Winter's Flower (1978) de Yasuo Furuhata: **
Aqui Ken Takakura interpreta o personagem estóico que sempre o caracterizou, desta feita com uma narrativa mais melancólica e contemporânea do que o habitual, resultado cruzado entre o milieu dos filmes yakuza mais modernos (inclusive com pequenas menções à câmara oblíqua e furiosa de Kinji Fukasaku nas cenas de acção) e um espírito decididamente mais clássico, ninkyo diga-se, de sacrifício em nome do dever. De facto, Furuhata sempre apelou às origens dicotómicas dos primeiros filmes de gangsters, onde se batalhavam constantemente os pares giri e ninjô, termos que significam respectivamente obrigação e humanidade. O personagem de Takakura, marcado para a vida com um assassinato irrecusável (porque feito por giri), encontra-se exactamente na mesma situação de tantos outros heróis do gênero: perda progressiva da humanidade que, à sua revelia, não se apaga absolutamente. Eis um personagem que parece distante do mundo e dos outros (que conexões emocionais consegue este personagem fazer excluindo a única ligação que o prende ao mundo dos sentimentos?) mas que tenta, ainda assim, humanizar-se. Winter's Flower não segue a linha de um Fukasaku, principalmente no que concerne à desistência total de contar histórias de gangsters através desse dualismo existencial giri-ninjô. O cenário moderno assim como o look anos 70 são só parte da fachada que faz emergir motivos mais clássicos, como o omnipresente Concerto para Piano de Tchaikovsky. A questão de Furuhata é a seguinte: como revitalizar o antigo no novo?
Nurse Diary - Wicked Finger (1979) de Shin'ichi Shiratori: *
Entrei curioso e saí totalmente desiludido. Não conhecia o trabalho de Shin'ichi Shiratori no seio da Nikkatsu no período quente da Roman-Porno, contudo, a sua estreia em 1973 fá-lo pertencer à primeira geração de realizadores, geração essa que foi, de longe, a mais interessante e a que mais filmes surpreendentes pôs cá fora. Como obviamente já se percebeu, por cada obra magistral saiam dez menos boas e vinte de fugir, e se Shin'ichi Shiratori não é hoje reconhecido como um mestre de excepção (como eram Kumashiro, Tanaka, Sone), então podemos perceber o motivo desse esquecimento. Nurse Diary, uma das muitas produções com enfermeiras, começou de maneira diferente, com uma protagonista com emoções verdadeiras (e não desculpas para a ver em situações menos próprias) e uma personalidade forte. Este tipo de personagem já em muitos casos demonstrou que na Roman-Porno faziam-se filmes a sério e que, muitas vezes, as cenas sexuais eram meramente um pretexto para se filmar tudo o resto. No entanto, Shiratori, ao escolher a comédia ligeira, destrói o que tinha construído e tudo vai ao sabor do espírito atrevido que mais não faz do que simplificar ou colocar os personagens em situações embaraçosas, sem grande piada e com muito mau gosto à mistura. Já tinhamos dito o mesmo acerca do estilo comichoso e kitsch de Koyu Ohara, e aqui Shin'ichi Shiratori não faz melhor nem pior.
Kamui Gaiden (2009) de Yoichi Sai: 0
Ainda não percebi qual a razão para o especialista excelso em cinema asiático Tony Rayns ousar proferir a típica afirmação de capa de DVD: "Kamui Gaiden é, talvez, o melhor filme de ninjas alguma vez feito." Afirmações deste género são sempre difíceis de concordar na integralidade (excepto o consenso à volta de um Citizen Kane, filme que até afugenta as novas gerações pela sua fama), mas concordar neste caso é uma impossibilidade lógica. Não tenho conhecimento das justificações de Rayns, contudo, confio na minha experiência como espectador. Como é que um filme tão desorganizado e desinteressante, tão pouco substancial nas suas imagens (com um narrador com estatuto de eucalipto, pois, seca todo o engenho imagético que restava) e tão preguiçoso nos seus efeitos especiais - este CGI de trazer por casa é bem pior do que os efeitos artesanais ou até os jump-cuts às vezes desastrados dos filmes de ninjas da década de 50 - pode, alguma vez, querer competir com títulos tão definitivos como Castle of Owls (1963) de Eiichi Kudo, Ninja Hunt (1964) de Tetsuya Yamaguchi, a saga Shinobi (1962-1966) da Daiei com Raizo Ichikawa, Samurai Spy (1965) de Masahiro Shinoda, entre tantos outros. Como é que um má adaptação do manga mítico de Sampei Shirato poderia augurar qualquer coisa de recomendável? Em suma, fujam disto como o diabo foge da cruz.
