Roughneck from Asama (1958) de Toshikazu Kono: **
Uma confissão: os filmes realizados pelos artesãos da Toei dos anos 50 e 60 são, por norma, os menos interessantes, se compararmos com a componente polida e artística (sobretudo a nível imagético) dos artesãos da Daiei ou da Nikkatsu na mesma época. Excluindo os grandes nomes do estúdio, como o fascinante Tomu Uchida, e alguns dissidentes, Tadashi Imai e Tai Kato à cabeça, a maior parte da produção da Toei estava interessada maioritariamente em entreter a sua audiência com artes populares (e não necessariamente tradicionais), explorando uma vertente musical e de grande espectáculo, introduzindo uma certa ligeireza a géneros que não estavam habituados a ter essa gramática - os filmes com Misora Hibari são excelentes exemplos disso. Porém, este Roughneck from Asama contradiz esta vaga e é claramente um precursor de um tratamento mais cuidado dado aos filmes de errância (o matatabi eiga), tanto nas imagens e nos cenários, como na construção de dilemas sérios e dramáticos (mesmo alguns sendo demasiado excessivos). Apesar de ser um exercício rotineiro por momentos, noutros vislumbramos uma certa inspiração que tem como protagonista um jovem Kinnosuke Nakamura, muito confortável no seu papel de forasteiro sem descanso, num mundo que lhe reenvia constantemente a solidão da sua vida eternamente itinerante.
Dreams of Cinema, Dreams of Tokyo (1995) de Kiju Yoshida: *****
Agora que a boxset dos documentários sobre pintura do sempre estimulante Kiju Yoshida está prestes a sair, eis que surgiu a oportunidade de visionar este excelente documento acerca do misterioso cinematógrafo Gabriel Veyre, alguém que, segundo o próprio Yoshida, previu a morte do cinema no momento mesmo do seu nascimento. Veyre, empregado dos irmãos Lumière que tinha a missão de filmar os quatro cantos do mundo para mostrar numa feira inernacional as capacidades do recém-inventado cinematógrafo, é no mínimo um homem atravessado por fascínio e desilusão no que concerne as capacidades dessa invenção prematura que era o cinema. Por um lado, descobre-se nessas primeiras filmagens que o cinema possibilita o entretenimento, um outro modo de se ver e de se viver (já que ninguém é indiferente ao monstro de festa que é uma câmara), mas por outro lado, ele também estabelece uma diferença de poder entre quem é filmado e quem filma. Esta segunda dimensão é exemplificada com uma imagem em particular que arrebata o nosso olho e possivelmente o de Veyre. Yoshida traça um percurso mental e disposicional deste homem de uma maneira astuta e digna, realçando a componente mística das imagens captadas por Veyre - principalmente a sua viagem pelo Japão - para nos catapultar para as suas arrelias e preocupações e tentar indagar, finalmente as razões para a sua desistência do cinema até ao último ano da sua vida. Porém, as últimas filmagens de Veyre já às portas da morte, um verdadeiro testamento em imagem da comovente experiência desta enigmática personalidade, são o fechamento ideal da própria tese do autor, Yoshida, de quão belo pode ainda chegar a ser a arte de se filmar, a arte de se fazer filmes: "there's absolutely equality between these young people, filmed as they are dancing, and the person filming them. That is the dream of cinema. A cinema of dreams."
Stake Out (2001) de Tetsuo Shinohara: ***
Uma rica surpresa graças às edições DVD do Fantasporto. Este filme é o quarto capítulo da famosa colecção Love Cinema, filmada com baixo orçamento e em digital pelos realizadores da geração de 2000 (Miike, Yukisada, Shiota, Hiroki, entre outros). Shinohara, que está associado a produções mais singelas e alegres, enclausura a sua câmara em espaços fechados, na maior parte do tempo, adensando a psicologia e o carácter obsessivo dos seus personagens. Lembrou-me uma modernização da estílistica de Wakamatsu (Secrets Behind the Wall e The Embryo) , sem a sua vertente política, mas ainda assim, conservando uma radical violência afectiva e alguma tensão sexual. Estilísticamente, o uso do preto e branco (surgindo flashbacks em cores) consegue usar de maneira bem criativa a tecnologia do digital - tecnologia essa que, como bem sabemos, muitas vezes enfraquece o poder das imagens.
