17/11/13

Fragmentos de 2013/11/17



Whipmaster - Ballad of Murder (1970) de Takashi Harada: *
O monge vilão e cego da série Wicked Priest (os religiosos travessos por esta altura eram inesgotáveis para os estúdios) também teve direito ao seu filme. Protagonizado por Bunta Sugawara, Ryotatsu difere dos monges agitados e patetas caracterizados pelos irmãos Shintaro Katsu e Tomisaburo Wakayama. Anti-herói confesso com espaço para boas acções, ainda que isoladas, e um carácter impenetrável e bruto, não traz nada de novo nem original ao típico rufia indisposto e estereotipado (nem mesmo a presença da criança inocente a seu cargo) tão omnipresente nestes exercícios série-B. O único destaque vai para a banda sonora: fusão heteróclita de funk, espirituais negros com alguns instrumentos tradicionais (maioritariamente o shakuhachi), algo relativamente comum nos exageros amalgamados dos anos 70, mas aqui realmente energéticos e absorventes.



The Revolt (1980) de Shiro Moritani: *
Outra produção baseada na única tentativa de Golpe de Estado da História do Japão. O famoso incidente 2-26 (isto porque ocorreu no dia 26 de Fevereiro de 1936) foi organizado por um grupo de jovens soldados descontentes com a situação social e com a deterioração, ver mesmo, corrupção da classe militar. Ken Takakura, neste épico de duas horas e meia, encarna um dos militares que encabeça a revolta e, como na maior parte dos filmes sobre o incidente, paira um certo sentimentalismo, algo nefasto e historicamente inexacto em nossa opinião. Shiro Moritani avança a sua narrativa a um ritmo letárgico, filmando excessivamente e sem grande afinco o percurso deste soldado descontente. Outra tentativa de se conceder humanidade ao protagonista surge com o love-interest, demasiado robótico e pouco autêntico. Pouco mais há a dizer a não ser isto: este é um projecto sem alma.



Dangerous Cops Again (1988) de Haruo Ichikura: *
O título já sugeria a insistência provocatória ou desnecessária (?) das aventuras do duo de detectives forasteiros e playboys, mas o abuso dos mesmos lugares-comuns policiais assim como uma narrativa desesperadamente genérica impede, tal como acontecia na primeira instalação realizada por Yasuharu Hasebe, que algum do aprimoramento imagético colha algum mérito. Pouquíssimo temerário no departamento narrativo, Dangerous Cops Again só consegue distinguir os seus dois protagonistas pelas graçolas. Insuficiente e monótono.



Penance (2012) de Kiyoshi Kurosawa: **
Originalmente uma mini-série de televisão, Penance foi reeditado, para fins de exportação, numa longa-metragem em duas partes, quase excedendo as cinco horas de duração. Apesar das diferenças do médio, não assistimos a grandes submissões embaraçosas nem mudanças programáticas. Trata-se, pois, de um projecto típico de Kiyoshi Kurosawa: a sua noção atmosférica e minimalista de terror está com todo o seu potencial (vejam-se os posicionamento de câmara, colocação de personagens no plano, etc.) e a imprevisibilidade patológica, contudo, discreta e contraída, dos seus personagens não é olvidada. Quatro meninas assistem à morte de uma amiga e o filme salta para o futuro de cada uma delas, futuro esse sempre envolto em traumas ou atitudes desviantes, já que são pressionadas pela presença constante da mãe da criança defunta. Com o seu estilo sóbrio e metódico, Kurosawa tem a oportunidade de explorar vários registos e disposições (comédia, drama, etc.) sem nunca abandonar a tensão lenta e psicológica que caracteriza toda a sua obra. Podemos dizer que essa inscrição experimental resulta desequilibradora e, claramente, não se adapta bem ao formato longa-metragem, formato que assume uma continuidade, neste caso, fastidiosa e irregular. Por exemplo, se há capítulos bem conseguidos nesta odisseia de vingança e trauma (nomeadamente o primeiro e o terceiro), o epílogo no quinto capítulo é apressado, confuso e, no cômputo geral, insatisfatório, lançando soluções de última hora e revelações (telenovelescas) de evitar. Se avaliássemos cada episódio, as notas seriam bastante díspares, mas como experiência única e continua (e com um final tão qualitativamente diferente do resto), Penance não é mais do que uma grande confusão com momentos de assinalar.



