15/05/15

Fragmentos de 2015/05/15




Spy Swordsman (1964) de Sadao Funadoko: **
Qualquer especialista ou curioso em cinema japonês saberá que os anos 60 representaram uma queda de afluência do público nas salas e isso deveu-se à prevalência da televisão, um medium por essa altura democratizado o bastante para roubar público à sétima arte e criar a sua própria indústria de ficção. Normalmente, costuma-se citar a obra de Hideo Gosha como um caso onde uma certa promiscuidade entre o pequeno e grande ecrã era possível, mesmo sendo rara visto a total diferença e até rivalidade entre produções: não é por acaso que Gosha, oriundo da televisão, sempre foi algo ostracizado pela maior parte dos realizadores e técnicos de cinema mesmo quando a sua obra falava por si e fazia avançar o chanbara. No mesmo ano de Three Outlaw Samurai (primeira longa de Gosha que retomava os personagens da sua popular série de televisão), a Toei decidia trilhar o mesmo caminho e levar para as salas de cinema mais aventuras do samurai Shintaro, conhecido também pela série vagamente intitulada The Samurai. A série ficou conhecida pelo confronto, algo inovador para a altura, entre samurais e ninjas, os últimos representando o lado funesto e enganador do guerreiro (com as suas técnicas traiçoeiras de desaparecimento, manipulação, troca de corpo, etc.) enquanto que os samurais, personificados em Shintaro, simbolizavam a honra, a moral e a crença no humano - por isso, muitas vezes o nosso herói deixa-se cair nas armadilhas dos inimigos e a tensão reside maioritariamente aí, nesse abuso de confiança e na perigosidade, algo óbvia, dos antagonistas. A esta polaridade, o artesão Sadao Funadoko não adiciona muito mais complexidade. Spy Swordsman é um entretido objecto que usa a negritude do filme de ninjas (bastante popular por esta altura) para fazer nada mais do que a sua obrigação. Está longe de ser marcante, mas é divertido.



Retaliation (1968) de Yasuharu Hasebe: ***
Quarta longa-metragem de Yasuharu Hasebe para a Nikkatsu, Retaliation encena a típica narrativa yakuza que contempla disputas entre gangues (por um pedaço de terra), amor fraternal (mas não sem uma certa tensão homoerótica, como nos aponta Tony Rayns) e a emblemática dizimação final onde o sangue da vingança representa a descarga energética cujo decorrer da acção nos vai preparando. Se Hasebe não pôde experimentar nada de novo em termos estritamente diegéticos, repetindo as fórmulas do género, ele transportou uma criatividade borbulhante para algumas estranhas opções de enquadramento (uma certa competência para isolar rostos mesmo em plano aberto ou então escondê-los sobriamente entre as "ervas", como faz no plano da reunião dos possíveis amantes que deveria ter sido o mais emocional de todo o filme) e uma mensagem completamente desencantada de um mundo várias vezes glamorizado na sétima arte. A dupla Akira Kobayashi e Joe Shishido, rivais mas irmãos na desventura, após o massacre de onde ninguém saí vivo (muito sugestivamente filmado numa casa-de-banho branca e neutral à semelhança da calmaria interrompida pela vermelhidão agressiva do sangue), trocam as seguintes palavras feridos ao pé de uma porta gradeada: "não me apercebi que eram sacanas tão traiçoeiros."; ao que o outro responde: " O que esperavas? Todos os yakuza o são". Raramente estas tiradas eram proferidas numa cena conclusiva de um yakuza eiga, (mesmo nos mais corajosos e críticos), e segundo uma entrevista recente de Joe Shishido o brasão do portão gradeado focado no último plano não é nada mais nada menos do que o brasão de Hideki Tojo, primeiro ministro durante a Segunda Guerra Mundial e líder militar responsável pelos males da derrota. De um só travo, a palavra traiçoeiro abarca os militares e os yakuzas como se os primeiros fossem os predecessores dos segundos e como se tudo fosse farinha do mesmo saco.



