The Great White Tiger Platoon (1954) de Katsuhiko Tasaka: **
Para o filme de estreia de Raizo Ichikawa e Shintaro Katsu, dois actores tão marcantes que se tornariam, com o tempo, estrelas maiores da Daiei até à sua falência nos anos 70, escolheu-se o martírio histórico do Byakkotai, um pelotão de adolescentes, filhos de samurai, que lutou heroicamente do lado do Imperador na Guerra Civil de Boshin. Os jovens guerreiros cometeram harakiri quando, por engano, pensaram que o seu castelo ardia com as chamas do inimigo e a derrota estava assegurada. Este trágico acontecimento dá a Katsuhiko Tasaka (o irmão do mais conhecido Tomotaka Tasaka) a oportunidade de encenar, acima de tudo, um drama colectivo e militar em que cada personagem, como entidade isolada, sofre por falta de complexidade e caracterização. Há aqui bons momentos de realização (a dita cena final do harakiri colectivo e o pan que vai dos corpos até aos céus), mas essa formalidade não impede que, de todo em todo, The Great White Tiger Platoon seja uma competente mas banal dramatização de um relato histórico. Sem genialidades ou brilhantismos.
Blood of Revenge (1965) de Tai Kato: ****
Chris D. escreveu o seguinte sobre Blood of Revenge: "Kato restringe certos elementos histriónicos e acentua outros - ele tem o gosto, a intuição dramática e visual para criar um ritual cinemático sublime e transcendente a partir dos elementos mais banais." Shigehiko Hasumi, por seu lado, descrevia-o assim: "é o drama de um homem que viveu como yakuza e uma mulher que viveu como um ser humano." Como se pode antever, Blood of Revenge para muitos confirma a genialidade do cineasta que, por volta desta altura dominava como ninguém a gramática dos chanbaras e dos ninkyos, e que aqui mergulha (veja-se logo a magistral plongée nos créditos iniciais) numa história em tudo tradicional onde a honra masculina entra em conflicto com o poder erótico do amor, essa força esmagadora e vital introduzida pela personagem da prostituta. Como sabemos, os ninkyos produzidos pela Toei nos anos 60 construiram à sua volta um mundo mítico e maniqueísta de masculinidade onde os homens resolviam as querelas pela mão da espada ou da pistola, sempre forçados a recorrer à violência como a derradeira forma de justiça social e tribal. Pois bem, a intenção de Kato quando colocou a figura feminina diante desse mundo que sempre a encarou como objecto ou engodo, era a de incluir um romance reprimido e chegar à certeza que o mundo da honra está nos antípodas da relação entre homem e mulher (por exemplo, o primeiro dia em que os dois se amam coincide com a morte do chefe). É ainda o poder sugestivo dos planos exóticos de Kato que nos põe na pista da frustração afectiva deste yakuza que amou demais e vive num dilema complexo que tem de resolver (no plano do primeiro encontro, um candeeiro de rua parece sobrepor-se falicamente aos dois amantes como se o desejo estivesse sempre lá apesar das aparências). Os "low-angles" olham o mundo repressivo, fatalista e violento dos yakuza de baixo para cima, focando os pés, as pernas, os troncos e raramente as cabeças, como se o corpo do guerreiro fosse a única verdade e essa verdade fosse um mero automatismo. Aqui Kato joga com os conceitos de "dever" e "humanidade", mas a sua contenção e até economia dramática levam-no a reconsiderar silenciosamente as prioridades do género (a cena do assalto aos "maus" é bastante esclarecedora, quando o chefe é o primeiro a ser morto). Mas apesar dessa reconsideração, Kato é extremamente fiel à génese das convenções e Blood of Revenge é o caso mais gritante onde o espírito poético dos ninkyo subsiste com toda a sua intensidade e tragédia. Tragédia de desencontros, tragédia de se viver nos opostos.
