19/04/13

Fragmentos de 2013/04/19



The Thick-Walled Room (1956) de Masaki Kobayashi: ****
Foram várias as vozes que se levantaram contra a saída deste exercício polémico (escrito por Kobo Abe e rodado em 1953), apenas lançado nos cinemas pela Shochiku três anos depois, em 56. Quem se dignou a procurar e a indagar o espírito de algumas das obras de guerra do princípio dos anos 50 (como por exemplo, Tower of the Lilies ou Listen to the Voices of the Sea) perceberá que não foi apenas a visão negativa e negra da 2ª Guerra que causou a censura efectuada pelos donos do estúdio. Foi sim, um olhar psicótico e doentio (comparado nos diálogos a uma loucura colectiva) sobre, por um lado a ocupação americana, mas igualmente no quotidiano à beira de colapsar dos "criminosos de guerra". Também aqui Kobayashi separa as àguas e relata, com argúcia de documentarista, a injustiça perante estes soldados que apenas obedeciam a ordens e não eram directamente responsáveis pelo conflito, mas que ainda assim eram obrigados a prestar contas face a uma nova justiça, instalada pelos vencedores. Neste marasmo total, acrescenta-se ainda o flashback como dispositivo de denúncia de incidentes bélicos, prova de que os espaços fechados das celas e dos quartos prisionais apenas fazem surgir, com maior força e evidência, os traumas e a brutalidade das experiências de guerra.



She and He (1963) de Susumu Hani: ****
Normalmente não costuma ser hábito tratar aqui de revisões, mas apenas filmes vistos pela primeira vez. Ora, recentemente fomos brindados com um remaster transmitido pela televisão japonesa de um dos filmes mais lendários e raros de Hani, filme esse cujo visionamento até à data só podia ser conferido ou nas esparsas retrospectivas da sua obra ou através de um antiquíssimo VHS com a imagem completamente enevoada e umas legendas quase impossíveis de ler sem esforço. Por desespero e curiosidade histórica, na altura assisti a esta última versão na esperança de algum dia poder ver o filme com todas as condições necessárias. É por isso que este visionamento de She and He não é meramente um revisionamento, mas uma nova e única descoberta de algumas intuições e memórias vagas que já carregava dessa visitação de há uns anos a esta parte. É um relato cruzado que vai desde uma descrição linear da vida de um casal burguês e da sua vivência num complexo de apartamentos nos subúrbios a momentos completamente transfigurados, dignos de presságio, revelação e assombro sobre essa mesma vida quando cercada pela pobreza. Outra figura omnipresente no universo de Hani são as crianças, e aqui elas surgem nos descampados desérticos, brincando de forma selvagem no meio de um cenário em tudo contrário à suposta prosperidade e riqueza dos anos 60. Ficou realçada a extraordinária plasticidade de Sachiko Hidari, a dona de casa que se vai encontrando na própria observação da miséria à sua volta. A câmara de Hani - à semelhança da de Antonioni - faz, por isso, uma ligação exímia entre a componente disposicional e a ambiência das paisagens. Ou melhor, filma-se o impacto das diferenças sociais sem qualquer tipo de intenções políticas que passem por soluções linguísticas, apenas mostrando, por imagens, o confronto inexorável do homem com o seu meio ambiente.



This Window is Yours (1994) de Tomoyuki Furumaya: ***
Sete anos separaram esta talentosa estreia de Furumaya do seu mais conhecido Bad Company (2001) e tanto um como outro exercício reflectem um interesse em filmar a juventude sem grandes artíficios, pese embora as óbvias diferenças de intensidade (Bad Company demonstra um pessimismo acutilante ao contrário deste singelo The Window is Yours). No que diz respeito à estilística, até se pode dizer que Furumaya adopta alguns tiques de um Shinji Somai, a saber, uma filmagem intíma dos "amores" com recurso não só a planos-sequências respirados (embora não sejam tão radicais e exímios como na obra de Somai) como também um uso quase obsessivo do silêncio e de brincadeiras semi-inocentes para se aceder a um processo particular de crescimento que já não é infância, nem tão pouco idade adulta. Também à semelhança de um Typhoon Club, os adultos são inexistentes (exceptuando um único) e essa sua ausência projecta no mundo filmado, rural e jovem, uma aura onírica e de sonho que reforça o carácter meio dormente do fim do Verão, uma miragem de um adeus permaturo, sem aviso prévio ou esforço de resgate. Fora dos planos, realço pela negativa a banda sonora com acordes meio blues que desfaza muito as imagens radiosas e exuberantes (embora nunca excessivas) do filme de Furumaya.



