11/02/15

Fragmentos de 2015/02/24



Capricious Young Man (1936) de Mansaku Itami: ****
Dos três chanbara que sobreviveram da obra de Mansaku Itami, Capricious Young Man foi o que mais conservou a maior parte da sua duração original e é por isso, hoje, considerada a sua obra seminal. Itami, cineasta mais comentado do que visto também devido à escassez daquilo que nos foi deixado da sua obra, era bastante cúmplice de outro realizador que, à sua maneira, também contornou certos códigos que regiam os filmes de sabre da altura, Sadao Yamanaka. Ambos recusaram o grande dramatismo vistoso, prática comum que vinha influenciada grandemente pelo teatro, e ora silenciavam o poder e a exuberância das lutas, ora administravam-no de maneira a poder oferecer heróis mais pessoais e íntimos (até mais vulgares no caso), mais poéticos e menos épicos. Capricious Young Man ficou conhecido por algumas escolhas formais exóticas que nada envelheceram mas infelizmente não fizeram escola nas obras subsequentes do género. Falo, certamente, dos fades no interior do plano à Hiroshi Shimizu (o gato bebé que vira gato crescido em poucos segundos) e certos enquadramentos engenhosos: o uso tanto profícuo das pans (enquadramento preciso no virar da câmara) como magnânimo no caso das plongées, simultaneamente no princípio (os guarda-chuvas circulares que parecem mover-se, por si sós, à chuva) como no final (na batalha sem ruídos onde a agonia da vítima é contraposta à reacção de pânico da turba). Outra escolha desviante acontece com a banda sonora. Em vez da tradicional faixa musical que acompanhava os benshis nas suas narrações (e que é facilmente reconhecida pelo seu japonesismo), Itami escolheu compositores clássicos para ilustrar certas imagens do seu filme. No início, o prelúdio da gota de água de Chopin acompanha a melancolia da noite chuvosa, no combate final (o único combate deste chanbara praticamente sem espadas nenhumas) Beethoven compensa o mutismo das vozes e na cena da reconciliação, Mendelssohn fecha as hostes com o famosíssima marcha nupcial. Capricious Young Man usa estes dispositivos para imprimir uma sentimento de modernidade cinemática. Um marco, sem dúvida.



The Two Musashis (1960) de Kunio Watanabe: **
Bastantes vezes adaptado para cinema, o romance que Eiji Yoshikawa escreveu nos anos 30 sobre Miyamoto Musashi várias vezes se confunde com os escassos dados biográficos que temos do lendário espadachim, chegando mesmo a substituir toda a verossimilhança histórica para melhor desenvolver dramaticamente a psicologia e o carácter do herói. Ao longo da história do cinema japonês os argumentistas/ realizadores habituaram-se a configurar uma dimensão acima de tudo hermenêutica, com grande espaço para interpretações livres e todo o género de modificações, quer do material original de Yoshikawa, quer dos acontecimentos reais da vida de Musashi. Mesmo assim, quem esteja remotamente familiarizado com as adulterações cinemáticas do nobre samurai poderá ficar perplexo com a remodelação kitsch que Kunio Watanabe executava com The Two Musashis para a Daiei. Trata-se da fabricação de uma realidade paralela em que alguns momentos e personagens cruciais do romance são mantidos (por exemplo, Sasaki Kojiro, o arqui-inimigo), ficando a faltar apenas o próprio Musashi Miyamoto que aqui não é uma entidade, mas duas. Custa a perceber tal escolha exótica, principalmente quando o crescimento a e dualidade interior de Musashi (de rebelde sanguinário a guerreiro competitivo mas espiritual) basicamente é dividida irmãmente entre os dois, criando dois personagens extremamente unilaterais até na relação um com o outro. Senão veja-se: Hirate Musashi (Kazuo Hasegawa) representa a versão estóica do Musashi que reconhecemos nos capítulos finais da obra original, Okamoto Musashi (Raizo Ichikawa) é a personificação do primeiro Musashi selvagem que vê nas lutas de sabre uma oportunidade de se superiorizar e ser famoso. Esta estrutura de desmontagem não traz praticamente nada de novo a não ser um sentimento de déjà-vu claramente modificado e feito de forma a poder encaixar com a narrativa pouco complexa e sem grandes momentos marcantes. As batalhas são competentes, o acting também, mas The Two Musashis não deixa de ser apenas mera curiosidade quando comparado com as versões "sérias" (ainda que questionáveis quanto à sua autenticidade) dos grandes mestres.



