Tadao regressa de Tóquio para a sua terra natal. Cabisbaixo e derrotado, no caminho para casa leva às suas costas uma tempestade que alaga os terrenos agrícolas e uma trovoada negra que electrifica algumas pobres árvores em seu redor. Podíamos dizer que estes fenómenos climatéricos (assim como a misteriosa visão de uma mota descontrolada a descer por uma ravina) são um prenúncio do estado de espírito algo obscuro e incendiário do nosso protagonista: calado e discreto, Tadao parece possuir também um sentido de justiça deveras inquebrável. Afasta-se das mulheres e da sexualidade sempre debaixo do seu nariz, dá a maior parte do ordenado à sua mãe afogada em sacrifícios e, comparando com o seu amigo Tetsuji, demonstra pudor e uma rigidez moral notável. Portanto, não podemos esquecer que logo no início somos informados da captura de Tadao pela polícia, o que faz de At Noon mais uma produção ATG com jovens criminosos (e há tantos outros exemplos de destaque: Youth Killer de Kazuhiko Hasegawa, Third Base de Yoichi Higachi, Tattoo de Banmei Takahashi, etc, etc.). Contado a partir do final, At Noon é também um exercício de indagação pelas possíveis causas do crime e de como, tragicamente, quem pende mais para a moralidade é aquele que sucumbirá à ebulição da violência, verdadeira libertação animalesca de tensões escondidas e, poderíamos dizer, inevitáveis (dado a idade e, principalmente, a teimosia da contenção). Koichi Goto, que foi o assistente de realização de Kazuo Kuroki em Evil Spirits of Japan e The Assassination of Ryoma, filma arrojadamente as contradições do jovem Tadao, encurralado entre a timidez ética e as fantasias e paixões sexuais que o assaltam. Esta necessidade carnal confusa, tão inocente e não concretizável, torna-se ainda mais melancólica, quando vemos, a cada esquina, possibilidades diferentes para o destino do nosso protagonista (voltar para Tóquio, ficar com a mulher mais velha), tornado, no final do dia, anti-herói numa das cenas de violação mais directas e chocantes de que temos memória. Tadao não pode sair desta asfixia: não pode escapar indefinidamente como fazia Jun de Youth Killer, nem tão pouco exorcizar os fantasmas do passado como fazia o jovem recluso em Third Base. Há que carregar a fatalidade. Como a tempestade brutal, como o sol incandescente que queima os olhos.
The Strangling (1979) de Kaneto Shindo: ***
Na última (de três) produções Art Theatre Guild encontramos um Kaneto Shindo bastante desencantado, com uma frieza cruel e desoladora nunca antes vista em toda a sua carreira e certamente nunca mais repetida. Há em The Strangling um clima opressivo e castrador que denuncia uma sociedade altamente competitiva, governada por "adultos hipócritas" que impedem os jovens de ser jovens, levando-os a cometer actos de revolta, neuroses de violência descontrolada ou mesmo actos solenes de auto-destruição. Talvez a inspiração pelo espírito contestatário da ATG tenha levado Shindo a adoptar tardiamente esta postura afectada que nunca receia enveredar por caminhos altamente polémicos, minando completamente a hierarquia familiar e dedicando a quase todos os personagens um caminho anárquico onde a destruição é a única coisa que os une. A figura paterna, associada intimamente à hipocrisia adulta que anteriormente falava, está nos antípodas do espírito benevolente da mãe, essa interpretada pela habitual Nobuko Otowa (aqui com um papel dificílimo: entre o autismo e a indulgência, entre a castidade e uma sexualidade desconfortável). Shindo retoma as obsessões edipianas da geração de Imamura ou Oshima, mas associa-as não a uma determinação básica do instinto ou a secretas pulsões que organizam silenciosamente os humanos, mas à vingança e ódio do filho pelo espírito exploratório e falsamente autoritário do pai. Essa repugnância pelos homens é outro factor que torna a atmosfera de The Strangling ainda mais pesada e fúnebre como se condenasse toda uma cultura onde a figura paterna é central e inquestionável. De uma só vez, são homens que cercam e atormentam o jovem protagonista (o professor competitivo, o dono da empresa que viola a filha adoptiva, o pai despótico e intransigente) e só as mulheres, sempre vítimas dos homens, o "salvam" (a colega abusada que o ama na neve - como se estivesse crucificada nos seus braços - e a mãe). Neste inferno doméstico sem saída que transcende as quatro paredes da casa (não obstante, passamos tanto tempo "fechados" em quartos e em salas como já acontecia em The Heart) só nos resta assistir ao desmoronamento - e à queda das escadas, como no plano final - desta família, que Shindo nos quer fazer acreditar, poderia ser qualquer família japonesa.