Blood of Revenge (1965) de Tai Kato: ****
Chris D. escreveu o seguinte sobre Blood of Revenge: "Kato restringe certos elementos histriónicos e acentua outros - ele tem o gosto, a intuição dramática e visual para criar um ritual cinemático sublime e transcendente a partir dos elementos mais banais." Shigehiko Hasumi, por seu lado, descrevia-o assim: "é o drama de um homem que viveu como yakuza e uma mulher que viveu como um ser humano." Como se pode antever, Blood of Revenge para muitos confirma a genialidade do cineasta que, por volta desta altura dominava como ninguém a gramática dos chanbaras e dos ninkyos, e que aqui mergulha (veja-se logo a magistral plongée nos créditos iniciais) numa história em tudo tradicional onde a honra masculina entra em conflicto com o poder erótico do amor, essa força esmagadora e vital introduzida pela personagem da prostituta. Como sabemos, os ninkyos produzidos pela Toei nos anos 60 construiram à sua volta um mundo mítico e maniqueísta de masculinidade onde os homens resolviam as querelas pela mão da espada ou da pistola, sempre forçados a recorrer à violência como a derradeira forma de justiça social e tribal. Pois bem, a intenção de Kato quando colocou a figura feminina diante desse mundo que sempre a encarou como objecto ou engodo, era a de incluir um romance reprimido e chegar à certeza que o mundo da honra está nos antípodas da relação entre homem e mulher (por exemplo, o primeiro dia em que os dois se amam coincide com a morte do chefe). É ainda o poder sugestivo dos planos exóticos de Kato que nos põe na pista da frustração afectiva deste yakuza que amou demais e vive num dilema complexo que tem de resolver (no plano do primeiro encontro, um candeeiro de rua parece sobrepor-se falicamente aos dois amantes como se o desejo estivesse sempre lá apesar das aparências). Os "low-angles" olham o mundo repressivo, fatalista e violento dos yakuza de baixo para cima, focando os pés, as pernas, os troncos e raramente as cabeças, como se o corpo do guerreiro fosse a única verdade e essa verdade fosse um mero automatismo. Aqui Kato joga com os conceitos de "dever" e "humanidade", mas a sua contenção e até economia dramática levam-no a reconsiderar silenciosamente as prioridades do género (a cena do assalto aos "maus" é bastante esclarecedora, quando o chefe é o primeiro a ser morto). Mas apesar dessa reconsideração, Kato é extremamente fiel à génese das convenções e Blood of Revenge é o caso mais gritante onde o espírito poético dos ninkyo subsiste com toda a sua intensidade e tragédia. Tragédia de desencontros, tragédia de se viver nos opostos.
Tenchi - The Samurai Astronomer (2012) de Yojiro Takita: *
Karl Popper escreveu o seguinte em Conjectures and Refutations: "Um dos ingredientes mais importantes da civilização ocidental é o que poderia chamar de tradição racionalista, que herdamos dos gregos: a tradição do livre debate - não a discussão por ela mesma, mas na busca da verdade. A ciência e a filosofia helénicas foram produtos dessa tradição, do esforço para compreender o mundo em que vivemos; e a tradição estabelecida por Galileu correspondeu ao seu renascimento." Serve isto para introduzir a mais recente proposta de Yojiro Takita, o tal que ganhou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro com Departures e que com esta história ficcionada do primeiro astrónomo japonês, Yasui Santetsu (1639-1715), pretende aproximar a tão ocidental sensibilidade racionalista (o questionamento da realidade por via da observação e da conjectura que refuta ensinamentos adquiridos) ao universo japonês. Podemos dizer que, a despeito das suas fórmulas comerciais (e Takita tornou-se infelizmente um realizador demasiado preso a convenções, um realizador apagado), The Samurai Astronomer encena o percurso resiliente de um cientista tentando fazer valer a verdade, tentando torná-la pública, quando esta, para ser aceite teria de ser aprovada por instâncias oficiais que encontram entraves por razões políticas (alheias à discussão racional). Em causa está uma mudança de calendários solares levada a cabo pela observação minuciosa de Santetsu, também conhecido jogador de Go e matemático. Os paralelismos com o caso Galileu devem ter sido intencionais e provavelmente são resultado de uma interpretação aberta daquilo que realmente se passou. Takita não quer fazer um filme histórico em sentido estrito, mas quer casar, na sua imaginação e na dos espectadores, a busca pela verdade com o bushido, isto é, a circunstância do personagem estar disposto a sacrificar a própria vida para defendê-la. Nesse sentido, The Samurai Astronomer põe a verdade a jogo, sendo que o prejuízo final é a própria vida de quem refuta as teorias mais antigas e proclama uma revisão e revolução no sistema. O final, mais entusiasta e idílico do que era esperado se considerarmos os que corajosamente defenderam as suas teorias e morreram mártires, prova um certo optimismo e denuncia o estado de espírito do realizador. Quer fazer pensar sem causar mossa. Quer admirar heróis sem causar real inquietação em quem admira.