8000 Miles (2009) de Yu Irie: ***
Como é raro encontrar um filme que represente adequadamente a esperança das produções independentes: não interessa o dinheiro se há alma! Com efeito, Yu Irie não denigre esta responsabilidade de cineasta independente e prova com uma película de amizade que esta era uma história que merecia ser contada e estes personagens ser filmados. Acima de tudo, o que distingue Irie da geração de cineastas a que pertence é o seu humor refinado que se resume no desconforto que os seus personagens têm de passar quando confrontados com a sociedade e os outros, simulacros destrutivos dos seus sonhos. Nesta acepção, o uso subtil de longos planos sequência (o plano final é uma lição de cinema e acting) não reforça apenas o naturalismo da sua visão, como preenche de análise psicológica os planos: revela, a par e passo, a incompreendida mas amável originalidade e extravagância dos seus personagens.



Vampire (2011) de Shunji Iwai: *
Era este o filme que esperávamos de Iwai, depois de sete anos de quase silêncio e surdina? Sobretudo, era isto que queriamos? Somos aqui espectadores de um estilo totalmente reconhecível (com laivos da grandeza de outrora) mas fatalmente entregue a um exercício inócuo que filma o ennui da existência com uma displicência adolescente - os suicídios mais não são do que manifestações do grande tédio que é a vida. Sim, porventura seria impossível pedir às imagens cuidadosamente gélidas de Iwai que fossem mais do que um mero adorno para tão desinteressante e tautológica narrativa, com momentos bastante ridículos e despropositados como o encontro com um assassino idiota que jamais é chamado à coacção, ou, por exemplo, o vício sentimental inexplicável e parvinho da estudante a polícia pelo protagonista. O pior é que decididamente as marcas formais de Iwai vão surgindo aqui e acolá, mas tudo parece impregnado por um vício de auto-citação sem referencial, repetindo alguns planos de outros seus filmes ou usando inclusivamente alguns monólogos e o som do piano solitário (estrutura que funcionava tão bem no seu All About Lily Chou-Chou mas que aqui se desgasta nos primeiros segundos) para tentar aprofundar os seus personagens. Pois bem, nada se apreende aqui senão superfícies a prometer um fundo desvendado. Tudo está cansado, esgotado. Não é um filme acerca de personagens distantes, é um filme distante. Não é um filme em que nada há para dizer, é um filme que muito pouco ou nada tem a dizer. E depois, lá pelo meio, temos alguns planos que enchem a vista. Mas a mente pede mais...



Monsters Club (2011) de Toshiaki Toyoda: ****
Eis que o cineasta prodígio contra-ataca com um pequeno (só em duração) filme que relata a odisseia interior de um bombista isolado do mundo e da sociedade moderna. Tal cenário permite a Toyoda imprimir um ritmo pausado, porém altamente hipnótico onde o nosso personagem se defronta com os seus fantasmas e o seu próprio ideal romântico de revolução. É um filme de isolamento(s) radicais, quer temática, quer esteticamente, mas é também um exercício denso que carrega em si uma necessidade inultrapassável de comunicação, depois de negadas todas as estruturas de afecto, esteja essa necessidade figurada no personagem principal ou no modo como o próprio realizador (e qualquer artista) se reencontra numa afirmação como "with loneliness, you'll make music". Mais tocante e incrível do que estas vagas palavras é a própria sequência final, rasgo autoral de imagens em câmara-lenta com um monólogo poético, acompanhado pela música celeste das guitarras, típicas de uma montagem à Toyoda. Mais uma vez, filmão!