Fighting Tatsu - The Rickshaw Man (1963) de Tai Kato: ****
Ao fim de tantos e numerosos casos, já sabemos que Tai Kato não prevarica. As suas adaptações costumam construir ligações verdadeiramente únicas com o material original e este caso não é excepção. A narrativa de Tatsu reporta-nos, portanto, aos dois clássicos de Hiroshi Inagaki (uma versão a preto-e-branco em 1943 e outra, a cores com Toshiro Mifune, em 1958), contos humanistas de resiliência e afectividade em que nos emocionamos com um castiço e iletrado condutor de riquexó que se apaixona por uma mãe viúva e acaba por desempenhar as funções de pai da criança. Esta qualidade intrínseca da espontaneidade (o bom selvagem, se quisermos ir mais longe) não começa nem acaba com Inagaki e é uma constante de certos personagens-tipos japoneses (podemos encontrar esse ideal de pureza na figura de qualquer baka que tem um nobre coração a despeito de não ter quaisquer modos). Ora, se Tai Kato, com a sua maneira heteróclita de escrever personagens, não quisesse radicalizar o carácter tosco de Tatsu e do mundo à sua volta (digno de uma paródia das regras do ninkyo e muito mais da fonte original de Inagaki) como poderíamos explicar a atmosfera completamente caótica onde tudo se move contra qualquer vestígio de lógica e bom senso e tudo vêm das intuições brutas e do mundo das sensações? Sublinho mesmo tudo, senão vejamos: o que é, por exemplo, a paixão incompreensível de Tatsu por Kimiyakko, (tão "à primeira vista" que qualquer comparação com a nobreza do amor na versão de Inagaki é risível), senão a prova de que qualquer sensação elevada não se resume ao racionalismo de regra e esquadro e é, antes produto de um universo misterioso onde rudeza e excelência se unem? É esta a estética de contrastes de Tai Kato, o seu anti-humanismo: ele distende as diferenças de modo a deixá-las coexistir em planos diferentes e se as deixa tocar esporadicamente não o faz por uma questão de conteúdo, mas por uma questão de forma. Veja-se o rigor e a ousadia de certos planos, veja-se a tentativa de transfigurar todas as imagens, conferindo-lhes uma dignidade estética muito distante da genialidade cómica dos personagens e das situações, que ao mesmo tempo também estão lá. Maravilhemo-nos com os low-angles, com os planos em 360 graus, com a iluminação espantosa e cerebral, mas não esqueçamos o mundo por ele descrito, um mundo sem regras definidas onde o coração conta sempre mais do que cabeça. Fighting Tatsu deixou-me literalmente a aplaudir a cena final, fusão de todas as contradições num formalismo perfeito.