And the Mud Ship Sails Away (2013) de Hirobumi Watanabe: **
Lust of Angels (2014) de Nagisa Isogai: **
Através de um projecto de crowdfunding, a distribuidora inglesa Third Window Films conseguiu trazer para o mercado ocidental uma rara proposta. Trata-se de um DVD ambicioso que compila os trabalhos de três jovens promessas japonesas (dois realizadores e uma realizadora) e que conta com uma longa-metragem (And the Mud Ship Sails Away), uma média (Lust of Angels) e duas curtas (My Baby e Buy Bling, Get One Free). Os filmes diferem bastante uns dos outros, quer temática, quer estilisticamente e só o espírito independente os une. Se Buy Bling, Get One Free de Kosuke Takaya demonstra apetências absurdas inspiradas na comédia bizarra que tantas e tantas vezes caricatura certos vícios e tendências culturais (no caso, o visado é o mundo da moda), já And the Mud Ship Sails Away envereda muito mais pelo humor lento e deadpan baseado na extravagância silenciosa de um personagem que aos 36 anos ainda vive com a avó e recusa-se peremptoriamente a trabalhar e a levar uma vida adulta, mesmo quando uma irmã bastarda toca à sua porta e tenta mudá-lo. Hirobumi Watanabe neste filme vai ao encontro da maior parte dos lugares comuns da estética indie (uma economia dos meios e dos planos, um aglomerado de situações que não têm necessariamente de levar a uma conclusão lógica, mudanças rápidas de tom), mas o seu anti-protagonista, interpretado pelo único actor profissional Kiyohiko Shibukawa, é um especialista em criar situações completamente tresloucadas a despeito da contenção formal da película (cada cena resume-se a um take). Aquela que, no entanto, mais se distancia destes dois cineastas é Nagisa Isogai, que transmite nos dois filmes uma visceralidade imprópria desta nova geração de realizadores. No ainda muito amador My Baby e, certamente, em Lust of Angels estão lançados os pressupostos de uma obra futura, reminiscente dos primeiros filmes de Yuki Tanada, capaz de transfigurar as personagens femininas em verdadeiros autos de revolta sexual e revirar quer o mundo masculino, quer os conceitos femininos (como maternidade) que as aprisionam. Pena que as limitações de orçamento condicionem a virulência de Lust of Angels, a história de um grupo de estudantes que caça e pune homens que as assediam no comboio, mas seria injusto omitir que a energia contagiante da proposta e a inspiração por um cinema mais transgressivo e que tem vindo a ser infelizmente abandonado me surpreendeu agradavelmente.