The Strangling (1979) de Kaneto Shindo: ***
Na última (de três) produções Art Theatre Guild encontramos um Kaneto Shindo bastante desencantado, com uma frieza cruel e desoladora nunca antes vista em toda a sua carreira e certamente nunca mais repetida. Há em The Strangling um clima opressivo e castrador que denuncia uma sociedade altamente competitiva, governada por "adultos hipócritas" que impedem os jovens de ser jovens, levando-os a cometer actos de revolta, neuroses de violência descontrolada ou mesmo actos solenes de auto-destruição. Talvez a inspiração pelo espírito contestatário da ATG tenha levado Shindo a adoptar tardiamente esta postura afectada que nunca receia enveredar por caminhos altamente polémicos, minando completamente a hierarquia familiar e dedicando a quase todos os personagens um caminho anárquico onde a destruição é a única coisa que os une. A figura paterna, associada intimamente à hipocrisia adulta que anteriormente falava, está nos antípodas do espírito benevolente da mãe, essa interpretada pela habitual Nobuko Otowa (aqui com um papel dificílimo: entre o autismo e a indulgência, entre a castidade e uma sexualidade desconfortável). Shindo retoma as obsessões edipianas da geração de Imamura ou Oshima, mas associa-as não a uma determinação básica do instinto ou a secretas pulsões que organizam silenciosamente os humanos, mas à vingança e ódio do filho pelo espírito exploratório e falsamente autoritário do pai. Essa repugnância pelos homens é outro factor que torna a atmosfera de The Strangling ainda mais pesada e fúnebre como se condenasse toda uma cultura onde a figura paterna é central e inquestionável. De uma só vez, são homens que cercam e atormentam o jovem protagonista (o professor competitivo, o dono da empresa que viola a filha adoptiva, o pai despótico e intransigente) e só as mulheres, sempre vítimas dos homens, o "salvam" (a colega abusada que o ama na neve - como se estivesse crucificada nos seus braços - e a mãe). Neste inferno doméstico sem saída que transcende as quatro paredes da casa (não obstante, passamos tanto tempo "fechados" em quartos e em salas como já acontecia em The Heart) só nos resta assistir ao desmoronamento - e à queda das escadas, como no plano final - desta família, que Shindo nos quer fazer acreditar, poderia ser qualquer família japonesa.
Then Summer Came (2008) de Ryo Iwamatsu: **
O prolífico actor Ryo Iwamatsu já tinha feito tentativas esporádicas na realização mas Then Summer Came afigura-se como a sua empreitada mais singular, aquela em que a seriedade se mistura com a comédia mais discreta e familiar. Traduzido literalmente por "A Felicidade de Tamio", o filme descreve sobretudo a relação do circunspecto Tamio com o seu pai, Nobuo, um velho viúvo e excêntrico que deseja arranjar uma pretendente para o seu filho. Os dois vivem sozinhos e a idade de ambos começa a pesar: a transferência de papéis de uma geração para a outra ecoa obviamente os dramas familiares de Ozu, mas aqui Iwamatsu cria alguns desvios narrativos (a história do tio desaparecido e das reuniões secretas em casa é, claramente, desnecessária e pareceu-me descabida) que tanto têm um papel cómico como revelam um certo desconforto que contradiz a aceitação presente nesse cinema mais clássico. Se algumas cenas poderiam ter sido cortadas a bem de um ritmo mais equilibrado, Iwamatsu consegue terminar a sua história de forma bem complexa e poética com a cena contemplativa e humorística do casamento falhado e da sucessiva procura pelo fantasma da mãe no meio das ervas gigantes. Filmar a renúncia, fugir da "aceitação" que tão bem caracteriza este género de películas quotidianas, parece uma tomada de posição corajosa e pertinente que concede uma nova camada de sentido à relação insólita mas terna entre pai e filho. Não chega aceitar os mandamentos sociais para se ser feliz, é preciso procurar noutro lado.
