28/11/13

Fragmentos de 2013/11/28



Female Ninjas - In Bed With the Enemy (1976) de Takayuki Miyagawa: ***
Como é possível um exercício ser constituído, de fio a pavio, por moralidade duvidosa, simplificação dramática e sexualização gritante e ainda assim ser um espectáculo grandioso e operático, barato em certos departamentos (não negamos), mas exímio noutros e com propensões psicadélicas fora de série? Chame-se guilty pleasure ou não, a verdade é que a artisticidade entretida (até ridiculamente superficial) é o mote para as aventuras das três kunoichi, encarregues de recuperar ouro perdido do governo. A melhor coisa deste filme politicamente incorrecto é, primeiro, a sua lata e, depois, a inventividade imagética, composta por magníficas cenas de uso de técnincas ninja improváveis, como troca de corpo, asfixiamento vaginal e o golpe da última cena: hipnose cruel que acaba com um estrangulamento letal de nádegas. Não acreditam? Vejam por vocês mesmos!



Black Board (1986) de Kaneto Shindo: *
Coincidência ou não, os velhos mestres pareciam virar-se para os problemas da juventude na década de 80. Keisuke Kinoshita alertava (com sensacionalismo e sem espírito cinematográfico) para os crimes juvenis e para a decadência de uma era sem rumo. Kaneto Shindo, que no mesmo ano tinha filmado o autobiográfico e surpreendente Tree Without Leaves, decide neste caso tratar o tema do bullying nas escolas, pintando o mesmo retrato desencantado da juventude do seu conterrâneo. O grande problema neste Black Board é o facto de ser realmente desorganizado e não ir muito longe na sua mensagem. Parte policial, parte exercício moral em que mergulhamos nos ritos de integração e de exclusão dos jovens, o filme não consegue homogeneizar a componente dramática e revela-se excessiva e chata, a inclusão de várias personagens-intérpretes, isto é, aquelas que deviam fazer a ponte entre os adultos e os jovens (professores, pais, o director da escola e até mesmo um jornalista irritante e despropositado). No final, o irreverente e "sempre jovem" Shindo (mesmo tendo 74 anos aquando da saída deste filme) não demonstra grande mestria e, especialmente, abertura espiritual para "dar a César aquilo que é de César" e, portanto, filmar estes jovens sem a teimosia e negativismo barato de um velho do Restelo.



Seigi no Tatsujin - Nyotai Tsubo Saguri (2000) de Sion Sono: 0
Não é que Sion Sono tivesse a necessidade de conservar a credibilidade da sua imagem, mas Seigi no Tatsujin - Nyotai Tsubo Saguri é coisa que arruína, ou pelo menos, embaraça carreiras. Este pink sem ponta por onde se lhe pegue (e não, nem todos os pinks são assim tão óbvios) é meramente um amontoado de cenas soltas de sexo em parte protagonizadas pelo próprio Sono, aqui também actor que demonstra o seu gosto malcheiroso sem precedentes. Filme com laivos de pornógrafo de segunda categoria, mesmo a inclusão, supostamente mais refinada e de "autor", de mecanismos de quebra da quarta parede (entrevistas, actores dirigindo-se para o espectador e os créditos escritos em pedaços de cerâmica) não passam de adornos vazios que dissimulam a falta de inteligência de todo o projecto. Verdadeiramente terrível.



Forget-Me-Not (2006) de Hiroshi Sugawara: **
Já muitas vezes o dissemos: a confiança no flasback robotiza e cria previsibilidade na acção narrativa, pois está dependente da estrutura "escondimento-revelação". Para sermos mais precisos, o facto do passado avançar ou clarificar o presente torna, tanto um tempo como outro, carentes e fracamente substanciais, se encarados individualmente. Por isso mesmo, um bom filme de flashbacks é aquele que escolhe bem os elos de ligação. Na verdade, Forget-Me-Not tem certas particularidades que enriquecem a tal recorrência constante ao passado. Por exemplo, a perda progressiva de visão da protagonista aponta para a necessidade urgente de reconstruir as imagens da infância, afinal, sublinhando nesse processo a particularidade da memória: a arquitectura de imagens mentais, prescindíveis de visão. No entanto, Hiroshi Sugawara muda o ângulo diegético e rapidamente a tragédia da guerra e os avisos às novas gerações contaminam os relatos e as memórias mais pueris, mas não menos verdadeiras. O filme não encontra muito bem o seu terreno dramático e deixa-se levar pela mensagem anti-militarista, esquecendo um pouco a busca de memórias significativas sem a fatalidade de um trauma.