Outrage Beyond (2012) de Takeshi Kitano: ***
Kitano, encarnando pela segunda vez Otomo, diz a certa altura em Outrage Beyond que está velho demais para se meter em alhadas. E, no entanto, esta sequela do seu estranho mas iconoclasta Outrage mais não é do que uma fiel repetição dos esquemas de poder e das várias trafulhices dos yakuzas sedentos por ambição, desta vez a uma escala maior e com a violência hilariante do primeiro filme abrandada e escondida na maior parte do tempo (o que muitas vezes significa pior entretenimento). O que interessa a Kitano são sobretudo as várias tensões, jogadas e mudanças de estatuto dos brutos mafiosos: chega mesmo a ser notória a maneira como se encena tudo disto, de forma ainda mais mecânica e despojada, como se de facto o próprio Kitano - à semelhança do seu personagem - fosse forçado a "limpar" o que tinha ficado para trás no seu percurso como realizador/mafioso. Mas, ao contrário do fulgor e da energia quase tresloucada do primeiro Outrage, aqui Kitano parece cansado, até mesmo entediado por todo o mundo previsível e buçal dos yakuza, como personagem e como realizador. Otomo não deixa ninguém de pé, mas ele próprio parece cambalear. Obrigado ou não a destruir tudo à sua volta, Kitano não perdoa nada nem ninguém (maioritariamente o espectador), porque, afinal, da sua trilogia desconstrutiva a estes dois capítulos vai apenas um pequeno passo.

08/04/13

Fragmentos de 2013/04/08


Flag In The Mist (1965) de Yoji Yamada: ***
Os onze filmes que separam a estreia de Yoji Yamada com Nikai no Tanin (1961) à referência da comédia popular com o primeiro capítulo de Tora-san (1969) são totalmente desconhecidos pelas audiências e crítica ocidental. O que fez, portanto, Yamada antes de Tora-san, durante os anos 60? Era a pergunta que se mantinha. Podemos compreender que a carreira do realizador se dividia entre, por um lado, os thrillers à Yoshitaro Nomura (no qual este Flag In The Mist se enquadra) e, por outro, exercícios coloridos e caricaturais, embrionários já da figura castiça interpretada por Kiyoshi Atsumi (a trilogia Baka, rodada toda no ano de 64 é um excelente exemplo destas comédias). Ora, Flag In The Mist é como dissemos um filme de frissons, um policial com misturas de vendetta. Quem esperaria pela linguagem calorosa, familiar e feliz da obra de Yamada encontrará aqui uma intriga mais pesada e contrafeita a finais felizes (que estranhamente foi popular o suficiente para ser alvo de um remake, dez anos mais tarde, por Katsumi Nishikawa). É um filme decente, com uma cinematografia sem exageros, mas afiada quando tem de ser, e que conta com uma interpretação boa de Mistuko Baisho, a Sakura de Tora-san, aqui diametralmente oposta à gentileza pueril que a caracterizou nessa saga lendária.



Fairy In a Cage (1977) de Koyu Ohara: *
Curioso como mesmo aquela que foi considerada uma das produções mais polémicas e chocantes no seu erotismo bárbaro não prescinde de uma leitura histórica mínima que é comum à esmagadora maioria dos filmes de guerra. Pasolini fez uma coisa semelhante com os 120 Dias de Sodoma de Sade, ou seja, politizou os instintos de degradação sexual do próximo, pulsões essas que costumam aparecer na vida como apolíticas. Ohara - se bem que muito menos astuto - também tornou monstros os militares que estiveram por detrás do entusiasmo bélico da Segunda Guerra. A despeito de não haver nenhuma cena de batalha e o filme ser exclusivamente povoado por torturas físicas misturadas com maldade sexual, todas as culpas da decadência do período entre guerras estão subrepticiamente atribuidas aos dois militares que abusam descaradamente do seu poder, castigando uma mulher inocente e um actor afeminado de kabuki - demonstração última da degradação dos instintos militares e masculinos. Ohara herda, porém, um paradoxo que Pasolini tinha suspendido e que não é alheio à gramática até do filme de guerra: a descrição extensiva dos males (sexuais, bélicos, etc.) gera um espectador em sentido contrário à mensagem de denúncia ou crítica, pois ele quer explorar, ver, sentir aquilo que se denuncia. Este é o límite da crítica em cinema.