Rape Shot - Momoe's Lips (1979) de Katsuhiko Fuji: **
Katsuhiko Fuji nunca granjeou a minha preferência nos delírios carnais dessa Nikkatsu lançada às cobras do erotismo e seus desvios cinemáticos. Das películas assistidas, fica-se com a impressão que Fuji normalmente seguia os passos dos seus colegas e não o contrário, e nenhuma verdadeira assinatura prevalecia aos seus esforços na realização (como acontecia por exemplo com Tatsumi Kumashiro, de longe o caso mais paradigmático do autor dentro dessa estrutura industrial). A verdade é que Momoe's Lips parece apenas operar, de forma automática e sem sintomas de genialidade, uma miscelânea de conceitos díspares do exploitation assinado pela Nikkatsu do final de 70: por um lado, filme chocantemente sexual na esteira dos disformes pesadelos violados de Yasuharu Hasebe; por outro, exercício pop de estrelas pop, à Koyu Ohara, sobre os meandros da indústria negra das cantoras-modelo que parecem ser mera mercadoria para os agentes (mais yakuzas do que outra coisa) e carne para canhão dos repórteres da especialidade. Momoe's Lips só é curioso na medida em que opta por desconfigurar esta dualidade tão difícil de apreender e deixá-la navegar em piloto automático, de libertinagem em libertinagem. Logo no início, uma fotografia do ídolo Julie (mais conhecido por Kenji Sawada) deixa-nos antever a relação que a paródia estabelecerá com artistas reais, pois também a Momoe do título remete para a famosíssima cantora e actriz Momoe Yamaguchi que, por esta altura, ainda estava no auge da sua carreira e também era conhecida pelos seus filmes, os quais se retiraria em 1980. Esta referencialidade, situada entre o anedótico e o ofensivo (estaria Fuji a deixar "recados" para a própria Momoe comparando-a à sua infeliz, explorada e drogada protagonista?) torna-se ainda mais grotesca, mas prazerosamente grotesca como só a série-B nos consegue oferecer, quando o final pessimista irrompe e muito cinicamente denuncia a situação mefistofélica das jovens ídolos e a relação vampiresca com os seus agentes. Contrato hipnotizante com o diabo que acaba a sorrir, este desfecho prova, se não o mau gosto contagiante da ligeireza erótica, pelo menos a sua surpreendente liberdade anárquica e mordaz.



Bound for the Fields, the Mountains and the Seacoast (1986) de Nobuhiko Obayashi: ****
A derradeira obra produzida pela Art Theatre Guild teve a assinatura de Nobuhiko Obayashi, que já anteriormente em 1982 e 1984 tinha deixado duas longas-metragens na produtora mais independente de sempre e preparava-se para fechar com chave de ouro um legado deveras inovador e heteróclita. Com efeito, 75 filmes produzidos ao longo de dezanove anos causa-nos espanto principalmente pela coragem e plasticidade das propostas como se o sonho da liberdade criativa tivesse sido realizado nessas quase duas décadas por tantas vozes distintas. ATG significou, pois, um carimbo de suprema qualidade infelizmente apenas reconhecido pelos "especialistas" que se dignaram (e dignam, pois ainda há tanto para descobrir) a desenterrar o universo inventivo desses mágicos que fizeram do cinema um pretexto para revolucionar a visão e esculpir as sensações. Na senda dos filmes nostálgicos acerca da insurreição militar, por sinal bastante populares nos anos 80, Bound for the Fields..., analisa surrealisticamente - à la Seijun Suzuki num Fighting Elegy, onde a hipérbole era crítica - o espírito das primeiras décadas do século XX japonês a partir da loucura bélica e das crenças adultas insufladas de patriotismo. Sublinhamos a palavra "adultas" porque, para contrastar o frenesim bizarro dos que apoiavam os costumes imperiais e a sua maneira de estar no mundo, Obayashi repescava um elenco de crianças precisamente para poder contar as coisas do seu ponto-de-vista mimético e, sem sombra de dúvida, parodiante. Embora haja uma contenção estilística maior do que nos seus outros filmes caracterizados por uma condensação pop, Obayashi não deixa de aplicar as lições de um Shuji Terayama quando, seja através do acting ou do guarda roupa, identifica esses "crescidos" como sendo, porventura mais infantis, misteriosos ou circenses do que as próprias crianças que, a princípio, os imitam fazendo da guerra um jogo de superioridade, uma mera encenação. Claro que Bound for the Fields..., transcende o típico comentário social e também ele opta por uma certa nostalgia dos dias da mocidade onde os primeiros amores surgem "às escondidas" e a rebelião contra o status quo é possível, mas se esse saudosismo podia encerrar uma distinção qualitativa em relação ao presente (algo que é apontado a vários filmes japoneses que apresentam visões idílicas dessas eras de crise como se fossem sempre mais puras) a gramática e o ritmo do filme pendem muito mais decisivamente para uma alucinação que têm a mocidade como objecto. Talvez essa nostalgia esteja também presente na decisão de se apresentarem duas versões do filme aquando da sua estreia: uma a cores (originalmente filmado assim) e outra a preto e branco. Pode ser que o preto e branco, por si só, induza a essa tal nostalgia alucinante que se almejava construir: e não esquecer títulos como To Sleep so as to Dream, Circus Boys, The Red Spectacles; todos realizados nos anos 80 e a preto e branco, numa era onde a cor era dominante, sublinhando, enfim, o carácter místico e mágico dos tons monocromáticos. 



