29/05/13

Fragmentos de 2013/05/29



Decapitation Island (1970) de Toshiaki Tahara: **
Por volta do ano de saída deste Decapitation Island, a Daiei estava quase a fechar as portas, deixando para trás uma quantidade considerável de artesãos que se viram forçados a trabalhar para a crescente indústria da televisão. Toshiaki Tahara foi um deles e este foi o seu primeiro e último filme. Com efeito, tal clima de dificuldade financeira obrigou certas mudanças temáticas que vinham sendo assimiladas pelos grandes estúdios. Por volta de 70, a gramática dos filmes de sabre começava a aproximar-se dos cânones do exploitation e do pink e não será por acaso que a presença de mulheres rufias ou forasteiras ganhou progressivamente maior destaque. Um estúdio como a Toei mais tarde viria a inaugurar o jidaigeki erótico-grotesco e um ano depois da falência da Daiei, a Nikkatsu revolucionava completamente a sua orientação temática, virando-se para a produção exclusiva de películas eróticas. Desta forma, Decapitation Island é um filme de transição: clássico na forma mas intrigante quanto à execução. As mulheres, como é apanágio neste tipo de exercícios, encontram-se à mercê dos homens, vilões por natureza, e aos poucos vão subvertendo essa submissão usando os seus próprios meios para conseguirem escapar às suas garras. Há qualquer coisa de curioso e temerário neste pequeno filme de Tahara que, certamente, está mais interessado no que quer contar do que usar e abusar dos mesmos lugares comuns do exploitation.



Life of a Court Lady (1974) de Akio Jissoji: ****
Tivemos de esperar por mais uma maravilha de Akio Jissoji para os nossos sentidos serem completamente arrebatados. Com efeito, é dos raros realizadores capaz de virar do avesso as leis da colocação do plano e do enquadramento, subvertendo, assim, a maior parte das regras imagéticas por carregá-las com uma estranheza exótico-sagrada, portanto, difícil de categorizar. No entanto, aqui os apurados travelings de um Mujo ou de um Mandala foram substituídos por uma singular claustrofobia em que a disposição do campo contra-campo, por ser destituída de uma continuidade rigorosa, projecta no espectador uma corrente de imagens suavemente despersonalizadas, imagens sombrias de uma luz filtrada. Parece mesmo que Jissoji mergulhou a sua câmara na treva e apenas se preocupou em filmar os traços finos de branco que resistem à penumbra. Esta sua preocupação cromática traduz, pois, a sua interpretação do Japão perdido e místico do século XIII, excessivamente sombrio e soturno, cujo ambiente frio das elites se contrapunha à intensidade violenta e íntima das suas relações com mulheres. Sobre este aspecto, note-se o papel progressivamente purificado e purificador de Shijo, uma mulher de corte que é vítima do mundo masculino mas que conhecendo as agruras do amor, encontra o caminho da errância e da castidade (tal solução é contrária à maior parte das soluções carnais do corpus de Jissoji). Levo daqui portentosas sequências de êxtase onírico, quer estejam figuradas na subtracção da luz incandescente (nas sombras místicas e nas posições irregulares) quer na música alucinante de Ryohei Hirose, cujos acordes transcendentes facilmente colocam o espectador num estado de sonho - o kanji que fecha o filme não é o tradicional 終 (owari, fim) mas sim 夢 (Yume, sonho). 




The Gate of Youth (1981) de Kinji Fukasaku e Koreyoshi Kurahara: *
Não há grandes tábuas de salvação. A este remake feito a quatro mãos falta alguma grandeza e visão cinematográfica mesmo quando o seu orçamento e o bom cast pareciam apontar o contrário. Demasiado linear, demasiado simples tanto na sua construção narrativa (o uso de flashbacks é bastante exaustivo e as constantes analépses e prólepses não ajudam) como no orquestrar psicológico dos seus personagens, The Gate of Youth é um exercício frouxo que dificilmente se consegue equilibrar nas suas quase duas horas e meia de duração.