Kiki's Delivery Service (2014) de Takashi Shimizu: *
Takashi Shimizu, realizador cujo trabalho até agora recaía exclusivamente no J-Horror e que criou entre outras coisas a popular saga The Grudge, tem com Kiki's Delivery Service a sua primeira straight story, sem quaisquer sustos, maldições ou fantasmas. O que surpreende mais, no entanto, é a escolha do material: não pelo facto de ser uma adaptação dos dois primeiros romances da escritora infantil Eiko Kadono, mas por funcionar como um remake em imagem real do famigerado e homónimo sucesso de Hayao Miyazaki, o seu verdadeiro e primeiro sucesso comercial. Podemos argumentar que Shimizu quis capturar a essência dos romances originais (pelo que sei, a Ghibli não foi tida nem achada durante todo o processo) mas essas boas intenções escondem a vontade de querer repetir (ou pelo menos aproveitar) o culto em torno da pequena feiticeira que abre um negócio de serviços de entrega aérea para ocupar o seu ano de aprendizagem longe de casa. Obviamente, o filme peca por ser uma pálida imitação do seu predecessor animado, roubando toda a beleza dos cenários exoticamente ocidentais tão característicos da Ghibli e de Miyazaki e usando personagens que estão tão dependentes daquilo que eram no original que não passam, aos nossos olhos, de imitações incompletas e carnavalescas. A estreante Fuka Koshiba nem dá uma Kiki assim tão má (é talvez mais adolescente do que a outra e conserva algumas das suas qualidades), mas continua a ser uma interpretação mais fraca do que a Kiki de Miyazaki. Outro factor terrível, que mais uma vez comprova a falta de cabimento em tornar real o mundo imaculado da animação, é o CGI deplorável que torna lentos e falsos os voos de vassoura e artificiais e feias outras criaturas como um hipopótamo bebé e inclusive Jiji, o companheiro felino da bruxa, aqui quase despido de personalidade. Se o filme de Miyazaki tratava também o crescimento e o fim de uma primeira idade, simbolizado pela vassoura que deixava de voar; na versão de Takashi Shimizu esse mesmo facto parece estar circunscrito à não aceitação da feiticeira pela comunidade humana, o que comprova uma certa simplificação de um argumento já de si simples. Nesta nova versão, não há nada equiparável ou superior à outra e tudo aquilo que há de diferente não devia existir.
Trick The Movie - Last Stage (2014) de Yukihiko Tsutsumi: 0
Bastante popular no Japão (provam-no as três séries televisivas, os três episódios especiais e os três filmes realizados por Tsutsumi), a essência da saga Trick consiste na seguinte premissa: e se um génio da física e uma mágica de segunda andassem a desmascarar todos aqueles "privilegiados" que dizem ter poderes especiais e que os executam para além de qualquer explicação racional? Este, que é o quarto filme (e talvez o último) da saga repete os maneirismos dos últimos capítulos e cinematograficamente parece mesmo ser um episódio de televisão estendido, apressado e sem qualquer aprumo ou qualidade estética. Last Stage, à semelhança da trilogia, aposta várias vezes no humor (mas num humor mais televisivo e claramente de referência cultural), o que antes fazia aproximar-nos bastante das personagens mas que aqui se encontra algo gasto e acaba por ser mais do mesmo. Até a medium adversária, uma xamã estrangeira que amaldiçoa uma das pessoas que contacta primeiramente a dupla, não é tão interessante como outros rivais mais difíceis de desmascarar e bastante mais argumentativos e desafiadores. O interesse dos Trick era perceber, com boa disposição e inteligência, que toda a surpresa que o oculto e o sobrenatural nos podem suscitar não é mais do que um truque de ilusionismo. Mas mesmo assim, aqui Tsutsumi tenta suspender esse cepticismo crítico dos personagens, encenando até um falso desaparecimento da protagonista cujo desenlace é tão previsível e piegas que só mesmo um admirador incondicional pode apreciar. Fraco.
