11/08/15

Fragmentos de 2015/08/11



A Farewell to Jinu (2015) de Suzuki Matsuo: *
Após oito anos de hiato detrás das câmaras, o actor tornado realizador Suzuki Matsuo não se presta a grandes elogios com A Farewell to Jinu. Enquadrada no seu estilo, isto é, comédias que confiam mais na atmosfera do que nos gags, esta película na qual Ryuhei Matsuda interpreta um ex-bancário que desenvolve uma fobia pelo dinheiro físico e se retira para uma zona rural no Norte do Japão, convencido que consegue auto-sustentar-se sem o vil metal, apresenta mudanças súbitas de tom e nunca se solidifica em termos narrativos, nem tão pouco consegue transmitir algo marcante que não esteja condicionado por alguma aleatoriedade. O humor nunca é hilariante mas entretêm e estaríamos a mentir se disséssemos que alguns momentos (as cenas da "alergia ao dinheiro", por exemplo) não são bem conseguidos. Se o tom surreal e "out of character" assenta bem aos comportamentos dos aldeões e desperta alguns sorrisos, ele também distancia e impossibilita uma relação de proximidade que poderíamos desenvolver com eles e através deles - o que vindo do realizador de Welcome to the Quiet Room, filme com personagens tão memoráveis, não deixa de ser estranho. A Farewell to Jinu, com o seu tema de êxodo urbano também tão sobre-explorado pela mais recente cinematografia japonesa, não consegue ser mais do que uma pequeno percalço na carreira do seu realizador. 



The Lion Standing in the Wind (2015) de Takashi Miike: 0
Ao ler a sinopse de Lion Standing in the Wind era impossível não remeter a nossa memória para o injustamente desconhecido The Bird People in China, a derradeira prova que o percurso de Takashi Miike, desde o princípio, sempre foi feito de excepções e que nem só de sangue e vísceras se fazia o seu cinema. Todavia, é essa comparação entre duas películas aparentemente tão próximas (tão afins de explorar o Terceiro Mundo) que estabelece a diferença radical entre o realizador com assinatura e o empregado de estúdio, ou se quisermos ainda ir mais longe, entre a verdade das emoções, canalizadas pelo estilo cinematográfico e a triste manipulação/distanciamento de quem procura reacções uniformizadas da plateia. Não é que Lion Standing in the Wind seja inteiramente cínico em relação à sua frágil narrativa que conta as peripécias de um médico japonês que viaja para o Quénia nos anos 80 e trata de crianças num campo de refugiados devastado pela guerra, mas toda a experiência de visionamento reveste-se de contornos messiânicos e um estilo insistentemente sentimental que transforma rapidamente o humanismo automático do doutor Koichiro Shimada numa representação demasiado santificada para ser de carne e osso, apesar do filme pretender ser "terra-a-terra" na abordagem psicológica e usar erradamente a chancela: baseado numa história verídica. Com isto não duvidamos que a abnegação extrema, até a santidade, possa existir no mundo, mas visto como ficção, montada numa estrutura lógica de estímulo-reacção, é óbvio que encontramos aqui uma tentativa de oferecer ao grande público lágrimas numa bandeja, esquecendo conferir qualquer complexidade de carácter a não ser a de superioridade moral, inexplicada e inexplicável. Até mesmo a cansativa estrutura de flashback dentro daquilo que já é um flashback (e também o paralelo entre a situação no Quénia e o incidente nuclear de 2011 parece forçar uma compaixão imediata) prova o "culto da personalidade" onde cada personagem relembra a bondade que não pertence a este mundo. Ao contrário do já referido The Bird People in China onde o exotismo oriental levava os personagens (e nós) a querer defender e pertencer ao lugar mágico das civilizações recônditas, em The Lion Standing in the Wind o excessivo melodramatismo (que acaba em martírio, como seria de esperar) impede a descoberta e a transformação. Tal é, paradoxalmente, o problema do cinema que filma ideais como estatuetas morais. 



