Eros Eterna (1977) de Koji Wakamatsu: ***
"Geralmente faço este género de filmes difíceis de compreender após ter vivido uma experiência forte." Eis a única e enigmática formulação proferida sobre Eros Eterna, presente na longa entrevista feita por Go Hirasawa e publicada no livro mais essencial acerca do cineasta, Koji Wakamatsu: Cinéaste de la Révolte. O carácter fantasmático da película, entre o sincretismo religioso e o mito rural, pede emprestada presenças oshimanas para fortalecer uma experiência obscura que se quer no limite do cinema político-anarca desenvolvido durante os anos 60. Essas duas presenças são Mamoru Sasaki, que, ao contrário de Masao Adachi, parecer consagrar no argumento muito mais tempo à dimensão divina do que à terrena e, finalmente, Eiko Matsuda, a actriz de In the Realm of the Senses, que dá carne ao espírito e espírito à carne, personificando uma monja, Happyaku Bikuni, que segundo a lenda viveu mais de 800 anos após ter ingerido carne de sereia e os seus vários encontros (sexuais) com os mortais. A Art Theatre Guild, uma vez mais, financiou este delírio wakamatsuano cuja origem, segundo o mesmo, remontava à sua experiência na Palestina documentando os treinos e a maneira de pensar dos membros da FPLP, defensores radicais da luta armada como única forma de revolução mundial. Qual o elo de ligação entre o misticismo impenetrável de Eros Eterna e o compromisso extremo de Red Army/PFLP: Declaration of World War? São os seis anos que separam um filme do outro que nos fornecem a pista fulcral, pois esse prolongamento no tempo, causador de algum distanciamento em relação ao radicalismo político, pôde ter estado no cerne desta fantasia mitológica onde todos os humanos estão sobre o escrutínio de uma entidade imortal que, através da sexualidade, molda e expande o conceito de caridade e absoluta compreensão. Bikuni transforma-se, assim, em Kannon Bosatsu, a divindade budista da misericórdia como o título original em japonês nos deixa antever (Sacred Mother Kannon). É, todavia, na cena de amor entre Kannon e um revolucionário que melhor fica cristalizada esta espécie de auto-crítica política no interior do próprio filme. Após ser incitado pela sereia imortal para prosseguir com os intentos terroristas, o estranho personagem suicida-se com a própria bomba que iria completar o seu "acto heróico". A divindade, sempre cheia de graça e misericórdia exceptuando apenas um caso, o do responsável maldoso pela instalação de uma central nuclear (talvez uma representação maniqueísta do capitalismo torpe), diz olhando para o cadáver ensanguentado do suicida: "Tu estavas assustado em viver uma vida longa, não era assim?" Esta complacência para com aquele instinto revolucionário impaciente que revela, ainda assim, o pavor de não se conservar perante a duração da realidade, a duração da sua própria negação, lança assim o mote de um cineasta, Wakamatsu, interessado na santidade radical, quiçá para exorcizar ou substituir os fantasmas de uma revolução que, na altura, já ia longe da vista e dos corações.
Truck Yaro 5 - Truckstar of Guts (1977) de Norifumi Suzuki: ***
Truck Guys, mais conhecido por Truck Yaro, foi uma série de 10 filmes realizada pelo rei do grindhouse, Norifumi Suzuki. Com um ritmo de produção bianual, a saga do camionista Momojiro (interpretado exemplarmente por Bunta Sugawara) ocupou toda a segunda metade dos anos 70 na Toei, conquistando um público que via nestes road-movie heteróclitos uma competição directa ao celebérrimo Tora-San (que em 1977 entrava na sua décima nona instalação!), só que destinado a um público adulto. Com efeito, entre a inspiração e a paródia, Suzuki aplica a fórmula dessa tão longa série: Momojiro em cada capítulo apaixona-se por uma mulher diferente e vê o seu amor frustrado, várias vezes incorrendo na mera fantasia platónica que não tem qualquer referente no real. O curioso de Truck Yaro é a maneira como se equilibram tendências tão ingénuas e simples com um humor mais adulto e, em certo sentido, desaconselhável ou licencioso. Esses paradoxos tornam-se muito evidentes nas cenas nunca prescindidas dos "banhos privados" onde, mesmo apaixonado, Momojiro tem relações com outras mulheres enquanto prossegue nas estradas desse Japão rural e irreconhecível. Embora os filmes sejam caracterizados por uma colagem de episódios cuja relação é por vezes difícil de estabelecer, o quinto capítulo, Truckstar of Guts, copia a situação de Tora-san, The Intelectual (saído em 1975) onde o nosso vagabundo Tora-san tinha de fingir ser um intelectual para conquistar o coração da sua amada. Aqui também uma professora de ensino básico cai nas graças de Momojiro e a estratégia de conquista passa exactamente por simular uma inteligência que não existe. Outros episódios incluem o fascínio pela caça ao ouro e desistência da dura vida camionista do fiel companheiro de viagem Matsushita, mais conhecido por "Jonathan", e um cameo de Sonny Chiba a mostrar o que ele faz melhor: interpretar anti-heróis. Não podemos esquecer a pequena reviravolta na narrativa usual de rejeição que aqui fornece uma das cenas mais cómicas de toda a série. Momojiro, após receber o privilégio do amor recíproco flutua sobre as águas como uma verdadeira réplica de um personagem dos Looney Tunes que só interrompe o feito e mergulha nas águas quando se dá conta do milagre cartoonesco que acabou de praticar.