Crows: Explode (2014) de Toshiaki Toyoda: *
Toshiaki Toyoda é um dos grandes talentos da sua geração, não haja dúvida! Afirmo isto desde que choquei de frente com um pequeno, mas exímio, filme chamado Blue Spring. Ano após ano, o seu génio manifestava-se e progredia aquilo que cheguei a classificar como a junção perfeita da ética zen com a estética abrasiva, intolerável e irascível do punk rock. A verdade é que, depois de um interregno forçado devido à detenção e prisão por posse de drogas ilegais, a carreira de Toyoda deixou-se andar por caminhos incertos e os seus três últimos filmes (The Blood of Rebirth, Monsters Club e I'm Flash) representavam, certamente, uma busca pela voz perdida e o recuperar de velhas obsessões. Longe de estar enferrujado (apesar dessa trilogia ter sido recebida friamente) a escolha de continuar os dois filmes de Takashi Miike (Crows Zero e Crows Zero II) para o seu próximo projecto parecia deveras questionável. Primeiro, os filmes de Miike eram composições exageradas, boçais sobre amizades masculinas em guerras escolares que mais pareciam encenações cartoonescas de violência do que outra coisa. Se a estética era obviamente manga (desde a maneira como cada personagem era apresentada até à extremada mas irreal agressividade), ela pertencia a um género específico desse imaginário. Também Toyoda com Blue Spring tinha adaptado um manga, mas a forma de encarar os mesmos assuntos (jovens, violência nas escolas, amizades defraudadas) mesmo sendo chocantemente cruel, revestia-se de significado e nada parecia estar ao acaso. Nada era gratuito e tudo desembocava num pathos o mais comovente e rigoroso possível. Esta é a pergunta: como é que Toyoda conseguiu superar, ou mesmo alterar, o material original, se os filmes de Miike empestaram uma certa maneira de fazer filmes sobre jovens delinquentes? Reduz grande parte da violência irrealista, pois deixaram-se as armas e cada soco parece doer mais, e apoia-se muito nos diálogos, talvez para contrariar os capítulos anteriores, mais directos e straight to the point. Podemos dizer que Toyoda está amarrado: quer distanciar-se um pouco das hipérboles miikianas, mantêm ainda muitos dos risíveis pressupostos narrativos (isto são mesmo estudantes do secundário ou onde estão os professores e os adultos?) mas raramente demonstra o brilhantismo zen-punk que sempre o caracterizou. Sim, há cenas rockeiras que pontuam energeticamente as cenas de acção, mas elas não transmitem grande profundidade (temática ou formal) como acontecia antes. Os personagens (tirando os flashbacks que iluminam o passado dos dois antagonistas principais) também são lugares comuns ambulantes e impedem o reconhecimento, devido principalmente à maneira fria e provocatória como se comportam. Crows: Explode dá a sensação de ser o primeiro filme dirigido por Toyoda em que a palavra trabalho está mais presente. Tirando um ou outro momento, não se faz mais nada do que a sua obrigação. E isso não chega.
And the Mud Ship Sails Away (2013) de Hirobumi Watanabe: **
Lust of Angels (2014) de Nagisa Isogai: **
Através de um projecto de crowdfunding, a distribuidora inglesa Third Window Films conseguiu trazer para o mercado ocidental uma rara proposta. Trata-se de um DVD ambicioso que compila os trabalhos de três jovens promessas japonesas (dois realizadores e uma realizadora) e que conta com uma longa-metragem (And the Mud Ship Sails Away), uma média (Lust of Angels) e duas curtas (My Baby e Buy Bling, Get One Free). Os filmes diferem bastante uns dos outros, quer temática, quer estilisticamente e só o espírito independente os une. Se Buy Bling, Get One Free de Kosuke Takaya demonstra apetências absurdas inspiradas na comédia bizarra que tantas e tantas vezes caricatura certos vícios e tendências culturais (no caso, o visado é o mundo da moda), já And the Mud Ship Sails Away envereda muito mais pelo humor lento e deadpan baseado na extravagância silenciosa de um personagem que aos 36 anos ainda vive com a avó e recusa-se peremptoriamente a trabalhar e a levar uma vida adulta, mesmo quando uma irmã bastarda toca à sua porta e tenta mudá-lo. Hirobumi Watanabe neste filme vai ao encontro da maior parte dos lugares comuns da estética indie (uma economia dos meios e dos planos, um aglomerado de situações que não têm necessariamente de levar a uma conclusão lógica, mudanças rápidas de tom), mas o seu anti-protagonista, interpretado pelo único actor profissional Kiyohiko Shibukawa, é um especialista em criar situações completamente tresloucadas a despeito da contenção formal da película (cada cena resume-se a um take). Aquela que, no entanto, mais se distancia destes dois cineastas é Nagisa Isogai, que transmite nos dois filmes uma visceralidade imprópria desta nova geração de realizadores. No ainda muito amador My Baby e, certamente, em Lust of Angels estão lançados os pressupostos de uma obra futura, reminiscente dos primeiros filmes de Yuki Tanada, capaz de transfigurar as personagens femininas em verdadeiros autos de revolta sexual e revirar quer o mundo masculino, quer os conceitos femininos (como maternidade) que as aprisionam. Pena que as limitações de orçamento condicionem a virulência de Lust of Angels, a história de um grupo de estudantes que caça e pune homens que as assediam no comboio, mas seria injusto omitir que a energia contagiante da proposta e a inspiração por um cinema mais transgressivo e que tem vindo a ser infelizmente abandonado me surpreendeu agradavelmente.