April Fools (2015) de Junichi Ishikawa: *
Escrito ao longo de alguns anos, o argumento de April Fools não avança nada em relação a um modelo narrativo que, a despeito da popularidade na década passada, até julgávamos estar desactualizado. Várias histórias de vida cruzam-se no dia 1 de Abril (data em que não se leva a mal mentir), provocando encontros fortuitos que unem como uma malha os diversos personagens: uma "falsa" grávida organiza um sequestro num restaurante para desmascarar o amante playboy, um casal idoso faz-se passar por realeza, um mafioso rapta a filha e faz de conta que a relação de paternidade não existe, um polícia interroga uma vidente charlatã, entre outros exemplos mais fugazes. Todo o filme é um vai-e-vem entre diferentes segmentos e se esta divisão poderá relembrar excelentes filmes como Survive Style 5+, também poderá muito bem recordar o estilo piroso de um certo género de comédias românticas que está tão preocupado em ligar organizadamente todos os personagens que força o encanto natural em virtude de uma mensagem "feel good" demasiado óbvia para ser significativa. Junichi Ishikawa e Ryota Kosawa, realizador e argumentista estreantes no cinema mas aclamados na televisão, até podem ter construído um filme remotamente interessante sobre o poder benéfico e humano das mentiras e do "faz de conta" que a imaginação proporciona, mas visto como um todo, April Fools é ainda demasiado artificial, demasiado postiço para o vermos sem reticências e sem afastamento.



Parasyte - Part 2 (2015) de Takashi Yamazaki: **
Tínhamos vaticinado o possível desgaste do segundo e final capítulo da adaptação do manga de Hitoshi Iwaaki para o grande ecrã e os presságios confirmaram-se ainda que parcialmente. A primeira parte, dissemos anteriormente, tinha surpreendido bastante pela gestão entre fidelidade ao original e condensação óbvia de uma obra gráfica que excede em tempo e peripécia as potencialidades, acima de tudo, diacrónicas do cinema. Também a Part 1 fazia valer-se como recomendável estudo de personagem, pois representava a velha ideia do herói solitário que perde (quase) tudo à sua volta, em especial o instinto de humanidade, contraposta à lei natural dos monstros, colocando-se no final colocava frente a frente com uma ameaça ainda maior, uma organização inteligente de Parasitas que perguntavam pela melhor maneira de se misturarem ou conquistarem a raça humana. Neste tipo de dípticos cinematográficos, quase sempre os preliminares são melhores do que o coito (perdoe-se a metáfora) e se encararmos o primeiro capítulo como um preliminar, como introdução a algo que promete ser maior e melhor, a concretização do segundo capítulo frequentemente traz um sentimento apressado e tosco como se realizadores, actores e personagens tivessem ficado perdidos algures na pressão da grande escala, no épico adoptado e forçado. Neste sentido, Parasyte - Part 2 quando falha, contradiz-se, quer no ritmo, quer até nas motivações dos personagens ou em certos dilemas morais que nunca chegam a ficar inteiramente esclarecidos. Takashi Yamazaki parece estar demasiado assustado com a possibilidade de fragmentar a acção e afastar-se das várias portas que é obrigado a fechar e, portanto, cose as pontas soltas à sua disposição enquanto a vitalidade da película está, na maior parte das vezes, a rebentar pelas costuras. Isto não quer dizer, todavia, que não haja aqui bons momentos que, mais uma vez, vão de encontro ao espírito do original. Por exemplo, as conclusões sobre o género humano (aqui assumidas como uma subversão de poder em relação ao primeiro filme, pois também os humanos passam de presas a predadores) de Reiko, a parasita intelectual que experimenta ter um filho para ver quão humana se torna, são o ponto alto de uma narrativa que bastantes vezes deixa os dois personagens principais, Shinichi e Migi, para segundo plano. Talvez por também confiar mais no CGI e nas cenas de acção do que o capítulo anterior, ficamos com a impressão que imageticamente este é também um filme mais frio e menos relacionável do que o primeiro.