At This Late Date, The Charleston (1981) de Kihachi Okamoto: ****
A propensão de Kihachi Okamoto para a sátira fica provada nas três obras que realizou com maior independência criativa para a Art Theatre Guild. O corrosivo Naked Bullet, o caótico Battle Cry e este hilariante At This Late Date, the Charleston comungam, também entre eles, o tema da reflexão bélica, partindo de um ponto-de-vista caricaturado que permitiria, através do exagero, denunciar a verdade absurda que se esconde por detrás dessas eras onde a crise e a máxima desumanização reinam. Apesar de Battle Cry descrever o marasmo político e moral da Guerra de Boshin em pleno século XIX, Okamoto tanto em Naked Bullet como em Charleston analisa as chagas muito próximas da Segunda Guerra Mundial, focando-se principalmente nas existências dos intervenientes mais primários, isto é, os soldados, durante e pós, o conflito. Se Naked Bullet levava até às últimas consequências a paródia do sentimento de dever e lealdade de um soldado imperial, equivalendo-o à simples estupidez ou casmurrice de virar carne putrefacta dentro de um barril na sequência da crença de uma guerra interminável, em Charleston, seis ex-militares idosos (mais uma velhinha que trabalhou como prostituta durante a Guerra) provam, através da fundação de um Estado independente no interior do próprio Estado japonês a que chamam de Yamatai, a total aleatoriedade na criação de conceitos como "país" ou "nação". Num certo sentido, o alcance da alegoria não termina aqui. Num filme que muda constantemente de interveniente mas que nunca se perde devido ao poder magnético dos seus actores e humor de cair da cadeira, as peripécias dos ministros farsantes (que jamais têm noção da própria farsa ou então usam a farsa para virarem de pantanas a realidade decadente da terceira idade) vão replicar, a uma escala reduzida, todos os passos determinantes de como um "país" entra em guerra com outro. Esta forma de reviver as memórias enferrujadas e colectivas da Segunda Guerra, interpretando-as num palco alucinante desprovido de regras com forte inspiração na realidade fazem deste Charleston uma obra singular cujo charme reside nos delírios de grandeza de uma geração marcada para sempre pelo Imperialismo.