About the Pink Sky (2011) de Keiichi Kobayashi: **
Amado por alguns, odiado por muitos e aclamado no circuito dos festivais, About the Pink Sky é um verdadeiro barómetro do cinema independente (japonês e não só). Em variados aspectos, parece fornecer a caricatura mais vazia das pretensões formais indie, mas, ao mesmo tempo, consegue provar que um estilo diferente e extravagante tem o seu cabimento e oferece novas perspectivas e maneiras de representar o mundano. As "pretensões" resumem-se, mais ao menos, à seguinte crença: quanto menos dramático, mais íntimo. É por causa disso que Keiichi Kobayashi, digerindo e replicando certos ensinamentos que porventura retirou da Nouvelle Vague, acredita que qualquer detalhe insignificante, qualquer peripécia vulgar pode ser contada independentemente dos mecanismos e dispositivos cinematográficos. A lentidão (que parece advir da existência remota de uma estrutura narrativa com três actos) parece ser defendida na medida em que criamos uma proximidade mais imediata e não mediada por algo que transcende as personagens: um propósito, uma mensagem. Alguém disse que "a peculiaridade cria personalidade" e esse é precisamente o ponto alto de About the Pink Sky, filme completamente voltado para as suas personagens. As peripécias das três amigas, que arranjam problemas monetários e criam um jornal onde apenas notícias boas são publicadas para apaziguar o credor, são colagens de momentos mais ou menos cómicos onde as idiossincrasias vêm à tona como bolhas de sabão que rompem à superfície da água. O humor é discreto, mas está lá. Confunde-se histericamente com o carácter dos personagens, e é tão quotidiano que se torna, para os menos atentos, invisível. Neste sentido, a novata Ai Ikeda que interpreta a castiça Izumi protagoniza momentos em que rir se torna obrigatório graças à sua postura desleixada, masculina e extravagante quando confrontada com pequenos problemas. Tirando isto, o filme de Kobayashi perde-se em termos de conteúdo, estendendo-se em demasia (tanto no tempo de cada take, como na duração final) e filmando, muitas vezes, coisa nenhuma. A fotografia a preto-e-branco, usada exclusivamente como adorno, manifesta um certo saudosismo justificado, visto que, mesmo que não se passe grande coisa, é bonito olhar para os espaços e personagens de About the Pink Sky.
Life Back Then (2011) de Takahisa Zeze: 0
Este falhanço de Takahisa Zeze poderia ter funcionado muito melhor se não fosse filmado e apenas fizesse parte do mundo das ideias. Life Back Then propõe tratar tantas coisas que não tem tempo para cuidar bem de nenhuma: não passa de um filme exaustivo, irritante e sensacionalista. Kyohei e Yuki lidam diariamente com as réstias dos mortos e com as "mortes" (figuradas e reais) do passado, mas não basta exasperar o espectador com relatos de sofrimento para imediatamente aderirmos às situações como se fossem nossas ou nos apegarmos aos personagens que, fora das suas angústias tão demoradamente exploradas, nada têm de admirável ou cativante. Takahisa Zeze parece querer insuflar o seu mundo com uma bolha depressiva para atingir um grau de complexidade "zen" qualquer, traduzindo em diálogos pouco ou nada inspirados como "morremos sempre sozinhos", um forçoso e barato sentimento de melancolia e iluminação. A maneira como constrói a narrativa é também irritantemente hiperactiva, já que vamos de flashback em flashback percebendo o pano de fundo de Kyohei enquanto este conhece Yuki, perde-lhe o rasto, visita mais casas de outros falecidos, reencontra Yuki e volta a perdê-la numa cena fraquíssima, insuficiente e que não tem nem merece justificação. Quererá Zeze dizer, com pompa e circunstância, que a vida e a morte são coisas muito efémeras ou quererá, outra vez de forma abertamente sensacionalista, infligir dor no seu protagonista com esperanças de que nos preocupemos com o absurdo da perda de mais um ente querido? Depois de tantos desvios e da incapacidade de conceber personagens marcantes, não vemos aqui nada a não ser a passagem dolorosa e apressada de um realizador marginal a aspirações mais toscas e "comerciais".