Where Spring Comes Late (1970) de Yoji Yamada: ****
No final de Home From the Sea, uma família, unida na desunião, apanhava o barco e despedia-se da terra natal, tomando em conjunto uma decisão da qual ficava por saber se realmente era a mais acertada. Rodado dois anos mais cedo, Where Spring Comes Late - "Família" se traduzirmos literalmente o título japonês - começa onde o outro acaba. Uma família (curiosamente os mesmos actores nucleares nos dois filmes: Hisashi Igawa como marido, Chieko Baisho como esposa e Chishu Ryu como avô) logo no início prepara-se para abandonar as raízes de Nagasaki, no sul, e fazer uma longa viagem de êxodo até ao fim do Japão, na sua extremidade mais a norte, em Hokkaido. Lá, ouviram dizer através de um conhecido, existe muito trabalho agrícola e pecuário por fazer e a família pode esperar melhores condições do que as que conheciam no sul, onde talvez a mecanização do trabalho e o excesso de população obrigava a uma tal reorganização e redistribuição. A verdade é que Yoji Yamada trabalhou recorrentemente com seres errantes, certos nómadas que abandonam o local onde pertencem e, ou dificilmente constituem uma nova casa na adversidade, ou nunca chegam a substituir essa referência (o vendedor ambulante Tora-San, que viaja constantemente sem destino mas volta de quando em vez à sua família em Shibamata, está evidentemente inserido no segundo caso). De todas as formas, Where Spring Comes Late não vive só da nostalgia do lar. O seu espírito comovente é construído a partir dos esforços de coordenação familiar numa viagem que provavelmente vai ceifar mais coisas do que concede. É um filme passado quase exclusivamente em trânsito, no "ir" apressadamente para algum lado: em gares à espera, em comboios, onde nas janelas podemos observar o Japão moderno e desoladamente industrial, em locais repletos onde a gente se perde... Há quase um simbolismo melancólico na forma como se filmam as grandes cidades, por exemplo, Osaka e Tokyo. A dimensão urbana que esmaga esta família não se apresenta épica ou grandiosa, mas profundamente infernal e asfixiante: veja-se isso no, por vezes, excessivo uso de "establishing shots" de prédios, chaminés, postes que aqui não introduzem cenas, mas contrastam a cidade deserta por ter muita gente e a ruralidade presente nas memórias dos que viajam. Osaka é o local da grande exposição que eles não chegam a visitar e Tokyo o último lugar das almas, o último reduto da inocência (e se lá morre um bebé não será por acaso). Este é talvez um dos mais duros filmes onde Yamada descreve o lento esgotamento e mortificação dos esforços destas pobres almas, mantendo ainda assim uma postura lúcida que permite tornar possível a redenção quando as coisas mais preciosas são tiradas.