Gelatin Silver, Love (2009) de Kazumi Kirigami: *
Qual será o resultado final da transposição de um talentoso fotógrafo (Kazumi Kirigami) para o mundo da imagem em movimento? Persistência e criação de imagens poderosas contrapostas a um esvaziamento completo de intenções e argumento. Não se trata apenas da lentidão natural e do ritmo vagaroso - características que podem, de facto, fazer realçar tantas outras qualidades, nomeadamente, a atmosférica - mas de uma incapacidade categórica em aprofundar a psicologia do seu protagonista, um peeping tom fascinado com uma mulher misteriosa. Não basta a dimensão pictórica, pois tudo no outro domínio é opaco e embrutecido, e podemos dizer que, chegado o final, observámos apenas sequências de fotografias em movimento, cuidadas e bem construídas, mas cuja intensidade e relação com o seu seguimento carecem fatalmente.



Flowers (2010) de Norihiro Koizumi: *
O cinema japonês sempre representou o feminino, isto é um facto. Porém, através de um olhar cuidadoso, percebemos que não foi sempre um cinema sobre mulheres de carne e osso, e mesmo quando o era, tornava-se inevitável que ele fosse produto de uma visão masculina, que dificilmente conseguia visar as mulheres sem uma quantidade de predicados (os da beleza e da pureza de carácter) que as restringiam. Já Kiju Yoshida, um cineasta que nunca deixou de contrariar esta tendência subreptícia de representação dos sexos, dizia recentemente numa entrevista que: "But when you go down to the level of the individual reality of human beings, there is no abstract idea of man or of woman. There are just concrete man and concrete woman, each looking at the other from a point of view with certain individual distortions". Ora Koizumi no seu terceiro filme (depois do intragável Midnight Sun e do tímido Wrestling with a Memory) não consegue escapar a essa limitação temática. Na verdade, as seis mulheres deste Flowers (veja-se como o título já representa o lugar-comum da suprema graciosidade do feminino) estão todas a representar a mesma coisa, a sua aparente multiplicidade não é mais do que uma ilusão. Não deixa mesmo de ser algo perversa a maneira como Koizumi, ao construir imagens clássicas e de inspiração quase simbólica e nacional (os comboios, as flores de cerejeira, etc.) as faz puxar, através de um reconhecimento cultural e colectivo, para narrativas, pretensamente poéticas e essênciais, onde a mulher se confronta sempre com os problemas específicos do seu género (casamentos por encomenda, morte de um amante, gravidez, maternidade e educação dos filhos, etc.). Apesar de um sentido estético apurado, as protagonistas deste filme tautológico e pouco honesto podem ser vistas como pequenos postais de optimismo reluzente, ou melhor, imagens cristalizadas de um ideal de feminino que não se sujeitou, quiçá, ao exame da realidade.



Saudade (2011) de Katsuya Tomita: ***
Representar com a máxima fidelidade os problemas sociais da emigração não era tarefa fácil. Não é por acaso que raramente um cineasta, sem exageros e falsos truísmos, se propõe a fazê-lo de maneira a que desenvolva as razões reais e dramáticas da incomunicabilidade entre os estrangeiros e os nativos (mas não só esses, todos os humanos). Aliás, o título desta longa proposta de Tomita - um ex-camionista tornado cineasta -, Saudade, deixa antever tudo: se a palavra pode significar, em primeiro lugar, a expressão portuguesa intraduzível para outra língua, a mesma sonoridade pode para um japonês ser confundida com o nome Sanno Dachi, o complexo de apartamentos que alberga a comunidade forasteira de emigrantes (brasileiros, filipinos, tailandeses, etc.). É sempre nesta exploração de uma duplicidade de perspectivas (e perspectiva querendo dizer o conteúdo de significado de um olhar sobre uma mesma coisa) que a as aventuras destes personagens atípicos e complexos incidem. É até mesmo esta multiplicidade de histórias, visões, tomadas de posição e angústias que faz que Tomita não patrocine directamente uma ideologia cerrada, mas ao optar por deixar correr estas narrativas fragmentárias, a esperança é que se consiga iluminar pelo menos uma verdade: nos subúrbios do país mais moderno do mundo, esconde-se uma tristeza, um sentimento primitivo de saudade que não escolhe o seu objecto nem a sua nacionalidade.