I Have To Buy New Shoes (2012) de Eriko Kitagawa: **
About the Pink Sky (2011) de Keiichi Kobayashi: **
Amado por alguns, odiado por muitos e aclamado no circuito dos festivais, About the Pink Sky é um verdadeiro barómetro do cinema independente (japonês e não só). Em variados aspectos, parece fornecer a caricatura mais vazia das pretensões formais indie, mas, ao mesmo tempo, consegue provar que um estilo diferente e extravagante tem o seu cabimento e oferece novas perspectivas e maneiras de representar o mundano. As "pretensões" resumem-se, mais ao menos, à seguinte crença: quanto menos dramático, mais íntimo. É por causa disso que Keiichi Kobayashi, digerindo e replicando certos ensinamentos que porventura retirou da Nouvelle Vague, acredita que qualquer detalhe insignificante, qualquer peripécia vulgar pode ser contada independentemente dos mecanismos e dispositivos cinematográficos. A lentidão (que parece advir da existência remota de uma estrutura narrativa com três actos) parece ser defendida na medida em que criamos uma proximidade mais imediata e não mediada por algo que transcende as personagens: um propósito, uma mensagem. Alguém disse que "a peculiaridade cria personalidade" e esse é precisamente o ponto alto de About the Pink Sky, filme completamente voltado para as suas personagens. As peripécias das três amigas, que arranjam problemas monetários e criam um jornal onde apenas notícias boas são publicadas para apaziguar o credor, são colagens de momentos mais ou menos cómicos onde as idiossincrasias vêm à tona como bolhas de sabão que rompem à superfície da água. O humor é discreto, mas está lá. Confunde-se histericamente com o carácter dos personagens, e é tão quotidiano que se torna, para os menos atentos, invisível. Neste sentido, a novata Ai Ikeda que interpreta a castiça Izumi protagoniza momentos em que rir se torna obrigatório graças à sua postura desleixada, masculina e extravagante quando confrontada com pequenos problemas. Tirando isto, o filme de Kobayashi perde-se em termos de conteúdo, estendendo-se em demasia (tanto no tempo de cada take, como na duração final) e filmando, muitas vezes, coisa nenhuma. A fotografia a preto-e-branco, usada exclusivamente como adorno, manifesta um certo saudosismo justificado, visto que, mesmo que não se passe grande coisa, é bonito olhar para os espaços e personagens de About the Pink Sky.
Life Back Then (2011) de Takahisa Zeze: 0
Este falhanço de Takahisa Zeze poderia ter funcionado muito melhor se não fosse filmado e apenas fizesse parte do mundo das ideias. Life Back Then propõe tratar tantas coisas que não tem tempo para cuidar bem de nenhuma: não passa de um filme exaustivo, irritante e sensacionalista. Kyohei e Yuki lidam diariamente com as réstias dos mortos e com as "mortes" (figuradas e reais) do passado, mas não basta exasperar o espectador com relatos de sofrimento para imediatamente aderirmos às situações como se fossem nossas ou nos apegarmos aos personagens que, fora das suas angústias tão demoradamente exploradas, nada têm de admirável ou cativante. Takahisa Zeze parece querer insuflar o seu mundo com uma bolha depressiva para atingir um grau de complexidade "zen" qualquer, traduzindo em diálogos pouco ou nada inspirados como "morremos sempre sozinhos", um forçoso e barato sentimento de melancolia e iluminação. A maneira como constrói a narrativa é também irritantemente hiperactiva, já que vamos de flashback em flashback percebendo o pano de fundo de Kyohei enquanto este conhece Yuki, perde-lhe o rasto, visita mais casas de outros falecidos, reencontra Yuki e volta a perdê-la numa cena fraquíssima, insuficiente e que não tem nem merece justificação. Quererá Zeze dizer, com pompa e circunstância, que a vida e a morte são coisas muito efémeras ou quererá, outra vez de forma abertamente sensacionalista, infligir dor no seu protagonista com esperanças de que nos preocupemos com o absurdo da perda de mais um ente querido? Depois de tantos desvios e da incapacidade de conceber personagens marcantes, não vemos aqui nada a não ser a passagem dolorosa e apressada de um realizador marginal a aspirações mais toscas e "comerciais".