My Sweet Little Pea (2013) de Keisuke Yoshida: ***
Keisuke Yoshida não é "o" grande cineasta japonês dos últimos 10 anos (também quem o foi?), no entanto, podemos apontar-lhe qualidades que, infelizmente, parecem ser excepções nessa geração que teve os seus inícios na realização desde 2005 até hoje: escreve quase todos os seus argumentos, filma personagens de acordo com um tradicional mas eficaz modelo de "character development" e ainda é uma das únicas vozes capaz de retratar, com humor e emotividade, a desestruturação familiar, principalmente a relação entre progenitores e descendentes. My Sweet Little Pea (tal como Rinco’s Restaurant ou Here Comes the Bride, My Mom) pertence a um conjunto recente de filmes no feminino que foram descritos por Cathy Monroe no Nishikata Film Review da seguinte maneira: "a sua essência não reside nas desgraças amorosas das heroínas mas na relação problemática entre mães e filhas." Com efeito, é sempre refrescante observarmos heroínas sem interesses amorosos e Yoshida dá-se ao luxo de os abdicar em função da descoberta dos laços familiares que faltam. Depois de viver sozinha com o seu irmão desde tenra idade, Mugiko é visitada pela mãe que os tinha abandonado e os três ficam a viver juntos por um bocado. A distância, mesmo o desconforto, entre filhos e mãe é evidente, mas a desastrada e simpática velhinha parece não se preocupar com a rejeição e sempre desafia a paciência da filha com um sorriso aceitador. Sem querer estragar o resto dos twists (porque eles são determinantes na construção do percurso de aprendizagem de Mugiko), chamamos à atenção para o modo como Yoshida é capaz de se desembaraçar de uma situação narrativa, passar para outra completamente diferente e só depois fechar o ciclo no cemitério onde o efeito retardado da despedida tem finalmente impacto emocional. Por mais simples que possa parecer, quantos realizadores (japoneses) são capazes de aproveitar a estrutura do crescimento interior e misturá-la na lógica do quotidiano, provocando, pois, epifanias baseadas no contacto real com o mundo e com os outros?



Close Range Love (2014) de Naoto Kumazawa: *
Embaraçoso para dizer no mínimo, Close Range Love será talvez a confirmação derradeira que Naoto Kumazawa não voltará mais a pegar na câmara para dar um novo alento ao "filme romântico" sem ceder, portanto, à simplificação telenovelesca - em bom japonês, com tiques de shojo manga - e a uma intriga que não redime em complexidade o conteúdo algo polémico que se resolveu adaptar. Um professor de inglês, Haruka Sakurai, decide dar explicações privadas a Yuni, uma aluna exemplar exceptuando na cadeira que ele lecciona. Haruka é cobiçado pela maior parte das alunas e a indiferente Yuni, aos poucos lá vai desenvolvendo uma paixão platónica pelo professor demasiado descontraído, mas exigente e demasiado abonecado para ser mais do que uma fantasia de teenagers. Tudo fica mais estranho quando a aluna confessa o seu amor e é, eventualmente, reciprocada pelo professor, num beijo debaixo da sua mesa a meio de uma aula (!), que quebra qualquer verossimilhança que ainda restava. A partir desse momento situamo-nos em terreno fantasista puro, mesmo que insistentemente Kumazawa nos tente vender a "realidade" das emoções dos seus personagens: uma nova professora, amiga de infância de Haruka, vê o beijo e decide aproximar-se do seu novo colega, Yuni, depois de rejeitada por Haruka que se apercebe dos problemas de uma relação proibida, também se aproxima de outro amigo seu... Enfim, todas estas jogadas de argumento extremamente artificiais e que, contrariamente ao pretendido, revelam pouquíssimo do interior dos personagens e só produzem intriga barata, diminuem o filme em todos os aspectos e, em particular, o talento que Kumazawa tinha em filmar relações. Eis o que acontece quando a adaptação de um manga é demasiado manga.