A propensão de Kihachi Okamoto para a sátira fica provada nas três obras que realizou com maior independência criativa para a Art Theatre Guild. O corrosivo Naked Bullet, o caótico Battle Cry e este hilariante At This Late Date, the Charleston comungam, também entre eles, o tema da reflexão bélica, partindo de um ponto-de-vista caricaturado que permitiria, através do exagero, denunciar a verdade absurda que se esconde por detrás dessas eras onde a crise e a máxima desumanização reinam. Apesar de Battle Cry descrever o marasmo político e moral da Guerra de Boshin em pleno século XIX, Okamoto tanto em Naked Bullet como em Charleston analisa as chagas muito próximas da Segunda Guerra Mundial, focando-se principalmente nas existências dos intervenientes mais primários, isto é, os soldados, durante e pós, o conflito. Se Naked Bullet levava até às últimas consequências a paródia do sentimento de dever e lealdade de um soldado imperial, equivalendo-o à simples estupidez ou casmurrice de virar carne putrefacta dentro de um barril na sequência da crença de uma guerra interminável, em Charleston, seis ex-militares idosos (mais uma velhinha que trabalhou como prostituta durante a Guerra) provam, através da fundação de um Estado independente no interior do próprio Estado japonês a que chamam de Yamatai, a total aleatoriedade na criação de conceitos como "país" ou "nação". Num certo sentido, o alcance da alegoria não termina aqui. Num filme que muda constantemente de interveniente mas que nunca se perde devido ao poder magnético dos seus actores e humor de cair da cadeira, as peripécias dos ministros farsantes (que jamais têm noção da própria farsa ou então usam a farsa para virarem de pantanas a realidade decadente da terceira idade) vão replicar, a uma escala reduzida, todos os passos determinantes de como um "país" entra em guerra com outro. Esta forma de reviver as memórias enferrujadas e colectivas da Segunda Guerra, interpretando-as num palco alucinante desprovido de regras com forte inspiração na realidade fazem deste Charleston uma obra singular cujo charme reside nos delírios de grandeza de uma geração marcada para sempre pelo Imperialismo.
The Unspoiled Diamond (1982) de Toshiya Fujita: ***
Cineasta da juventude, porque encontra especial deleite nos erros e nos embaraços próprios dessa idade, Toshiya Fujita é igualmente o cineasta do descomprometimento, alcançando neste The Unspoiled Diamond, película onde o duplo adultério de um professor de literatura não destoa em nada da rotina citadina, uma postura desprovida de qualquer moralite. Na verdade, a Fujita interessa menos a identificação masculina de bon vivant que encontramos no professor e muito mais a captação (até empregaria o termo "captura", pela conotação fetichista) da imaturidade de uma das amantes, Yumi, a estudante universitária adolescente que se aproximará do seu tutor numa tarde chuvosa, debaixo do guarda-chuva. O quadrado amoroso apresentado torna-se insustentável à medida que progride, pois raramente uma amante, neste caso duas, conseguem permanecer muito tempo com o pensamento de serem uma alternativa a outra relação. Fujita, com dotes de voyeur e agitador, coloca os personagens fora dos espaços familiares, vagabundeando por todo o tipo de locais que a cidade oferece. Lojas de discos, alfarrabistas, restaurantes caros, hotéis e bares onde o álcool é sempre bom companheiro compõem o universo destas existências que parecem personificar o caos afectivo proveniente da descoberta da imperfeição de toda a estrutura de compromissos sociais. Se voltarmos a Yumi, podemos talvez depreender que a sua descoberta é precisamente essa, quando se apercebe que não aguenta cinquenta anos com o companheiro egoísta que lhe saiu. The Unspoiled Diamond pode simplesmente representar o gosto próprio de Fujita em amoralizar a realidade, mas quando perseguimos Yumi só a lidar com a rejeição, nos seus suspiros de amor frustrado, vemos toda uma geração que entra crente no amor e sai descrente.
The Boss's Wife (1988) de Tatsuichi Takamori: **
Wives of the Yakuza de Hideo Gosha deu uma reviravolta no cinema yakuza que se produziu durante a segunda metade dos anos 80. Na verdade, tornar a mulher protagonista de uma estética tão tradicionalmente masculina foi a última jogada dos grandes estúdios antes de tornarem o cinema de mafiosos numa coisa de minorias e cultos com o V-Cinema nos anos 90. The Boss's Wife é mais uma instalação da Toei que vem na seguimento directo dessa película de Gosha que também deu várias sequelas. Após a morte do marido que, em circunstâncias habituais, seria um herói de outro filme qualquer, cabe à sua esposa seguir o código de honra aparentemente reservado aos homens e ajustar as contas com os típicos vilões unidimensionais que nada mudaram desde os anos 60. Tatsuichi Takamori, ao contrário de Gosha, não masculiniza as suas heroínas mas constantemente nos recorda que se tratam de mulheres sensíveis que compreendem porventura melhor o amor do que a honra, ou se quisermos, entendem a honra à luz do amor. Em The Boss' Wife nunca percebemos se a presença feminina traz realmente algo de novo ao arquétipo tão trilhado do yakuza mas mesmo que não traga, há aqui uma presença impossível de não referenciar: Takeshi Kitano um ano antes da sua estreia na realização, interpretando um durão sem qualquer expressividade mesmo quando diz amar a nossa protagonista ou tenta esfaquear, logo na cena inicial, o seu marido. Cada segundo de Kitano é uma pérola mesmo quando tudo o resto é previsível.