Aesthetics of a Bullet (1973) de Sadao Nakajima: ***
Corria o ano de 1973. No mesmo ano em que o grupo terrorista da Japanese Red Army assaltava o famigerado avião 404, sequestrando os seus passageiros, e a irmã Agnes Sasagawa avistava em Akita uma Nossa Senhora com feições orientais, assistia-se, em simultâneo, a uma mudança de cânone no chamado yakuza eiga. A Toei tinha esgotado a tradição dos Ninkyos e preparava-se para renovar a estética das suas produções, adoptando um pessimismo realista a que se resolveu chamar Jitsuroku, literalmente registo real, contrapondo ao romantismo ideal e irreal dos seus predecessores. Meses antes de Kinji Fukasaku propor ao estúdio o plano que viria a ser conhecido por Battles Without Honor and Humanity e revolucionar oficialmente (e o itálico é importante no oficialmente) o género, Sadao Nakajima via ser rejeitado um projecto da sua autoria. Era um filme sobre um vendedor ambulante de coelhos que virava hitman e mergulhava numa vida arriscada e sensual, acabando - como a maior parte dos anti-heróis dos Jitsuroku - traído e na penumbra. A razão da recusa ainda hoje é um mistério, mas isso permitiu a Nakajima procurar a produtora indicada: a Art Theater Guild que estava sempre pronta a auxiliar criadores dissidentes (ainda que temporalmente) da indústria. Com um orçamento mais modesto e, porventura, com maiores dificuldades de produção, reuniram-se dois actores (Tsunehiko Watase e Miki Sugimoto, a última vinda directamente das produções pinky-violence da Toei), uma banda-sonora jazzística e rockeira (Brain Police à cabeça) e a assinatura de um realizador de estúdio. O resultado é bastante positivo, não só por esta qualidade antecipatória até da obra de um Fukasaku (vejam-se certos planos com câmara à mão, tão típicos desse cineasta), mas porque acaba por ser uma versão mais intimista e pessoal da vida de um rufia que sobe a escadaria da delinquência (a mesma simbologia presente no poster de Kirishima, o monte que Deus desceu) até às últimas consequências. O personagem de Watase tem também a mesma especificidade que encontramos nos selvagens mafiosos interpretados por Bunta Sugawara mais tarde: homens desprovidos de grande inteligência que se movem segundo o seu instinto, que é bruto, animalesco porém simultaneamente naif e infantil. Esta duplicidade do herói não é julgada e até poderíamos dizer que existe, em certos momentos, um culto dessa personalidade como se se elogiasse a transparência do carácter, acima de quaisquer suspeitas e actos menos honrosos. Na verdade, talvez o momento mais desconcertante de Aesthetics of a Bullet (que faz das luzes bruxuleantes dos bares, das pistolas, dos quartos de hotel, dos aviões e das ruas sujas um mosaico de beleza) é aquela contraposição - eu diria quase digna de um Koji Wakamatsu - que surge quando Watase tem o seu segundo encontro sexual com a sedutora Miki Sugimoto e as expressões de vigor e prazer do casal são contrastadas com manifestações estudantis violentas, já raras em 1973 e tão presentes nas primeiras obras dos realizadores que firmaram a ATG (Oshima, Wakamatsu, Kuroki, et al.). Num desses fotogramas com cores berrantes, chega inclusivamente a aparecer o nosso protagonista ao longe como se houvesse um paralelo inquestionável entre as duas formas de existência: revolucionários, hitmans, yakuzas, todos vivem na imediatez das suas convicções. Essas vidas que no fio da navalha terminarão de modo amargo deixam vislumbrar os últimos sonhos gloriosos e as últimas vontades não satisfeitas. Aesthetics of a Bullet termina como qualquer jitsuroku: fechados em si mesmos, cometas incandescentes a desvanecer no fim da tarde.



Puppets Under Starry Skies (1978) de Hojin Hashiura: ****
Perturbadamente desencantado, Puppets Under Starry Skies foi o filme que inaugurou a carreira curta e misteriosa de Hojin Hashiura, cineasta cuja obra contêm apenas três filmes, dois deles produzidos pela mítica Art Theater Guild e um (este que aqui falamos) apenas distribuído pela mesma companhia independente. À primeira vista, Puppets é um tratado sobre a languidez de uma juventude marginal como aliás eram muitos filmes saídos com o cunho da ATG por volta desta altura. Aparentemente, as motas, os gangues, a maneira estereotipada e libertina como os rufias se comportam, por exemplo nas cenas iniciais, fariam pensar num desfecho em que a violência seria exteriorizada ao máximo. Ao contrário, porém, da maior parte das fórmulas mais chocantes desses filmes sobre mocidades criminosas, aqui encaixam-se várias vozes e várias camadas que desembocam na mesma tendência para a introspecção e para o silêncio desconcertante. Aliás, um dos primeiros planos (Hideo, o nosso motoqueiro, isolado dos seus companheiros vê-se num espelho quebrado) põe logo em evidência este fechamento interior e esta contenção radical nos gestos. Perceberemos ao longo da narrativa que o trio de marionetas (marionetas do destino e da sua triste sorte) têm problemas que extravasam a simples rebeldia sem causa. São elas Akemi, uma ninfomaníaca grávida de pai desconhecido; Hiroshi, um andrógino homossexual, snifador de cola, que julga não ser deste mundo (prepara o seu suicídio e sonha fundir-se com o infinito do espaço) e, finalmente, Hideo. Não há presença mais melancólica do que a de Hideo, talvez por revelar-se tão diferente daquilo que deveria representar. Ele não é um anti-herói, mas antes um anti-herói desconstruído, tão solitário e abandonado como o cão vadio que à chuva entra de esguelha no seu quintal. Ainda assim, num flashback impressionante, chora pela falecida mãe que em vida sempre quis passear ao pé do mar, banhando o seu cadáver nas águas do rio, rio esse que aparecerá insistentemente nas três mortes do filme e simboliza de certa maneira a fronteira ténue entre a vida e a morte. E porque Puppets Under Starry Skies é, afinal, um filme sobre essa mesma fronteira, também Hideo sonhará com os mortos e com os vivos numa cena aterradora de uma beleza lancinante, outra vez à beira desse rio alegórico. Observa, de um lado, Hiroshi e a sua própria mãe entrando no rio da morte, um par que poderá representar os "amores inacessíveis e impossíveis" e, de outro, Akemi e o seu pai, vivos mas fantasmagóricos, concretamente assombrosos, flutuando numa barcaça sobre as águas que dividem a vida e a capacidade de viver. Acabamos poeticamente suspensos na ponte com o cadáver melancólico do que poderia ter sido. Permanecemos na ponte, nas águas de passagem, na indefinição asfixiante.