Stake Out (2001) de Tetsuo Shinohara: ***
Uma rica surpresa graças às edições DVD do Fantasporto. Este filme é o quarto capítulo da famosa colecção Love Cinema, filmada com baixo orçamento e em digital pelos realizadores da geração de 2000 (Miike, Yukisada, Shiota, Hiroki, entre outros). Shinohara, que está associado a produções mais singelas e alegres, enclausura a sua câmara em espaços fechados, na maior parte do tempo, adensando a psicologia e o carácter obsessivo dos seus personagens. Lembrou-me uma modernização da estílistica de Wakamatsu (Secrets Behind the Wall e The Embryo) , sem a sua vertente política, mas ainda assim, conservando uma radical violência afectiva e alguma tensão sexual. Estilísticamente, o uso do preto e branco (surgindo flashbacks em cores) consegue usar de maneira bem criativa a tecnologia do digital - tecnologia essa que, como bem sabemos, muitas vezes enfraquece o poder das imagens.
Parade (2009) de Isao Yukisada: ***
Desde Go (2001) que não viamos nada de marcante de Isao Yukisada. O seu início de carreira que prenunciava uma voz única, com uma estética independente e livre de constrangimentos comerciais, tinha sido rapidamente assimilado pelos estúdios que pautaram temática e formalmente o resto dos seus filmes durante os anos que se seguiram. Tirando alguns pormenores meritórios no meio desses crowd-pleasers confusos (por exemplo, o uso inteligente das cores e da cinematografia em Crying Out Love in the Center of the World, 2004), dir-se-ia que o estilo de Yukisada se vergava demasiado a exigências populares, produzindo filmes feitos para todos e para ninguém, sem muito carimbo ou personalidade e que demonstravam uma desesperante falta de ritmo narrativo (filmes longuíssimos que se arrastam por grandes períodos de tempo). No entanto, este Parade, embora imperfeito, é um regresso à promessa que Yukisada representava no início dos anos 2000: é um filme repartido pelas suas personagens, esperto, com uma narrativa simples, mas que reforça e demarca a psicologia dos seus intervenientes. É daquele género de filmes cujo argumento funciona como um puzzle. Sabemos que os motivos estão lá, mas são-nos apresentados de forma subtil, de maneira que seja possível, no fim, o espectador juntar todas as peças. Talvez se pudesse "cortar" numa última montagem algumas cenas um pouco mais supérfluas, mas o resultado final é ainda bastante satisfatório. Yukisada volta a filmar personagens singulares, maiores do que planificações ou linhas vagas de um script.
Toad's Oil (2009) de Koji Yakusho: 0
Yakusho é um dos melhores actores japoneses contemporâneos, não haja dúvidas sobre isso! Na sua longa carreira, foi um dos grandes símbolos não só de um cinema mais independente que emergiu nos anos 90 (excusado será dizer que Kiyoshi Kurosawa o considera como o melhor actor com quem já trabalhou) como também foi uma figura cimeira dos grandes sucessos de bilheteira nessa mesma década (por exemplo, Shall We Dance? de Masayuki Suo). Igualmente sabemos que não é nova a tendência de actores mais ou menos consagrados tentarem a sua sorte por detrás das câmaras (Naoto Takenaka, Tomorowo Taguchi, Eiji Okuda, Masahiko Tsugawa, mas o caso com mais sucesso Juzo Itami), na maior parte dos casos, o trabalho criativo enfraquece se compararmos ao trabalho de interpretação, e os actores-tornados realizadores raramente demonstram uma visão particular, sem ser uma repleta de academismos e quase facilitações televisivas, em suma, uma incapacidade de transfigurar as coisas. O caso de Koji Yakusho neste Toad's Oil tem a forma desse fracasso típico: mesmo sendo um argumento original (e não uma adaptação de um romance ou obra de outro) ficamos com a sensação de que não se sabe levar a mensagem a bom porto. É apenas um pequeno relato multiforme e desorganizado sobre a morte e a perda na mente de um personagem sem qualquer profundidade que é "rico materialmente, mas desencontrado espiritualmente". Toad's Oil é um filme demasiado longo, incoerente quanto à forma como trata os assuntos (se é uma comédia, rimos, mas quando?) e insatisfatório nas suas conclusões apressadas sobre a vida, a morte e a memória. Yakusho, cada macaco no seu galho!
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