Crimson Lotus (1992) de Mamoru Watanabe: ***
O primeiro dado mais surpreendente de Crimson Lotus é a sua contenção. Afectado geralmente por um estatismo mortificante, ninguém adivinharia que esta película de elipses e distanciamento pudesse vir de um dos pais do pink, isto é, o cinema erótico japonês. O erotismo, esse, é apenas sugerido numa ou outra cena, através dos gemidos de uma amante que interrompem os pesadelos da noiva que sonha com o ex-marido morto na guerra e assiste abnegadamente ao adultério. Em termos de imagem, tudo o resto se afigura como sendo clássico, isto quer dizer, em que a imagem não assume transgressões de regras mas digna-se a mostrar os acontecimentos segundo uma certo encadeamento lógico. Em Crimson Lotus, no entanto, as acções dos personagens jamais parecem lógicas: os "casamentos", em especial, surgem como uma perpetuação da infelicidade, um travão racional aos sentimentos imponderáveis que persistem a todas as tentativas de reconciliação com a ordem social. Mamoru Watanabe descreve um país na contra-mão da liberdade apregoada pelos personagens e que era própria à era. Ele filma o lado mais negro da conjugalidade, ou se quisermos, essa rápida decadência da honra e da promessa que existe em todas as épocas onde os impulsos individuais tomam a dianteira. Precisamente por filmar personagens deslocados, em sufoco, Watanabe recupera a noção do suicídio para nos dizer que se trata do suicídio de uma geração inteira que não tem força para prosseguir na ambiguidade. Esse suicídio retoma silenciosamente as características de uma união tradicional com o homem pateticamente seguindo ideias fixas enquanto a mulher cuida, compreende, culpabiliza-se... Este retrato, tão lúgubre e ausente de posicionamento moral, não deixa de fixar a aura negra de um tempo desencantado. Seguramente, o raccord do funeral do Imperador Showa em 1989 com o suicídio teatral do protagonista não é uma coincidência.
Last Friends (1995) de Masanobu Deme: **
Listen to the Voices of the Sea de Hideo Sekigawa funcionava como um filme de terror em que a coisa assustadora era o campo de batalha. Esse filme extremo de 1950, lançado apenas cinco anos após o fim da Segunda Guerra, demonstrava a mais pessimista das visões, pois todos os soldados marchavam na fatalidade para a devastação colectiva, partindo de um grupo minoritário, isto é, um pelotão sem defesas para pintar a situação desesperante de um país inteiro. Para os efeitos da comemoração dos 50 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, Masanobu Deme encarregou-se do remake, talvez confessando com essa escolha que a mensagem que trazia não era de celebração, mas de luto. O filme de Sekigawa apresentava vários desafios sendo o mais determinante a "micro-escala" da acção que para um espectador mais moderno poderia parecer demasiado cruel e pouco abarcante se a intenção era retratar o conflito bélico. O que Masanobu Deme esqueceu ao adoptar esta postura de "macro-escala" é que não é por variarmos mais elementos narrativos que chegamos a emoções mais definitivas ou marcantes. Em vez do pelotão encurralado de Listen to the Voices... aqui também temos pilotos kamikaze, um desertor que ficou na aldeia onde nasceu, familiares dos soldados, imagens de arquivo, inclusive uma cena em Hiroshima depois da explosão atómica. Deme, ao contrário de Sekigawa, queria oferecer uma imagem total da guerra, mostrando preocupações excessivamente didáticas que dispersam o foco, tornam os personagens distantes e jogam contra as sensações que seguramente pretendia transmitir. Se uma das missões possíveis do cinema é presentificar, então o filme de guerra devia partir de determinações histórias sem nunca se cingir a elas, se possível transgredindo-as de vez em vez. Sem descurar o esforço anti-bélico, Last Friends enrola-se na sua mensagem e confunde o filme com o público a quem se dirige.