Kakekomi (2015) de Masato Harada: **
Masato Harada, talvez o mais "americano" dos realizadores japoneses, nunca tinha mergulhado no jidai-geki, género que apesar das esporádicas tentativas de reabilitação recentes, ainda está em decadência. Por falta de interesse ou reconhecimento das suas limitações enquanto imitador, o realizador de Kamikaze Taxi não seguiu academicamente as fórmulas que tornam o género hoje tão reconhecível e que tristemente tem vindo a resumir-se à espiritualidade zen do guerreiro e à abnegação feminina no amor. Portanto, em vez de samurais decidiu oferecer-nos as mulheres assustadas do Período Edo, especialmente aquelas que sofriam com casamentos infelizes e precisavam de se esconder dos abusos, já que o divórcio (coisa menos rara do que à primeira vista pensamos) só podia ser efectuado com uma carta consentida pelo marido e com uma espécie de moderador. O Templo Tokeiji que acolhia as esposas desamparadas era também conhecido como o templo do divórcio precisamente porque ali as leis dos homens não tinham poder e o retiro espiritual das mulheres, aliado à dedicação em viver em comunidade com regras estrictas, quase sempre forçava os maridos a assinar o documento do divórcio. Kakekomi, com preocupações feministas muito mais eficazes do que Blue Stockings (uma película de Harada que não se livrava da frigidez psicológica, como se os personagens fossem meros autómatos da História), não traí a sua proposta porque apresenta-nos um punhado de mulheres por quem nutrimos simpatia e que permanecem, apesar de poderem ser vistas como arautos da igualdade de sexo, ainda mulheres. Talvez o problema maior do filme - e que na realidade, não o deixa voar mais alto, mesmo abstraindo-nos da fotografia cuidada e das interpretações convincentes - seja a dispersão narrativa e a presença masculina de Shinjiro, um aprendiz de médico, que acaba por roubar tempo e concentração dramática às mulheres no templo. Diz-se que Harada teve de cortar duas horas da versão original e mesmo a que ficou afigura-se como demasiado intrincada, excessivamente desviante e ainda longa demais. 



The Emperor in August (2015) de Masato Harada: **
Numa sessão de Q&A no The Foreign Correspondents Club em Tokyo que precedeu a ante-estreia de The Emperor in August, Masato Harada começou por não responder directamente à questão essencial: qual a justificação para levar a cabo um remake de uma obra tão definitiva como Japan's Longest Day de Kihachi Okamoto? Com algum atraso na resposta, Harada tentou explicar que antes sequer de haver filme, havia um romance escrito por Kazutoshi Hando (Koji Yakusho, que também estava presente, corroborou dizendo que o seu velho camarada de profissão sempre vai às fontes históricas antes de filmar) e que a razão mais determinante para ressuscitar uma obra com quase 50 anos era humanizar a figura do Imperador, figura que na versão de Okamoto e na maior parte do cinema japonês tinha sido relegada para segundo plano por motivos de pudor. Harada queixou-se da recusa dos close-ups nos diversos actores que nos últimos anos interpretaram Hirohito e ainda mencionou a representação debilitante do Imperador em The Sun de Aleksandr Sokurov como uma reductio ad absurdum que confiava demasiado em tiques e frases feitas. A verdade é que a benevolência e a compaixão da figura imperial em The Emperor in August traz consigo a crença de que o Japão, no culminar da Segunda Guerra, era um país governado exclusivamente por militares convencidos que a derrota apenas se declararia quando nenhum japonês restasse debaixo do sol. O filme de Okamoto, apesar da idade, tinha ido mais longe na acepção em que não sentia grande necessidade de "limpar imagens" e apresentava os últimos dias da capitulação não só com intrigas políticas fervilhantes, mas com o desespero latente que resultaria da aceitação da derrota, a despeito de agora serem os lacaios a sentir a maior urgência de defender o trono quando os soberanos, por sua vez, eram os primeiros a reconhecer que tudo estava perdido. Masato Harada na sua versão mais moderada e distanciada tenta imprimir algum fulgor através da montagem, simultaneamente a maior qualidade e defeito do filme, mas parece ter-se esquecido da visceralidade e da mestria técnica de Okamoto: se os cortes rápidos entre planos conseguem fornecer um ritmo ansioso e concatenar imagens relevantes, a verdade é que muitas vezes perdemos os méritos de um plano mais demorado e até notamos alguns erros de raccord tal é a rapidez hollywoodesca do editing. Se Japan's Longest Day usou footage real da bomba atómica, The Emperor in August dá-se ao luxo de recriar, com um CGI atroz que chega a ser ofensivo, a explosão de Hiroshima em poucos segundos. Aqui jaz a diferença profunda entre os dois filmes mesmo que haja semelhanças no plot: um pretende ser uma marcha fúnebre, outro um elogio.

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