Give it All (1998) de Itsumichi Isomura: ***
Este filme de Isomura parece ser, à primeira vista, mais um caso em que a fórmula "uma paixão, uma juventude" serve de desculpa para se encenar um exercício previsível em que o desporto se associa ao processo de crescimento das protagonistas. Talvez por ter sido produzido por Masayuki Suo, um dos pioneiros do género, este Give it All distância-se desses modelos fáceis vistos noutros filmes por duas razões principais: em primeiro lugar, o processo de descoberta dos remos não se dá por imposição de alguém, mas por vontade autónoma da heróina - o que poupa muito tempo de acostumação dos personagens à paixão que irão descobrir no desporto. Em segundo lugar, não há desenlaces vitoriosos, nem sequer um espírito competitivo muito acérrimo (veja-se como não se personifica isso num antagonista), pelo contrário, uma sobriedade realista acompanha toda a narrativa, fazendo que, de alguma maneira consigamos ver com mais substância as relações de amizade e companheirismo indispensáveis neste género inofensivo de filmes.



Prisoner/Terrorist (2007) de Masao Adachi: **
Siegfried Sassoon disse uma vez que os soldados são sonhadores. Masao Adachi - apesar de todas as dificuldades de expressão naquele que é provavelmente o seu último filme - usou a sua própria experiência revolucionária (durou mais de metade da sua vida) e projectou-a num terrorista aprisionado que é obrigado a confrontar os seus sonhos, os seus paradigmas intelectuais e os seus medos num cenário enclausurado e desolador. Se Koji Wakamatsu no final da sua carreira se virou para a História para discriminar a veracidade do lado negro da juventude revolucionária nipónica, Adachi voltou a escolher um registo muito mais surreal e destructivamente onírico para fazer valer uma espécie de apologia mental, uma reverência quase fúnebre ao terrorismo mas que, ainda assim, é lúcida o bastante para não apoiar ou justificar actos de violência. O foco para Adachi sempre foi um descontentamento interior, o mundo visceral a fabricar mitologias modernas renegadas pelas ordens reais. Mesmo que as imagens muitas vezes não cheguem perto da intenção, ela está lá, brilhando com uma força reluzente e imponderável (veja-se o poema recitado nos créditos, digno de antologia!).



Instant Swamp (2009) de Satoshi Miki: **
Quem conhece o melhor e o pior de Satoshi Miki sabe que a sua assinatura se pode descrever da seguinte forma: comédias de situação em que a lógica parece contar pouco ou nada. No seu pior, este estilo pode ser absolutamente constrangedor por ser pouco mais do que um amálgama de tentativas de humor brejeiro (como no seu fraquíssimo The Insects Unlisted in the Encyclopedia), no entanto, quando inspirado, Miki consegue usar essa peculiar desestruturação cómica para criar personagens gentis, mas convincentemente bizarras a dois tempos (veja-se Adrift in Tokyo, até agora a sua melhor obra). Instant Swamp é o seu segundo filme com uma personagem feminina e é muito semelhante ao seu segundo filme, Turtles Swim Faster than Expected não apenas por essa partilha no género da heróina, mas porque é um amontoado de peripécias semi-cómicas em que conta principalmente o espírito inesperado da aventura, alguns momentos aleatórios, e uma série de outros personagens mais caricatos que ajudam a superar bizarros périplos. Como a maior parte das comédias japonesas, esta não se livra do rótulo "filme de momentos", sendo na globalidade uma experiência demasiado "sketchy" para ser inteiramente apreciada.


  
The Samurai That Night (2012) de Masaaki Akahori: ***
Munido de um espírito melancólico presente tanto no ritmo pausado como nos dilemas dos seus personagens, a estreia de Masaaki Akahori por detrás das câmaras revela uma desconstrução original (se bem que algo abstracta) do herói vingativo, alguém que normalmente encontra uma força incomensurável no ódio. O protagonista deste The Samurai That Night - já o título parece ser irónico, apontando para uma qualquer honra frustrada no acto da vendetta - parece arrastar-se na vida e tudo indica que esse estado psicológico seria o primeiro sintoma de uma sede apenas satisfeita quando vingada a sua falecida mulher, vítima de atropelamento e fuga. O clima presente por todo o filme é vagaroso e deprimente, ecoando quase sempre um espírito pós-traumático, o que permite a Akahori abordar uma série de tristezas manifestadas pelas acções mais corriqueiras e insignificantes (olhares, passeios, músicas de karaoke). O modo como se desiste da vingança e o vazio frio que deixa no seu protagonista é uma lição difícil de aguentar, principalmente quando aguardamos sempre que a "justiça" seja feita, mesmo que essa justiça não fosse a mais justa nem a mais digna. Negando os tiques do cinema, podemos olhar-nos como um espelho. Nas imperfeições que o olhar carrega.

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