lembrar os argumentos-puzzle de Kenji Uchida, nomeadamente A Stranger of Mine) - e sem nunca abrandar ou perder essa inventividade contangiante - Yoshida oferece-nos várias personagens, todas desenvolvidas devidamente, cada uma no seu núcleo de influência, interesse e amizade, representando, afinal, (sem nunca se reduzir nesse movimento) caras e personalidades que qualquer um de nós viu ou conheceu nos seus anos de mocidade. De todas as fantásticas construções psicológicas (trata-se mesmo de um festim de personagens complexas!), relembre-se a de Hiroki, o gentil mas desmotivado rapaz que se evade de si próprio, e o aspirante a realizador de cinema que vive apaixonadamente o seu sonho, na sombra daqueles que o vão tácita ou declaradamente oprimindo. A ponte entre os dois é feita de forma magistral numa das últimas cenas em que o foco (literal!) permanece em Hiroki e este não tem outra saída senão confrontar-se consigo próprio, mesmo que seja de costas para a câmara, agora, a de Yoshida. Esta chamada para a realidade também aparece com toda a força na presença invisível e fantasmagórica de Kirishima, uma espécie de homem que toda a gente procura mas que, finalmente, negou aquilo que o fazia tão requesitado e tão importante aos olhos dos outros. Este último dispositivo - digno de uma peça de teatro absurdo - é essencial para lançar os pressupostos críticos deste filme muito bem estruturado e inteligente, filme que todo o jovem (mas não só) devia urgentemente ver. E eu que pensava que já nada mais se podia filmar sobre a juventude japonesa!
Dreams For Sale (2012) de Miwa Nishikawa: ***
O interesse em filmar o processo de desvelamento das mentiras e ilusões é em Miwa Nishikawa uma constante obsessiva. Em Sway, - relembre-se - era posto em causa o carácter concreto de um testemunho oral, principalmente aquilo que pertencia à memória de quem o reconstruia. No seu Dear Doctor, um médico rural sem licença era chamado a resignar do seu posto, depois de uma quantidade de anos a servir uma população carenciada que sem ele não receberia tais tratamentos. Ora, como o título indica, Dreams For Sale é um filme que lida com um casal que exerce um comércio fraudulento de algo que se apresenta como um sonho tornado realidade, ou melhor, um indício supremo de comunicação. Claro que falamos de uma "amostra" de amor, feito pelo homem a outras mulheres (em troca de empréstimos, dinheiro) e patrocinado pela sua noiva, que começa por encarar esse jogo de burlões, como uma secreta vingança a uma primeira infidelidade. Digamos que Nishikawa inverte o que encontrávamos em Dear Doctor: se aí o sentimento de fraude era justificado, mas não deixava de ser injusto para com o bom médico, aqui tudo o que pode minar a afectividade do casal é uma consequência derivada de um acto de puro e intencional engano, executado tão friamente que jamais poderia ser levado até ao fim sem magoar seriamente os seus participantes que julgam sempre sair ilesos. Assim, numa das últimas cenas, torna-se patente a máxima da circularidade da mentira (i.e, uma mentira puxa outra para se conservar), e é curioso notar que o carácter imprevisível e contingente do real despoleta numa mesma situação um confronto tão multiforme de várias mentiras, encavalitadas umas nas outras, que a pretensa realidade que essa mesma situação quer fazer passar é, em si própria, um mal-entendido, agora quase impossível de ser deslindado. Finalmente, temos uma cineasta que filma várias mulheres enganadas com uma sensibilidade muito apurada, principalmente aquela mulher que tudo sabe, mas tudo perde: compare-se, por exemplo, estas mulheres de carne e osso às do novo filme histérico de Mika Ninagawa e perceber-se-á a diferença.
Sem comentários:
Enviar um comentário