I Have To Buy New Shoes (2012) de Eriko Kitagawa: **
Eriko Kitagawa tinha já realizado uma primeira obra surpreendente, Halfway. Nesse filme independente e financeiramente modesto, abordava-se o dilema de uma jovem no último ano do secundário que tinha de escolher entre deixar o namorado estudar para longe, mais precisamente Tóquio, ou retê-lo onde estava, argumentando que a relação não suportaria a distância. A intimidade dos dois jovens actores e o final aberto e tremendo, tão próximo, da realidade das coisas fazia esperar grandes coisas da realizadora. Em I Have To Buy New Shoes, dois estranhos encontram-se em Paris e partilham apenas o facto de serem japoneses no estrangeiro (ele um turista perdido, ela emigrante). Passam tempo juntos, vão se conhecendo e apaixonam-se assim que a hora da despedida chega. Protegida de Shunji Iwai (Halfway tinha sido escrito por ele e I Have To Buy New Shoes foi por ele produzido), Kitagawa parece ter uma fixação por renúncias e encontros românticos no limite da sua concretização. Nada que não tenha sido feito antes com outras nuances (a trilogia de Richard Linklater parece-me um bom exemplo disto) e diria que o problema maior aqui são os personagens, não porque sejam desinteressantes, mas porque há algo neles que impede a amargura (de querer evitar) a despedida. A belíssima Mio Nakayama e o simpático Osamu Mukai fazem um par curioso, mas a maneira como se relacionam é, talvez, demasiado aberta, confidente e afável para revermos no afastamento fatídico, a dor e a saudade de um amor bloqueado pelo espaço e o tempo. Talvez tenha sido essa a intenção de Kitagawa, isto é, lançar as bases de uma atracção que precisava apenas de mais tempo para ser confessa, mas para o espectador mesmo essa frustração não é totalmente evidente. Situamos os nossos personagens entre a amizade e a paixão, mas necessitávamos de situações e emoções menos ambíguas e mais urgentes que fizessem pender mais para o segundo lado da balança.
Jinx!!! (2013) de Naoto Kumazawa: *
As películas "românticas" de Kumazawa outrora eram mais sóbrias e não se rendiam a ideias fáceis e simplificações amorosas como se o universo filmado pertencesse, afinal, a um ideal sonhado e não houvesse menção dos problemas que determinam concretamente a dificuldade de nos completarmos emocionalmente. Rainbow Song, escrito pelo grande Shunji Iwai, era um exemplo inspirador de como o cinema de Kumazawa podia ter crescido tematicamente, seguindo esses trilhos de uma lucidez dramática bastante próxima do real e de sentimentos de perda do ente desejado. Quererá isto dizer que todos os filmes de amor só são criticamente aceitáveis se forem trágicos? Há também muita tragédia amorosa (especialmente japonesa) que não tem outro objectivo senão comover artificialmente o espectador que se depara com o enorme amor dos seus personagens no meio da adversidade (e suspiram: "como era bom que esse ideal fosse real!"). Por falta lucidez quisemos significar todos os ângulos que ficaram por considerar, todas as fugas e descrenças que tal sentimento também carrega, em suma, uma honestidade que nos permita identificar com o mundo representado e não aspirar a qualquer coisa que nesse mundo vemos como evidente e até secretamente desejável. Jinx!!!, como a esmagadora maioria dos filmes românticos, é um filme para sonhadores. Conta as aventuras de Ji-Ho uma estudante coreana de intercâmbio que trava amizade com uma colega japonesa, Kaede, e ensina-a a aproximar-se de uma paixão de escola, Yusuke. Por entre "coreografias" engraçadas e repetitivas cenas de aproximação, Ji-Ho lembrar-se-á de quem deixou na Coreia e, por momentos, revê toda a sua história no casal que pretende aproximar. "Jinx" acaba por ser a expressão que arranja para provar que "muitas coisas boas acontecerão se Kaede e ela se tornarem amigas", mas também faz referência ao déja-vu que lhe permitirá voltar para o seu país com os assuntos do passado resolvidos. Kumazawa continua a apostar no plano sequência para destoar o feeling televisivo que se apodera da estética do seu filme e algumas vezes consegue até aparar o melodrama algo comichoso que se vai instalando ao longo do visionamento. Jinx!!! é um filme para sonhadores que não querem acordar, ou é um filme para os sonhadores que querem dormir do mundo. Nada aqui é ofensivo, indigno ou até demasiado desonesto mas queríamos mais complexidade, queríamos estar mais "acordados".