Household X (2010) de Koki Yoshida: ***
Dizer que a desintegração familiar é o tema predilecto dos cineastas japoneses do novo milénio não é grande novidade. A crescente modernização da sociedade parece desactualizar o modelo mais tradicional de família e não é estranho que o silêncio e a dormência sejam os mecanismos mais usados para descrever tal falta (e falha) de comunicação no seio que devia preparar todas as outras relações. A atrofia sensorial, a robotização dos gestos e a sonolência à beira da despersonalização são as características essenciais dos três personagens que compõem a família destroçada de Household X. Esta proposta com pouquíssimos diálogos e uma câmara que filma com proximidades desconfortáveis e invasivas mergulha-nos numa rotina insignificante à margem de qualquer afectividade, como se fosse o corolário não só da frustração colectiva como do falhanço do modelo burguês de organização social. Koki Yoshida não dá tréguas nem no final, onde normalmente se resolve alguma coisa (desde Pasolini que a coisa tem sido assim). Mas aqui temos apenas um silencioso grito de revolta abafado (ou não) pelos próximos. Este final aberto, então, tanto pode significar o retorno da rotina que mata lentamente ou uma mudança talvez mais significativa. Nenhuma pista nos é dada.
Torso (2010) de Yutaka Yamazaki: 0
Pouquíssimo há a dizer do talvez não tão aguardado filme do director de fotografia de Hirokazu Koreeda, Yutaka Yamazaki. A alienação a partir de objectos e o vício do irreal - temas que o próprio Koreeda já tinha pisado em Air Doll com resultados estranhamente insatisfatórios - são representados de uma maneira insignificante e dramaticamente esbatida, como se o pendor simultaneamente natural e realista fosse mero eufemismo de entediante. Com efeito, Yamazaki quer retirar crescimento dos seus personagens (duas irmãs) sem criar elos de ligação ou mudança consistentes. O que há então? Pay-off sem build-up, um erro clássico de má construção narrativa. Para além do mais, o tom monocromático que percorre todos os espaços não é o melhor exemplo de uma direcção de fotografia expressiva que tente replicar o interior psicológico, como seria de esperar de um filme que lida com solidão e ritos obsessivos em busca de afectividade. As intenções serão com certeza outras mas Torso não é mais do que um falhanço crasso, dispensável e aborrecido.
Let's Make the Teacher Have a Miscarriage Club (2011) de Eisuke Naito: **
O tema não é edificante. Um grupo de estudantes, liderado por uma rapariga que parece ter uma aversão visceral pela maternidade e consequente sexualidade, planeia uma sucessão de ataques à sua professora grávida. Eisuke Naito, um estreante que não consegue esconder algumas imperfeições técnicas de uma primeira longa-metragem (no caso, sonoras) filma todo este bizarro exercício com a calma, e até contenção de um sádico, reflectindo um tom bastante próximo da violência série-B. Pouquíssima explicação nos é dada, e quase toda a psicologia apagada - prova disso são as reacções, não raras vezes imprevisíveis ou descabidas dos personagens quando vítimas de agressões sem razão aparente. Apenas paira um sentimento de absurdo, para uns completamente gratuito e desnecessário, para outros (como eu) curioso, entretido e até humorístico de tão estranho.