A Story of Yonosuke (2013) de Shuichi Okita: ****
Há dois tipos de filmes: os maiores do que a vida e os que se mantêm equilibrados, à tona dela, gentilmente revelando segredos para quem estiver disponível para os guardar. No primeiro caso, inclinamo-nos para a sensação de arrebatamento, no segundo, apenas temos suficientes e discretas comoções. Ora, a terceira longa metragem de Shuichi Okita enquadra-se no segundo tipo. De facto, A Story of Yonosuke com a sua disposição amável, com a generosidade emotiva dos seus personagens e com o seu humor modesto, porém hilariante, enche-nos as medidas e representa um passo de gigante para Okita que vem-se afinando a cada nova obra, apostando sempre em filmes conduzidos por uma gentileza contagiante mas, ainda assim, justa com as vicissitudes da vida. Aqui, como nas suas tentativas passadas, vive-se de personagens e toda a dedicação é-lhes concedida, sejam protagonistas, secundários, etc. Este é um valente festival de momentos, de sorrisos, de acting (a minha vénia para Kengo Kora) e de sentimentos nostálgicos mas sempre com uma sensação positiva prevalecente e recompensadora.



See You Tomorrow, Everyone (2013) de Yoshihiro Nakamura: ***
É de salutar que o mais recente filme de Nakamura não negligencie uma análise social, escondida somente no subtexto, sem nunca esquecer também o apreço pelo seu protagonista bizarro, condenado à solidão e ao abandono. As peripécias (quase todas cruéis e sem grande esperança) de Satoru, aparentemente alguém que se recusa a crescer e abandonar o bairro artificial composto por edifícios pré-fabricados, não pode ser dissociado do desenvolvimento massificado da sociedade japonesa desde o final dos anos 70 até hoje. A analogia tem uma acuidade avassaladora se notarmos, através dos anos, a passagem do abandono sucessivo dos seus colegas à consequente ocupação por minorias étnicas, daquilo que era uma das representações do milagre económico. Nakamura, às tantas, filma esses prédios estéreis e essa urbanização estandardizada como se tudo tivesse sido assombrado e o seu filme mais não fosse do que um conto apocalíptico onde os ostracizados se reúnem. Claro que continuamos a ter um filme baseado no protagonista e este seu tão característico amor pela "pessoa errada na situação errada" (que é obrigada a "encontrar-se" na folia) mantêm-se, mas aqui excedem-se os módulos do entretenimento de sorriso fácil que imperavam nas suas películas pipoca. Este olhar não encontra concessões e é até uma marca insofismável de desencanto e amadurecimento. Como nós gostamos...



Like Father, Like Son (2013) de Hirokazu Koreeda: ****
Desde Nobody Knows a I Wish assistimos em Koreeda à obsessão antiga de encontrar (e resgatar) nas crianças um estado de honestidade em bruto. Falando em termos clássicos, nessas obras havia muito mais Hiroshi Shimizu do que Yasujiro Ozu, isto é, as crianças não serviam meramente propósitos de comic relief (ao desabarem comicamente o mundo dos crescidos) mas era essa sua inocência comovente destroçada pelos adultos, ora por negligência, ora por egoísmo (ou porque crescer é uma inevitabilidade). Como o título deixa claro, este é um filme sobre a interdependência entre adultos e crianças. É, por isso, um filme sobre família(s) - e que tem feito Koreeda senão escalpelizar, precisamente, os afectos familiares com todas as suas diferenças? - e a insubstituibilidade (ou não) dos filhos. É, em rigor, um conto sobre a importância dos afectos e como, em última instância e ao fim de muito sofrimento, esses afectos podem vencer qualquer petição de verdade ou conceito como relação de sangue. Formalmente, continuamos embarcados numa estética discreta, delicada e não-impositiva, mesmo quando tudo (principalmente a temática) indicaria o contrário. Cada personagem representa um rio complexo, instável e tenso de emoções, contradições e tentativas de mudança que nunca permitem um sentimento de artificialidade instalar-se. Os adultos de Koreeda, ironicamente, aqui muito mais desamparados do que as crianças são chamados a prestar declarações como se o processo de crescimento fosse, afinal, o deles. Como todos os bons cineastas, Koreeda aposta na pluralidade das perspectivas (os filhos são vistos através do olhar hesitante dos pais e, simultaneamente, os pais são vistos pelos olhos perturbadoramente passivos das crianças) e na indeterminação do final. Tudo motivos para enriquecer a experiência e aproximá-la de um ritmo autêntico, à flor do real.

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