Puzzle (2014) de Eisuke Naito: **
Eisuke Naito prossegue a sua demanda segundo a qual o filme de terror rima com ódios viscerais, espírito de vendetta e, principalmente, um sentimento integral de suspensão de juízo recuperado dos bons velhos slashers dos anos 80. A narrativa ziguezagueante de Puzzle esconde somente os pretextos para exercer a crueldade sem precedentes: a violência surge-nos primeiramente gratuita porque se escondem os motivos, depois revelam-nos na esperança de ganharmos qualquer tipo de conexão e, finalmente, quando a procissão já passou há muito o adro sabemos que nenhuma réstia de racionalidade ou emoção podem sobreviver com as execuções sumárias dos personagens e uma disposição mental, comunicada ao espectador, que ultrapassa a psicose. Neste sentido, recupero as minhas próprias palavras acerca da assinatura deste cineasta tão novo e já tão peculiar: "apenas paira um sentimento de absurdo, para uns completamente gratuito e desnecessário, para outros (como eu) curioso, entretido e até humorístico de tão estranho." Vejam sem discrição e sem preconceitos.



The Tale of Nishino (2014) de Nami Iguchi: ***
Muitos são os filmes que pegam na imagem da mulher fatal para explorar o fenómeno da sedução, esse canto de sereia que tradicionalmente sempre conduz à desgraça dos afectos masculinos. Certos cineastas, como Buñuel, ramificaram este ideal em quase todos os seus filmes mas acrescentaram novas questões inquietantes pontualmente nas suas carreiras: e se o anjo exterminador não tivesse total consciência dos poderes eróticos que desencadeia nos outros? E se a sedução fosse endógena ao sedutor de maneira tal que a causalidade da sedução só pudesse ser feita através do olhar de quem é seduzido, como por magia, como se ambos, sedutor e seduzido, não tivessem escolha? E se a sedução representasse, assim, uma maldição para o sedutor que não se escapa jamais da sua natureza mesmo quando inocentemente deseja "amar"? Complicar a causalidade linear das acções e baralhar as cartas de um, muitas vezes, limitadíssimo behaviorismo cinematográfico reforça um cinema que prefere induzir interioridade através das dúvidas, tocando assim na complexidade do real. Nami Iguchi com o seu Don Giovanni revisitado pretende seguir o trilho de outros "realizadores masculinos", mas aplica todas as filmografias da mulher fatal ao universo masculino. Nishino não é um playboy que vangloria as suas conquistas (para si ou para a câmara - espectadores subentendidos), mas é um homem misterioso que não consegue parar de seduzir. O fascínio que emana naquelas que passam na sua vida nem sequer pode ser resumido através dos típicos chavões como "engate" ou "estilo". Só a dimensão genuína persiste e é essa que, retirando grandes responsabilidades, age inexplicavelmente e, por si só, gera a impressão fugaz do romantismo que sucumbe às recaídas eróticas, das paixões sem freio dessas mulheres que sempre acabam por se entregar e desistir após investimentos gratuitos e emoções afinal vazias. É claro que esta sondagem da sedução amoral - figurada em longas cenas e momentos que valem pelas interpretações e pelo clima natural que desprendem - deveria ter sido o único tema de Tale of Nishino que, a despeito da simbologia, infelizmente retoma a tendência hoje popular no cinema japonês (que poderia ter sido bastante mais enervante) de inserir um tema sobrenatural no meio de tanta rectidão quotidiana, o que resulta deslocado e artificial.