Toilet & Women (2012) de Haruhi Oguri: **
O tema não é edificante, parte dois. Neste primeiro filme de Haruhi Oguri encontramo-nos sempre no fio da navalha. A sua protagonista atormentada, Narumi, que começara forte, impudica e primitiva como as heroínas sexuais e rudes de Shohei Imamura, não consegue fugir das suas memórias traumáticas: uma relação incestuosa com o seu irmão e um aborto doloroso, este último filmado de maneira completamente crua e desfetichizada. Talvez a fragilidade desta mulher à beira da loucura não pudesse ter sido mais posta a nu perante os espectadores, no entanto, este pessimismo traz consigo as chagas de um visionamento bastante desconfortável e até um pouco masoquista. Oguri não tem tento, nem parece poupar o voyeurismo da sua câmara, arrastando-a até aos infernos juntamente com esta mulher pecadora. A menção honrosa a Nanaha (a actriz que interpreta Narumi) não pode deixar de ser feita, mas tirando essa interpretação intensa e por vezes difícil de encarar, a película de Oguri está demasiado presa aos seus próprios desenlaces negros.
A Road Stained Crimson (2012) de Tetsuhiko Nono: *
Claramente inspirado pela estética rockeira de Toshiaki Toyoda (a saber, como exprimir pela linguagem punk temas e inquietações espirituais), este primeiro filme de Tetsuhiko Nono sofre de demasiados problemas para ser tanto um bom sucessor desse estilo tão idiossincrático como um filme independente, valendo pelo seu mérito próprio. Em primeiro lugar, certos exageros estilísticos não contribuem muito para o avanço da narrativa e são desnecessários. Por exemplo, os slow-motion (apurados em Toyoda até à máxima purificação e detalhe interior) aqui usados teimosamente em cada cena de maior actividade apenas quebram a sua fluidez e não conseguem, portanto, transpor para imagens a abstração estética do seu mestre. A música, por outro lado, consegue replicar alguma amargura já vista na obra do mesmo Toyoda (é impressão minha ou esta banda soa demais a Thee Michelle Gun Elephant?) mas quando determinadas cenas nos conseguem puxar para a intimidade dos dois personagens eis que a narrativa, fina como uma linha e geral ao ponto de nada trazer, não nos dá mais para sentir. Tetsuhiko Nono, então, não consegue fugir à lógica de revelações de última da hora (o twist de saber quem é o vilão deixou-me a ranger os dentes) e um duelo final desinspirado.
Household X (2010) de Koki Yoshida: ***
Dizer que a desintegração familiar é o tema predilecto dos cineastas japoneses do novo milénio não é grande novidade. A crescente modernização da sociedade parece desactualizar o modelo mais tradicional de família e não é estranho que o silêncio e a dormência sejam os mecanismos mais usados para descrever tal falta (e falha) de comunicação no seio que devia preparar todas as outras relações. A atrofia sensorial, a robotização dos gestos e a sonolência à beira da despersonalização são as características essenciais dos três personagens que compõem a família destroçada de Household X. Esta proposta com pouquíssimos diálogos e uma câmara que filma com proximidades desconfortáveis e invasivas mergulha-nos numa rotina insignificante à margem de qualquer afectividade, como se fosse o corolário não só da frustração colectiva como do falhanço do modelo burguês de organização social. Koki Yoshida não dá tréguas nem no final, onde normalmente se resolve alguma coisa (desde Pasolini que a coisa tem sido assim). Mas aqui temos apenas um silencioso grito de revolta abafado (ou não) pelos próximos. Este final aberto, então, tanto pode significar o retorno da rotina que mata lentamente ou uma mudança talvez mais significativa. Nenhuma pista nos é dada.