Kiki's Delivery Service (2014) de Takashi Shimizu: *
Takashi Shimizu, realizador cujo trabalho até agora recaía exclusivamente no J-Horror e que criou entre outras coisas a popular saga The Grudge, tem com Kiki's Delivery Service a sua primeira straight story, sem quaisquer sustos, maldições ou fantasmas. O que surpreende mais, no entanto, é a escolha do material: não pelo facto de ser uma adaptação dos dois primeiros romances da escritora infantil Eiko Kadono, mas por funcionar como um remake em imagem real do famigerado e homónimo sucesso de Hayao Miyazaki, o seu verdadeiro e primeiro sucesso comercial. Podemos argumentar que Shimizu quis capturar a essência dos romances originais (pelo que sei, a Ghibli não foi tida nem achada durante todo o processo) mas essas boas intenções escondem a vontade de querer repetir (ou pelo menos aproveitar) o culto em torno da pequena feiticeira que abre um negócio de serviços de entrega aérea para ocupar o seu ano de aprendizagem longe de casa. Obviamente, o filme peca por ser uma pálida imitação do seu predecessor animado, roubando toda a beleza dos cenários exoticamente ocidentais tão característicos da Ghibli e de Miyazaki e usando personagens que estão tão dependentes daquilo que eram no original que não passam, aos nossos olhos, de imitações incompletas e carnavalescas. A estreante Fuka Koshiba nem dá uma Kiki assim tão má (é talvez mais adolescente do que a outra e conserva algumas das suas qualidades), mas continua a ser uma interpretação mais fraca do que a Kiki de Miyazaki. Outro factor terrível, que mais uma vez comprova a falta de cabimento em tornar real o mundo imaculado da animação, é o CGI deplorável que torna lentos e falsos os voos de vassoura e artificiais e feias outras criaturas como um hipopótamo bebé e inclusive Jiji, o companheiro felino da bruxa, aqui quase despido de personalidade. Se o filme de Miyazaki tratava também o crescimento e o fim de uma primeira idade, simbolizado pela vassoura que deixava de voar; na versão de Takashi Shimizu esse mesmo facto parece estar circunscrito à não aceitação da feiticeira pela comunidade humana, o que comprova uma certa simplificação de um argumento já de si simples. Nesta nova versão, não há nada equiparável ou superior à outra e tudo aquilo que há de diferente não devia existir.