Tada’s Do-it-All House - Disconcerto (2014) de Tatsushi Ohmori: **
Três anos após o sucesso inesperado do primeiro filme, sucedido por uma série de televisão baseada também nos dois benriya (moços de recados ou literalmente solucionadores de problemas), Tada's Do-it-All House - Disconcerto apresenta-se, sem presunções, como um episódio de duas horas. Tatsushi Ohmori sabe que o encanto da sua película morna reside, não no brilhantismo cinematográfico, mas na relação idiossincrática dos dois amigos de infância, divorciados e solteiros, que executam todo o tipo de trabalhos dependendo da oferta: Tada (Eita), o bom rapaz que quase sempre faz as escolhas correctas e Gyoten (Ryuhei Matsuda), o sorumbático anti-social cujo comportamento é sempre imprevisível e misterioso. Quem não gostar remotamente dos dois actores e da atmosfera deadpan associada às suas prestações não perceberá como foi possível estes personagens terem ido tão longe e terem conquistado um público dedicado. Talvez a íntima ligação com a série no pequeno ecrã possa distanciar ainda mais os novatos e mesmo aqueles que só viram o primeiro filme, sendo que diversas personagens aparecem sem qualquer introdução, algo que não preocupará os que já as conhecem da televisão. No final, Disconcerto é inofensivo para aqueles que não apreciam o estilo e entretido para aqueles interessados nas extraordinárias qualidades dos seus dois actores.



Parasyte - Part 1 (2014) de Takashi Yamazaki: ***
Admirador do manga de Hitoshi Iwaaki desde novo, estranhamente não duvidei do potencial desta adaptação live-action como tantos outros fizeram, julgando-se donos do legado e conscientes da suposta conspurcação que aí vinha - não os culpo: o pessimismo não existe sem múltiplas desilusões. A razão do meu optimismo, todavia, soava ainda mais estranha porque a cinematografia de Takashi Yamazaki sempre me deixou, no mínimo, indiferente (acontece o mesmo com a sua aclamada trilogia Always Sunset on Third Street) ou um pouco maldisposto (como sucedeu em The Eternal Zero, película cujo esmagador sucesso comercial tornava a romantização histórica dos pilotos kamikaze socialmente preocupante) e, portanto, seria normal que também eu sentisse que Yamazaki não tinha mãos para tal empreitada. Ainda bem que confiei no meu instinto, pois Parasyte - Part 1 pode não ser uma obra-prima, mas é sem dúvida um dos thrillers japoneses mais eficazes dos últimos anos (MOTELx, estão a ouvir?). Para Yamazaki que, para os esquecidos, começou a sua carreira com duas longas sobre invasões alienígenas, viagens no tempo e quejandos da ficção científica, - em 2000, Juvenile, um híbrido Steven Spielberg-Fujiko Fujio para crianças e em 2002, Returner - o tema fantástico do manga de Hitoshi Iwaaki, em que pequenos parasitas roubam o corpo e a mente dos humanos, estava longe de lhe ser estranho. Esse respeito pela fonte aliado ao interesse pelos efeitos especiais (e Yamazaki sempre foi responsável por esse departamento nas suas películas) dão um muito satisfatório resultado, muito embora reconheçamos as limitações de um médio que condensa em menos tempo um que devia ser consumido de forma intervalada. Claro que Parasyte - Part 1 modifica alguns eventos da narrativa original, claro que o ritmo acelerado da narrativa assemelhasse muito mais a um blockbuster em que os momentos mais íntimos são diminuídos e algumas inconsistências subsistem, mas digam-me se não vibraram do princípio ao fim com a parceria, no mesmo corpo, entre Shinichi Izumi e Migi, esse parasita que se humanizou por não ter conseguido ocupar o cérebro e ter permanecido na mão do nosso protagonista, o local cuja indeterminação segundo a antropologia revela a caracterização do homem como ser marcado pela possibilidade? E é também no acto de desvendar possibilidades de confronto que encontramos todo o sentimento de perigo, até de horror, em Parasyte: a desumanização ameaçadora dos antagonistas é assinalável, mas também o sentimento de solidão de Izumi (como um super-herói, vítima de um acidente que lhe garantiu máximas responsabilidades) fazem-nos trocer por ele em todas as circunstâncias enquanto que a narrativa cresce e envolve cada vez mais personagens e meios. Tendo em conta que prefiro os primeiros volumes do manga que correspondem ao final desta primeira instalação, antevejo que a segunda parte, estreada no Japão no mês passado, possa incorrer nos perigos megalómanos do épico, onde se costuma perder o charme impagável do herói só contra todos em detrimento de "ir para todo o sítio", mas teremos de esperar algum tempo para confirmarmos, ou não, os nossos receios. Entretanto, não consigo disfarçar o contentamento com esta adaptação inteligente. Desfrutem-na e descubram o terrível medo da desumanização.

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