Be-bop High School (1985) de Hiroyuki Nasu: *
Também remexendo na história do cinema japonês podemos tirar muitas vezes a conclusão de que a a ideia nova é ideia reciclada. Nihil sub sole novum, dizia-se na Bíblia, e poderia igualmente dizer-se de tudo o que vive debaixo do sol e é criação humana. Portanto, Be-bop High School poderia ser muito bem um antepassado de filmes mais recentes como a saga Crows Zero, Drop entre outros, não só por adoptar a mesma postura surreal quanto à violência entre colegas do secundário, mas porque raramente estabelece conexões com os seus personagens que não sejam vistas pela via de uma masculinidade rapidamente previsível, baseada na pose rebelde e na capacidade de intimidação (armada ou não), que, apesar das óbvias limitações, causa tremenda adoração nas raparigas. A sociedade sem pais e praticamente sem professores aponta para um óbvio imaginário manga (é daí que vêm esta transposição) que distingue muito bem o papel dos rapazes e das raparigas: independentemente do que os rapazes façam, serão sempre heróis de cordel para a donzela que os espera (a estreante Miho Nakayama com uma interpretação feminina tão simplista que é sofrível, uma espécie de imitação artificial de todos os tiques ultra femininos dos mangas). Por outro lado, a realização de Hiroyuki Nasu apenas acentua alguma criatividade na violência propriamente dita (cabeças partidas, pauzinhos nas narinas, alunos a voar pelas janelas do comboio, uma retroescavadora que deixa cair um corpo no telhado envidraçado de uma casa) e nunca chega a ser nada de satisfatório. Tanto a fraca direcção de actores como o uso óbvio da música (chega a ser embaraçosa) também fazem deste Be-Bop High School um medíocre exercício de estilo e agressividade.



Fruits of Faith (2013) de Yoshihiro Nakamura: *
Com quatro filmes realizados apenas em 2013, a verdade é que seria irreal esperar de Fruits of Faith uma obra-prima de Yoshihiro Nakamura, esse realizador que tinha feito nesse mesmo ano um dos seus mais recomendáveis filmes, See You Tomorrow, Everyone. Demasiado preso no seu sentimentalismo e demasiado emocional para ser emocionante, a narrativa sobre um "engenhocas" que se dedica à plantação e recolha de maçãs sem usar pesticidas químicos, vai-se transformando, a pouco a pouco, numa fastidiosa experiência recheada de cenas supérfluas, momentos que deviam ter sido encurtados na sala de montagem e que desfavorecem completamente o ritmo, tornando-o desnecessariamente pastoso tendo em conta a simplicidade e a vulgaridade da mensagem. Portanto, este é mais um filme, letárgico quanto a competências cinematográficas, que foca na persistência e nas boas intenções do protagonista em criar o melhor pesticida natural, mesmo que o resultado dos seus esforços chegue tardiamente e ele e os seus tenham de passar por um longo período de penitências e dificuldades financeiras, até finalmente tudo se recompor e juntos perceberem que todo o sofrimento tem a sua paga. Nakamura estende as cenas de forma a explorar, de várias maneiras, os problemas que a família terá de enfrentar pela teimosia experimental do seu dono, mas, como em tudo, se não houver foco, se não existir discriminação, perdermos o fio à meada das emoções e o que deveria ser significativo rapidamente torna-se enfadonho.