Trick The Movie - Last Stage (2014) de Yukihiko Tsutsumi: 0
Bastante popular no Japão (provam-no as três séries televisivas, os três episódios especiais e os três filmes realizados por Tsutsumi), a essência da saga Trick consiste na seguinte premissa: e se um génio da física e uma mágica de segunda andassem a desmascarar todos aqueles "privilegiados" que dizem ter poderes especiais e que os executam para além de qualquer explicação racional? Este, que é o quarto filme (e talvez o último) da saga repete os maneirismos dos últimos capítulos e cinematograficamente parece mesmo ser um episódio de televisão estendido, apressado e sem qualquer aprumo ou qualidade estética. Last Stage, à semelhança da trilogia, aposta várias vezes no humor (mas num humor mais televisivo e claramente de referência cultural), o que antes fazia aproximar-nos bastante das personagens mas que aqui se encontra algo gasto e acaba por ser mais do mesmo. Até a medium adversária, uma xamã estrangeira que amaldiçoa uma das pessoas que contacta primeiramente a dupla, não é tão interessante como outros rivais mais difíceis de desmascarar e bastante mais argumentativos e desafiadores. O interesse dos Trick era perceber, com boa disposição e inteligência, que toda a surpresa que o oculto e o sobrenatural nos podem suscitar não é mais do que um truque de ilusionismo. Mas mesmo assim, aqui Tsutsumi tenta suspender esse cepticismo crítico dos personagens, encenando até um falso desaparecimento da protagonista cujo desenlace é tão previsível e piegas que só mesmo um admirador incondicional pode apreciar. Fraco.
Crows: Explode (2014) de Toshiaki Toyoda: *
Toshiaki Toyoda é um dos grandes talentos da sua geração, não haja dúvida! Afirmo isto desde que choquei de frente com um pequeno, mas exímio, filme chamado Blue Spring. Ano após ano, o seu génio manifestava-se e progredia aquilo que cheguei a classificar como a junção perfeita da ética zen com a estética abrasiva, intolerável e irascível do punk rock. A verdade é que, depois de um interregno forçado devido à detenção e prisão por posse de drogas ilegais, a carreira de Toyoda deixou-se andar por caminhos incertos e os seus três últimos filmes (The Blood of Rebirth, Monsters Club e I'm Flash) representavam, certamente, uma busca pela voz perdida e o recuperar de velhas obsessões. Longe de estar enferrujado (apesar dessa trilogia ter sido recebida friamente) a escolha de continuar os dois filmes de Takashi Miike (Crows Zero e Crows Zero II) para o seu próximo projecto parecia deveras questionável. Primeiro, os filmes de Miike eram composições exageradas, boçais sobre amizades masculinas em guerras escolares que mais pareciam encenações cartoonescas de violência do que outra coisa. Se a estética era obviamente manga (desde a maneira como cada personagem era apresentada até à extremada mas irreal agressividade), ela pertencia a um género específico desse imaginário. Também Toyoda com Blue Spring tinha adaptado um manga, mas a forma de encarar os mesmos assuntos (jovens, violência nas escolas, amizades defraudadas) mesmo sendo chocantemente cruel, revestia-se de significado e nada parecia estar ao acaso. Nada era gratuito e tudo desembocava num pathos o mais comovente e rigoroso possível. Esta é a pergunta: como é que Toyoda conseguiu superar, ou mesmo alterar, o material original, se os filmes de Miike empestaram uma certa maneira de fazer filmes sobre jovens delinquentes? Reduz grande parte da violência irrealista, pois deixaram-se as armas e cada soco parece doer mais, e apoia-se muito nos diálogos, talvez para contrariar os capítulos anteriores, mais directos e straight to the point. Podemos dizer que Toyoda está amarrado: quer distanciar-se um pouco das hipérboles miikianas, mantêm ainda muitos dos risíveis pressupostos narrativos (isto são mesmo estudantes do secundário ou onde estão os professores e os adultos?) mas raramente demonstra o brilhantismo zen-punk que sempre o caracterizou. Sim, há cenas rockeiras que pontuam energeticamente as cenas de acção, mas elas não transmitem grande profundidade (temática ou formal) como acontecia antes. Os personagens (tirando os flashbacks que iluminam o passado dos dois antagonistas principais) também são lugares comuns ambulantes e impedem o reconhecimento, devido principalmente à maneira fria e provocatória como se comportam. Crows: Explode dá a sensação de ser o primeiro filme dirigido por Toyoda em que a palavra trabalho está mais presente. Tirando um ou outro momento, não se faz mais nada do que a sua obrigação. E isso não chega.
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