Schoolgirl Complex (2013) de Yuichi Onuma: ***
Este filme partilha o título com uma série de álbuns de fotografias de Yuki Aoyama. Schoolgirl Complex de Aoyama era mais um objecto fetichista que versava sobre a obsessão japonesa pelas colegiais, as suas poses inocentes petrificadas em imagens voyeuristas que escondiam as expressões faciais das raparigas e revelavam, em ângulos despudorados, toda a sensualidade dos uniformes e dos corpos... Yuichi Onuma, que já em Nude tinha adaptado para cinema a auto-biografia de uma actriz pornográfica, desfaz-se completamente do material original e filma a intimidade e a descoberta sexual das suas protagonistas com uma dignidade em tudo contrária ao erotismo espiador de Aoyama. Aqui, definitivamente, contam mais os rostos, as vozes, as lágrimas e os sorrisos das raparigas do que qualquer ângulo mais atrevido das suas pernas ou saias. Por todo o filme ressoa, apesar de tudo, uma postura directa mas que se abstraí de juízos de valor, mesmo quando ao tema do crescimento se adiciona uma atmosfera homossexual consubstanciada em secretas paixões lésbicas que se confundem com amizade. Para Onuma, no entanto, o importante é o mundo das emoções e nunca assistimos à exploração sexista ou prazerosa desse universo homo-erótico. Para o realizador - e para as suas personagens - o amor e a atracção (porque apesar de tudo, Onuma não esquece a carnalidade) não escolhem sexos. Note-se a fantástica direcção de actrizes e os papeis muito convincentes de Yuko Araki e Mugi Kadowaki que dão vida às inquietações e sonhos da adolescência, período tão bem descrito naquele excerto citado de Osamu Dazai que suspende, nem que seja por pálidos momentos, toda a mágoa e os mal-entendidos de uma relação impossível. Uma boa surpresa.
Schoolgirl Complex (2013) de Yuichi Onuma: ***
Este filme partilha o título com uma série de álbuns de fotografias de Yuki Aoyama. Schoolgirl Complex de Aoyama era mais um objecto fetichista que versava sobre a obsessão japonesa pelas colegiais, as suas poses inocentes petrificadas em imagens voyeuristas que escondiam as expressões faciais das raparigas e revelavam, em ângulos despudorados, toda a sensualidade dos uniformes e dos corpos... Yuichi Onuma, que já em Nude tinha adaptado para cinema a auto-biografia de uma actriz pornográfica, desfaz-se completamente do material original e filma a intimidade e a descoberta sexual das suas protagonistas com uma dignidade em tudo contrária ao erotismo espiador de Aoyama. Aqui, definitivamente, contam mais os rostos, as vozes, as lágrimas e os sorrisos das raparigas do que qualquer ângulo mais atrevido das suas pernas ou saias. Por todo o filme ressoa, apesar de tudo, uma postura directa mas que se abstraí de juízos de valor, mesmo quando ao tema do crescimento se adiciona uma atmosfera homossexual consubstanciada em secretas paixões lésbicas que se confundem com amizade. Para Onuma, no entanto, o importante é o mundo das emoções e nunca assistimos à exploração sexista ou prazerosa desse universo homo-erótico. Para o realizador - e para as suas personagens - o amor e a atracção (porque apesar de tudo, Onuma não esquece a carnalidade) não escolhem sexos. Note-se a fantástica direcção de actrizes e os papeis muito convincentes de Yuko Araki e Mugi Kadowaki que dão vida às inquietações e sonhos da adolescência, período tão bem descrito naquele excerto citado de Osamu Dazai que suspende, nem que seja por pálidos momentos, toda a mágoa e os mal-entendidos de uma relação impossível. Uma boa surpresa.
Fantástico trabalho que fizestes neste blog, é até didático pelo vocabulário abrangente que despegas! Shinobugawa 72 é 5*. Algumas pérolas que não faço ideia como encontrar(asiatorrents.me)?! Aqui deixo umas compilações de filmes que gostaria de ver e que já vi http://www.imdb.com/user/ur26474768/
ResponderEliminarAcho que deste aquele estímulo que precisava pra ver o "confessions of a dog" 196 mn...