04/02/15

Fragmetos de 2015/02/04



A Hero of Tokyo (1935) de Hiroshi Shimizu: ***
Duas dimensões recorrentes surgem ao longo da cinematografia de Hiroshi Shimizu - e tornam-se cada vez mais evidentes quanto mais filmes dele assistimos: o mundo adulto interpretado pelos olhos das crianças, com todas a ridicularização alheia que isso acarreta, e a própria topografia axiológica desse mundo, composto maioritariamente por rígidos julgamentos sociais, isto é, o peso do colectivo contrapondo aos sacrifícios individuais. Hero of Tokyo é um haha-mono que se inicia, justamente, com crianças numa cena tipicamente shimizuana (veja-se o uso do fade dentro do plano como passagem temporal e prenúncio de angústia) onde um grupo de meninos esperam os pais ao pé da linha de comboio e comparam-nos entre eles de acordo com a hora a que eles chegam. Mais tarde, o filme esboçará uma situação de extremo sacrifício maternal enquanto que, ao mesmo tempo, o lado paterno (o responsável pelo abandono do filho) sofre severas críticas numa altura em que tanto se patrocinava uma sociedade patriarcal inspirada na figura do Imperador. O que é certo é que Shimizu não desenvolve muito a personagem da mãe santa que, ao acolher um filho que não era dela e ao vender o seu corpo para sustentar os seus outros dois filhos, acaba por ganhar exclusivamente a simpatia e o respeito do rapaz adoptado. Os outros dois descendentes, um rapariga com um casamento frustrado e um estudante universitário que se dedica à delinquência por descobrir as actividades secretas da mãe, não correspondem ao sacrifício incondicional desta que sempre desejara uma vida moralmente acertada para todos. Talvez o desfecho, como também é apanágio dos mudos de Shimizu (e este foi o seu último) seja a parte mais marcante e a mais subtil de toda a empreitada. Numa cena digna de iconoclastia, filho e pai confrontam-se e o primeiro decide finalmente expor o segundo, derrubando a ordem implícita e a autoridade inquestionável do patriarca que nunca chegou a ser isso. De seguida, planos verdadeiramente silenciosos (num filme já de si mudo) induzem à crítica dos ídolos através da verdade jornalística. Um desenho preso à parede, uma janela das memórias debruçadas, um ardina ao fundo do plano espalhando as notícias, como se a imprensa pudesse proporcionar uma crítica justa das instituições governadas por mafiosos. O herói de Tóquio era o herói do futuro, aquele que escolhia a verdade acima das instituições, aquele que finalmente não chegou ao Japão.