The Dark Harbour (2009) de Takatsugu Naito: ***
Para apelidarmos esta estreia de Takatsugu Naito de filme mudo não seria, de todo, necessário substituir os parcos diálogos pelos famosos intertítulos. De facto, The Dark Harbour faz-se exprimir na linguagem do cinema pré-sonoro, veja-se o seu humor maioritariamente físico, o seu sentido de dramatismo silencioso (com as sensações sempre amparadas pela corporalidade) ou ainda certos planos abertos (ou de ambientação) dignos dos clássicos. Naito consegue, pois, nesta aventura (des)amorosa reinventar uma gramática perdida sem recorrer à citação ou ao excesso da mímica. Trata-se, pelo contrário, de um filme silencioso, mordaz e gentil que pega na figura icónica do solitário infeliz (e todos os heróis japoneses são solitários) e sujeita-a ao crivo dos enganos e das desilusões. Podemos dizer que há aqui qualquer coisa de alegremente contagiante mesmo quando os desenlaces não são propriamente reluzentes.



It's Me, It's Me (2013) de Satoshi Miki: 0
O novo filme de Satoshi Miki inclina-se, de inicio, para situações absurdas, mas ontologicamente desafiantes. Um jovem finge por telefone ser filho de outra pessoa, pedindo dinheiro para pagar um suposto acidente de carro. Mais tarde descobre que se tornou, realmente, filho dela. A proposta de Miki começa por ter um charme cómico e não nega jamais as suas escolhas mais bizarras (ouça-se, por exemplo, a banda sonora: a melhor maneira de a descrever seria Bach em sintetizador). No entanto, o seguimento da premissa inicial é demasiado idiota, incompreensivelmente futurista e hipotética. Crê tanto na teoria de conspiração que despreocupa-se quanto ao sentido narrativo e ignora a potencialidade que o tema da (perda de) identidade tinha. No final, ficamos com a sensação que a ideia original poderia ter sido desenvolvida e concluída de uma maneira muito mais digna e intelectualmente estimulante, sem parvoíces, hiperbolismos desnecessários e irritantes mudanças de tom e foco.



The Great Passage (2013) de Yuya Ishii: **
Yuya Ishii é um cineasta que beneficia da lentidão para gravar uma certa progressividade natural das emoções e idiossincrasias dos personagens. Claramente, The Great Passage tem uma aparência e um cast digno de superprodução, o que contraria as orientações mais modestas e independentes (nuns casos, estapafúrdias) do jovem cineasta. Algumas coisas mudam, mas outras permanecem. Ishii, aparentemente está mais emocional e menos ácido, mais"clássico" e menos alternativo a descrever. Não cede, todavia, a ritmos mais velozes, nem a  tiques próprios do cinema comercial. O grande problema aqui é que joga-se demasiado no seguro e mesmo uma sensação tradicional, psicologicamente falando, deixa-nos com personalidades e problemáticas, por vezes, unidimensionais. Nem tudo são más notícias. Realmente prazerosa é a maneira como Ishii descreve, não só o processo de criação lento e dedicado de um dicionário (nunca mais vou ver os dicionários da mesma maneira!) mas também o papel do significado das palavras na vida, já que a linguagem tem vida (porque resulta de um processo aberto e dinâmico de comunicação). Se o papel do editor é ir ao encontro das próprias palavras, capturando-as, então todos estes personagens têm o seu quê de caçadores selvagens, pequenos nefelibatas à procura de fixar a magia da linguagem. De facto, Ishii sempre filmou personagens estranhamente engraçados.

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