A Class to Remember 4 - Fifteen (2000) de Yoji Yamada: ***
Last Friends (1995) de Masanobu Deme: **
Listen to the Voices of the Sea de Hideo Sekigawa funcionava como um filme de terror em que a coisa assustadora era o campo de batalha. Esse filme extremo de 1950, lançado apenas cinco anos após o fim da Segunda Guerra, demonstrava a mais pessimista das visões, pois todos os soldados marchavam na fatalidade para a devastação colectiva, partindo de um grupo minoritário, isto é, um pelotão sem defesas para pintar a situação desesperante de um país inteiro. Para os efeitos da comemoração dos 50 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, Masanobu Deme encarregou-se do remake, talvez confessando com essa escolha que a mensagem que trazia não era de celebração, mas de luto. O filme de Sekigawa apresentava vários desafios sendo o mais determinante a "micro-escala" da acção que para um espectador mais moderno poderia parecer demasiado cruel e pouco abarcante se a intenção era retratar o conflito bélico. O que Masanobu Deme esqueceu ao adoptar esta postura de "macro-escala" é que não é por variarmos mais elementos narrativos que chegamos a emoções mais definitivas ou marcantes. Em vez do pelotão encurralado de Listen to the Voices... aqui também temos pilotos kamikaze, um desertor que ficou na aldeia onde nasceu, familiares dos soldados, imagens de arquivo, inclusive uma cena em Hiroshima depois da explosão atómica. Deme, ao contrário de Sekigawa, queria oferecer uma imagem total da guerra, mostrando preocupações excessivamente didáticas que dispersam o foco, tornam os personagens distantes e jogam contra as sensações que seguramente pretendia transmitir. Se uma das missões possíveis do cinema é presentificar, então o filme de guerra devia partir de determinações histórias sem nunca se cingir a elas, se possível transgredindo-as de vez em vez. Sem descurar o esforço anti-bélico, Last Friends enrola-se na sua mensagem e confunde o filme com o público a quem se dirige.
A Class to Remember 4 - Fifteen (2000) de Yoji Yamada: ***
Gakko, a palavra japonesa para o local onde se aprende e ensina, foi o nome dado a uma série de quatro filmes sem relação entre eles a não ser pela temática partilhada. Yoji Yamada, o realizador com mais sequelas da história do cinema, talvez para preencher o vazio da morte de Tora-San, optou por recriar uma saga em quatro filmes que encarava o papel humano de escolas "especiais" com bastante ternura e sentimento: em A Class to Remember de 1993 tínhamos uma escola noturna, em The Learning Circle de 1996 uma escola para jovens deficientes e, finalmente, em The New Voyage de 1998 uma escola técnica que servia de prelúdio para um romance. A última instalação, A Class to Remember 4 - Fifteen é a que destoa mais do paradigma reconhecível da série. Viajando com Mamoru pelo sul do Japão, ele que foge de casa porque odeia o ambiente familiar e a escola na qual não é bom aluno, jamais vemos uma escola especial e mesmo todas as referências feitas à escola do protagonista são escassas. Claramente, o foco aqui também já não é a relação paternal, sem ser paternalista, do professor que ajudava a ultrapassar as dificuldades dos alunos (já que essa figura também é inexistente), mas uma espécie de convicção que a maior escola é a vida e que, nesse sentido, as aprendizagens mais duradouras são aquelas que experimentamos na primeira pessoa. Se Mamoru foge das obrigações porque se sente revoltado com o pai demasiado preocupado com canudos e aparências, ele encontrará na estrada uma quantidade de personagens que, de maneira indireta, reforçam ou rememoram o lado afectivo que desejaria ter ou que sempre passou despercebido: o camionista simpático que o leva a Osaka, a camionista que dá a conhecer a sua família, uma viajante na montanha e um velhinho com delírios da Guerra do Pacífico de quem cuida. Assim, Fifteen desvia-se da importância das instituições escolares para reencontrar um tema demasiado caro a Yamada: as relações familiares por oposição à vida errante. Nunca forçando a sua mensagem, este é um filme agradável de se ver.