Forget Love For Now (1937) de Hiroshi Shimizu: ***
Dos quatro filmes que Hiroshi Shimizu realizou no ano de 1937, Forget Love For Now pode não ser o mais surpreendente, nem o mais marcante (Children in the Wind e Mr. Thank You costumam ser obras mais consideradas por não estarem tão presas a géneros nem convenções), porém demonstra todo o talento de mise en scène que o realizador nunca prescindiu, mesmo quando em causa estava um melodrama de tonalidades pessimistas, um exercício mais rotineiro e menos pessoal. Yuki, mãe solteira, trabalha num hotel perto de um porto de navios para sustentar o seu único filho, Haru. A criança (figura essencial no cinema de Shimizu - e não conheço realizador que melhor dirigiu crianças!) começa a sofrer represálias cruéis dos seus colegas devido ao trabalho duvidoso da sua mãe: entreter marinheiros e estrangeiros parece pôr em causa a pureza da figura materna. Há planos muito tocantes que reflectem a duplicidade do sentimento do menino perante a rejeição primariamente social dos seus amigos. As reacções são simples, porém convincentes e o mesmo podíamos dizer das emoções sentidas da mãe que assiste silenciosamente à ostracização do seu filho. Um outro misterioso personagem (Shuji Sano) interessa-se por Yuki e pela sua devoção materna e, por momentos, parece ser a porta de saída para os problemas. Não o é, portanto. A conclusão, ao apagar a hipótese de um final feliz ou regular, podia contradizer o estilo minimal e rígido de Shimizu mas estranhamente a tristeza declarada e excessiva é paralisada pela distância não exploratória da câmara. Há outros planos de destaque (por exemplo, quando Shuji Sano esmurra um cliente abusador e o salão enche-se fora do plano quando Yuki se afasta da cena ou o traveling genial que acompanha Yuki e Haru quando este visita a sua nova escola, embaraçado com a presença da sua mãe) nesta obra cheia de surpresas.



The Graceful Brute (1962) de Yuzo Kawashima: *****
O primeiro plano de The Graceful Brute abre para uma varanda que, por sua vez, deixa percepcionar, através das portas envidraçadas e das cortinas puxadas para trás, uma casa normal da média burguesia. Sons furiosos de uma orquestra noh irrompem nos nossos ouvidos enquanto um casal adulto arruma rápida mas minuciosamente alguns objectos domésticos e o homem muda de roupa, como se ambos estivessem a preparar uma grande cena de teatro no palco das suas vidas. Este raccord sonoro, esta referência musical à teatralidade folclórica que pontuará o drama e permanecerá a única banda-sonora possível, estabelece mais do que uma ligação às imagens rigorosamente circunscritas de Yuzo Kawashima, já que a sua câmara nunca sai do prédio onde começa e se há filmagens do exterior, é porque elas correspondem a pontos-de-vista subjectivos do prédio e nunca o contrário. O Noh faz referência ao fingimento, ao gosto e ao cuidado cerebral da impostura (e como será claro mais tarde: pai, mãe, filho e filha são, cada um à sua maneira, burlões e, por conseguinte, actores do mais alto calibre), mas também não pode deixar de fazer menção aos poderes abstractos do espaço teatral. Não nos enganemos, o décor principal de The Graceful Brute - a casa comprada às custas das fraudes e dos desvios de dinheiro - corresponde à imagem complexa e operática do palco dramático onde o material e o mental se fundem, aquele lugar onde tudo se passa e o resto é interditado, mas alimenta fatalmente a imaginação de quem observa. O T1 como espaço psicológico, como ágora dos problemas e dos diálogos acesos (e quase sempre os personagens estão em diálogo e em confronto uns com os outros, não só quando vítima e ofensor se encontram, mas principalmente quando os patifes se reúnem em família) mas também dos solilóquios mais silenciosos onde, mais uma vez à semelhança do teatro, acedemos ao mundo interior quase sempre inacessível e representado (no sentido de actuado) pelos nossos heróis do pós-guerra. Efectivamente, Kawashima nesta miscelânea crítica da modernidade, crítica executada através da tradição estética, aponta o dedo ao cinismo, egoísmo e desumanização do pós-guerra. Filma, com o rigor crítico do seu enquadramento (uma escadaria transforma-se num corredor claustrofóbico, uma varanda em grades de prisão), uma família cujos valores se distanciam em absoluto dos cânones habituais, onde, por exemplo, o pai, reformado do exército, concede a filha a um escritor famoso em troca de favores monetários, onde o filho, como uma besta indomável, extorque dinheiro de uma companhia para esbanjar em saídas noturnas, e onde a mãe (talvez a mais misteriosa das personagens) colmata, no final, a ansiedade e angústia de assistir ao último sacrifício da humanidade com uma postura assustadoramente ataráxica. Neste filme de muitos confrontos, mas pouquíssimas conclusões ou desfechos, podemos notar provavelmente a força tremenda e o fascínio daqueles que substituíram a cara com que nasceram por máscaras, representações, enganos que valem verdade. E, nesses planos derradeiros, o Japão negro, cinzento, urbanizado está à chuva...