Tokyo Park (2011) de Shinji Aoyama: **
Aoyama neste seu novo filme não faz mais do que apresentar um cinema de estilhaços. A sua câmara, que outrora tinha alcançado momentos de depuração estética tão cerrados como em Eureka ou até mesmo o subestimado Crickets, agora está envolta numa fibra de gentileza e leveza, uma falta de complicação pseudo-complexa. Ou melhor, um pôr tudo no mesmo plano, com a mesma intensidade de proménade, que decididamente enfraquece a unidade narrativa, separando-a da construção psicológica dos seus personagens, aqui mais libertos do que nunca. Dir-se-ia que essa pulverização dispersa, que no limite mistura pinceladas de fantástico num ritmo ajuízado, é uma maneira mais adequada de viver a realidade própria dos seus espaços e intenções fílmicas. E, de facto, certos "momentos" de Tokyo Park, mas não mais do que certos momentos, demonstram a destreza de um cineasta subtil, como Aoyama sempre foi - mesmo nos momentos mais radicais da sua carreira. Mas tudo isto não perdoa certas inadequações estilísticas, por exemplo, uma fotografia demasiado pragmática, ver televisiva, e alguma música desconfortável e invásiva.



The Drudgery Train (2012) de Nobuhiro Yamashita: ****
De início, o novo filme de Yamashita tem uma semelhança incrível com as suas primeiras três obras (Hazy Life, No One's Ark e Ramblers), isto porque, tal como nessa trilogia, conta com três personagens disfuncionais (quase sempre dois rapazes e uma rapariga), nomeadamente um chamado Kanta, e a narração vai descrevendo a sua rotina bizarra e sem grande capacidade monetária. Era um cinema com um humor refinado que brotava de situações inesperadas e de um ou outro personagem meio sorumbático, mas assim que dizia qualquer coisa a outro, tinha espontaneamente piada. Não esqueçamos que Yamashita, mesmo posteriormente na sua carreira, filmou sempre relações de amizade: desde Linda, Linda, Linda até ao seu último filme, My Back Page que não deixou de procurar a intimidade inter-subjectiva, mas também os seus problemas. Em Drudgery Train, continua-se esse legado, mas mantêm-se a estética morna, demorada desses primeiros filmes. A isto - talvez pela presença de Shinji Imaoka no argumento - adiciona-se um crescente isolamento de um dos personagens, Kanta, que várias vezes para se evadir da sua solidão recorre a peep-shows entre outros actos rotineiros como espiar o seu amor não correspondido pela vitrine da livraria do bairro. Muitas vezes, dei por mim a pensar que estava a ver um filme pink sem sexo, isto é, que mesmo nas cenas supostamente sexuais, não dispensa de uma componente radical de esbatimento que vai oprimindo cada vez mais todo o ambiente meio desolado e solitário do seu personagem. Ao começo bem-disposto e humorado vai-se fechando progressivamente o cerco à volta de Kanta (mas também à volta da própria assinatura autoral de Yamashita) e parece mesmo que apenas o pessimismo triunfa. No entanto, até nesses momentos de desespero, a mise-en-scène toma um registo de sadismo cómico que encerra a incapacidade do ingénuo e básico Kanta se relacionar (ou dos outros se relacionarem com ele) numa espécie de contradição. Sorrimos com a sua desgraça, mas não queremos a sua ruína.