The Place Where the Sun Sits (2014) de Hitoshi Yazaki: **
Se há algo que Hitoshi Yazaki nunca cedeu foi o seu pace glacial. Quer esteja a analisar o ocaso de uma relação amorosa em Sweet Little Lies, o estado da mulher no século XXI em Strawberry Shortcakes ou o confronto entre as memórias da mocidade e a idade adulta neste The Place Where the Sun Sits, o cineasta nunca arreda pé de uma certa obstaculização em relação aos seus personagens. Podíamos classificar Yazaki como um céptico no sentido em que ele deixa sempre um espaço de indeterminação e inacessibilidade, uma sombra que frustra o olhar e a expectativa mesmo quando facilmente se podia destrinçar tudo o que nos apresenta. Neste seu novo filme, duas colegas com o mesmo nome próprio revêm o seu passado: Kyoko Takama anuncia todos os dias a meteorologia enquanto que Kyoko Suzuhara é uma actriz de renome. A última foge às reuniões de turma e reencontra as memórias porque estas cercam-na sem repouso, a primeira analisa os erros de então e a relação de influência que uma tinha sobre a outra. Constantemente remetendo para a juventude num registo inconsistente de flashbacks, Yazaki complica o que deveria ser mais claro, frequentemente introduzindo cenas difíceis de relacionar com o presente e até, por algumas vezes, complicando a identificação de personagens num e noutro tempo. A metáfora do título, obscura até à cena derradeira, acaba por fornecer uma imagem forte do tipo de amizade entre as duas colegas mas chega demasiado tarde, nunca sendo apreendida dessa maneira no resto do filme.
Makeup Room (2015) de Kei Morikawa: ***
Quais as semelhanças entre Kei Morikawa e Masato Ishioka? Dois técnicos experientes do AV (o nome quer dizer Adult Video, o equivalente do filme pornográfico no Ocidente) que foram galardoados no circuito dos festivais por terem explorado as idiossincrasias das indústrias a que pertencem, fazendo uso de uma perspectiva endógena. As diferenças entre ambos? É que se Masato Ishioka, no seu Scout Man, apresentava o lado negro de ofícios exercidos às custas da inocência dos e das intervenientes, descrevendo o comércio do sexo na fronteira do crime e do desvio moral, Kei Morikawa prefere centrar o seu discurso na observação, sem julgamentos, de uma rodagem de um desses filmes que, hoje em dia, têm uma procura e uma produção avassaladora. Baseado numa peça de teatro, o argumento de Makeup Room é engenhoso na medida em que aproveita as limitações colocadas por ele mesmo (um único espaço, número limitado de actores e filmagem de longos takes) para fornecer um retrato nada preconceituoso, natural, bastante bem disposto e até humorístico, do ambiente por vezes caótico mas, apesar de tudo, profissional que se vive no set. Apesar da simplicidade e de todas as limitações técnicas e orçamentais, a experiência é bastante imersiva. A sala de maquilhagem em que entramos para não sair torna-se uma espécie de gineceu contemporâneo onde as actrizes (representando-se a si próprias, pois três delas têm carreira na pornografia) partilham histórias de bastidores, revelam dificuldades de representação e dirigem-se à maquilhadora como se ela fosse simultaneamente uma espécie de confessora e uma mãe que lhes devolve essa beleza tão perene que conquistam perante a câmara que vemos, numa única cena, a trespassar um domínio que aos homens não pertence muito bem. Podíamos elencar as diversas peripécias encenadas por alguém que parece conhecer muito bem a indústria que representa, mas aconselhar o visionamento parece-nos o suficiente.