Torso (2010) de Yutaka Yamazaki: 0
Pouquíssimo há a dizer do talvez não tão aguardado filme do director de fotografia de Hirokazu Koreeda, Yutaka Yamazaki. A alienação a partir de objectos e o vício do irreal - temas que o próprio Koreeda já tinha pisado em Air Doll com resultados estranhamente insatisfatórios - são representados de uma maneira insignificante e dramaticamente esbatida, como se o pendor simultaneamente natural e realista fosse mero eufemismo de entediante. Com efeito, Yamazaki quer retirar crescimento dos seus personagens (duas irmãs) sem criar elos de ligação ou mudança consistentes. O que há então? Pay-off sem build-up, um erro clássico de má construção narrativa. Para além do mais, o tom monocromático que percorre todos os espaços não é o melhor exemplo de uma direcção de fotografia expressiva que tente replicar o interior psicológico, como seria de esperar de um filme que lida com solidão e ritos obsessivos em busca de afectividade. As intenções serão com certeza outras mas Torso não é mais do que um falhanço crasso, dispensável e aborrecido.
Let's Make the Teacher Have a Miscarriage Club (2011) de Eisuke Naito: **
O tema não é edificante. Um grupo de estudantes, liderado por uma rapariga que parece ter uma aversão visceral pela maternidade e consequente sexualidade, planeia uma sucessão de ataques à sua professora grávida. Eisuke Naito, um estreante que não consegue esconder algumas imperfeições técnicas de uma primeira longa-metragem (no caso, sonoras) filma todo este bizarro exercício com a calma, e até contenção de um sádico, reflectindo um tom bastante próximo da violência série-B. Pouquíssima explicação nos é dada, e quase toda a psicologia apagada - prova disso são as reacções, não raras vezes imprevisíveis ou descabidas dos personagens quando vítimas de agressões sem razão aparente. Apenas paira um sentimento de absurdo, para uns completamente gratuito e desnecessário, para outros (como eu) curioso, entretido e até humorístico de tão estranho.
Toilet & Women (2012) de Haruhi Oguri: **
O tema não é edificante, parte dois. Neste primeiro filme de Haruhi Oguri encontramo-nos sempre no fio da navalha. A sua protagonista atormentada, Narumi, que começara forte, impudica e primitiva como as heroínas sexuais e rudes de Shohei Imamura, não consegue fugir das suas memórias traumáticas: uma relação incestuosa com o seu irmão e um aborto doloroso, este último filmado de maneira completamente crua e desfetichizada. Talvez a fragilidade desta mulher à beira da loucura não pudesse ter sido mais posta a nu perante os espectadores, no entanto, este pessimismo traz consigo as chagas de um visionamento bastante desconfortável e até um pouco masoquista. Oguri não tem tento, nem parece poupar o voyeurismo da sua câmara, arrastando-a até aos infernos juntamente com esta mulher pecadora. A menção honrosa a Nanaha (a actriz que interpreta Narumi) não pode deixar de ser feita, mas tirando essa interpretação intensa e por vezes difícil de encarar, a película de Oguri está demasiado presa aos seus próprios desenlaces negros.
A Road Stained Crimson (2012) de Tetsuhiko Nono: *
Claramente inspirado pela estética rockeira de Toshiaki Toyoda (a saber, como exprimir pela linguagem punk temas e inquietações espirituais), este primeiro filme de Tetsuhiko Nono sofre de demasiados problemas para ser tanto um bom sucessor desse estilo tão idiossincrático como um filme independente, valendo pelo seu mérito próprio. Em primeiro lugar, certos exageros estilísticos não contribuem muito para o avanço da narrativa e são desnecessários. Por exemplo, os slow-motion (apurados em Toyoda até à máxima purificação e detalhe interior) aqui usados teimosamente em cada cena de maior actividade apenas quebram a sua fluidez e não conseguem, portanto, transpor para imagens a abstração estética do seu mestre. A música, por outro lado, consegue replicar alguma amargura já vista na obra do mesmo Toyoda (é impressão minha ou esta banda soa demais a Thee Michelle Gun Elephant?) mas quando determinadas cenas nos conseguem puxar para a intimidade dos dois personagens eis que a narrativa, fina como uma linha e geral ao ponto de nada trazer, não nos dá mais para sentir. Tetsuhiko Nono, então, não consegue fugir à lógica de revelações de última da hora (o twist de saber quem é o vilão deixou-me a ranger os dentes) e um duelo final desinspirado.
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