Journey to the Shore (2015) de Kiyoshi Kurosawa: **
As entidades sobrenaturais aparecem na filmografia de Kiyoshi Kurosawa como se pedissem licença para entrar. Elas realmente não causam distúrbios maiores mas agitam as águas dos vivos em pequenas ondas. Se há coisa que Journey to the Shore nos reitera sobre a fantasmagoria é que ela parte exclusivamente de uma presença, uma passividade que se mistura com o mundo dos vivos para lhes mostrar que a morte é mera jornada de passagem, um intervalo entre as eternidades que se situam entre o começo e o fim das nossas histórias, dos nossos "universos" subjectivos. Os sucessivos périplos de Mizuki e o seu marido fantasma, Yusuke, conferem uma nova frescura à "aprovação da vida na própria morte" que Bataille falava com contornos, ainda assim, tão distintos destes. Se Yusuke, estando morto, nunca difere da pessoa que era enquanto vivo (e veja-se como a nossa ideia básica de um fantasma implica, pelo contrário, uma espécie de corrupção ou entrega ao mal) é porque o amor ou saudade de Mizuki o restitui e o chama para últimas despedidas, num certo sentido, últimas núpcias sem quase nada alterar na vivência do casal. É a morte assim tão diferente da vida? Tudo isto, evidentemente, rememora os lugares comuns que abundam na recente indústria cinematográfica japonesa que parece ter confundido romance com morte, na medida em que só se digna a filmar a primeira dimensão quando ela é constantemente impossibilitada ou interferida pela segunda (quer surja por acidente ou doença terminal). Kurosawa, portanto, não consegue disfarçar a cem por cento a conflituosidade originária deste projecto. Baseado num desses romances para donas de casa, o argumento de Journey to the Shore em certa medida resume-se a uma variação destes casamentos fatais onde nunca se esconde uma quantidade irritante de ingenuidades e idealismos sobre a suposta "eternidade" inquestionável que une os amantes, sobretudo nos momentos limite. Por outro lado, o despudor ou a falta de rodriguinhos narrativos de Journey to the Shore distancia-o do modelo melodramático para que sempre tende, o que cria uma experiência bipolar cuja estranheza não é um defeito, mas sim uma qualidade. Na verdade, a câmara continua atmosférica mesmo quando se dá tanta prioridade à palavra, os personagens permanecem insondáveis mesmo quando alguns sentimentos ficam expressos nos diálogos demasiado explicativos, enfim, o lirismo mais embaraçoso passeia de mão dada com a austeridade mais experimental. Para bem e para o mal, prosseguimos no terreno da dessincronia característico do cineasta.
Journey to the Shore (2015) de Kiyoshi Kurosawa: **
As entidades sobrenaturais aparecem na filmografia de Kiyoshi Kurosawa como se pedissem licença para entrar. Elas realmente não causam distúrbios maiores mas agitam as águas dos vivos em pequenas ondas. Se há coisa que Journey to the Shore nos reitera sobre a fantasmagoria é que ela parte exclusivamente de uma presença, uma passividade que se mistura com o mundo dos vivos para lhes mostrar que a morte é mera jornada de passagem, um intervalo entre as eternidades que se situam entre o começo e o fim das nossas histórias, dos nossos "universos" subjectivos. Os sucessivos périplos de Mizuki e o seu marido fantasma, Yusuke, conferem uma nova frescura à "aprovação da vida na própria morte" que Bataille falava com contornos, ainda assim, tão distintos destes. Se Yusuke, estando morto, nunca difere da pessoa que era enquanto vivo (e veja-se como a nossa ideia básica de um fantasma implica, pelo contrário, uma espécie de corrupção ou entrega ao mal) é porque o amor ou saudade de Mizuki o restitui e o chama para últimas despedidas, num certo sentido, últimas núpcias sem quase nada alterar na vivência do casal. É a morte assim tão diferente da vida? Tudo isto, evidentemente, rememora os lugares comuns que abundam na recente indústria cinematográfica japonesa que parece ter confundido romance com morte, na medida em que só se digna a filmar a primeira dimensão quando ela é constantemente impossibilitada ou interferida pela segunda (quer surja por acidente ou doença terminal). Kurosawa, portanto, não consegue disfarçar a cem por cento a conflituosidade originária deste projecto. Baseado num desses romances para donas de casa, o argumento de Journey to the Shore em certa medida resume-se a uma variação destes casamentos fatais onde nunca se esconde uma quantidade irritante de ingenuidades e idealismos sobre a suposta "eternidade" inquestionável que une os amantes, sobretudo nos momentos limite. Por outro lado, o despudor ou a falta de rodriguinhos narrativos de Journey to the Shore distancia-o do modelo melodramático para que sempre tende, o que cria uma experiência bipolar cuja estranheza não é um defeito, mas sim uma qualidade. Na verdade, a câmara continua atmosférica mesmo quando se dá tanta prioridade à palavra, os personagens permanecem insondáveis mesmo quando alguns sentimentos ficam expressos nos diálogos demasiado explicativos, enfim, o lirismo mais embaraçoso passeia de mão dada com a austeridade mais experimental. Para bem e para o mal, prosseguimos no terreno da dessincronia característico do cineasta.
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