Main Theme (1984) de Yoshimitsu Morita: ***
Após uma breve carreira como realizador pink na Nikkatsu e uma comédia independente financiada pela lendária Art Theatre Guild (falamos, é certo, de Family Game), Yoshimitsu Morita preparava-se para embarcar num estilo de cinema, muito em voga nos anos 80, que servia de veículo de promoção para a carreira de jovens actrizes/ cantoras. "Muitos", diz-nos Chris MaGee, "iriam criticar esta decisão de Morita em prosseguir com uma carreira de realizador assalariado, rodando filmes dispensáveis com ídolos pop", mas a verdade é que se nos abstrairmos da ligeireza patética do enredo e olharmos com atenção para a concentração estilística dessas produções (e Main Theme será o caso mais sintomático do filme por encomenda) descobriremos um artista no apogeu da sua sensibilidade estética. Um artista que não precisa sequer de coerência ou qualidade narrativa para fazer explodir no grande ecrã o fulgor das cores, a jovialidade experimental e a obsessão por estranhas escolhas de enquadramento. Uma actriz, presa entre o amor não correspondido de um homem mais velho e a rebeldia de um jovem mágico, acompanha todos estes devaneios estilísticos do realizador: Hiroko Yakushimaru, a personificação simultânea da inocência, presente nos papéis que interpreta, e o arrojo despreocupado dos que lançaram a sua carreira rumo à experimentação estética (Shinji Somai, Nobuhiko Obayashi, o próprio Morita, etc.). Longe de ser apenas um filme propagandístico, no sentido de uma venda da alma ao diabo, etc., Main Theme serve-se das reduzidas expectativas para desconstruir a componente formal da sua apresentação. Substitui a verossimilhança narrativa e psicológica pela atmosfera despreocupada, descomplicada, veranil e de primeiros amores. Leva ao paroxismo os clichés e satura-os com uma densidade surreal que transcende a expectativa primariamente oferecida por eles. Prova, em suma, aquilo que Bob Davis disse outrora sobre Morita: um realizador que assume uma importância vital na organização da imagem no interior do plano e na relação da imagem com o seu tom.



Rinco's Restaurant (2010) de Mai Tominaga: **
Após o surrealismo fantasista de Wool 100%, a segunda criação mais relaxada mas não menos campestre de Mai Tominaga vem no seguimento de um Kamome Diner ou de um Nonchan Noriben, isto é, filmes que reflectem o papel da culinária na vida de jovens mulheres que solitariamente decidem abrir um negócio de restauração para poder exorcizar maus relacionamentos do passado. Essa substituição afectiva e esse poder de dedicação gastronómica encenam exercícios de uma tranquilidade inabalável, onde o desenvolvimento da narrativa conta pouco (a fragmentação por sketches é o seu forte) e o poder das imagens (a confecção dos pratos, o paladar que se descobre a cada garfada, a procura pela receita ideal) é absolutamente determinante. Ko Shibasaki interpreta Rinco, filha de pai desconhecido, fugida de casa, cozinheira sonhadora, jovem singela esborrachada pela realidade ao ponto de ficar muda por trauma, enfim, uma personagem parca em palavras mas amável o suficiente para a partir das suas mãos e dos ingredientes caseiros fazer magia. De longe, as cenas mais satisfatórias são aquelas em que vemos Rinco cuidar dos paladares dos diversos clientes que passam pelo Restaurante Caracol, cujo lema é cozinhar lento e bem, sendo que quase todas as cenas acabam com uma espécie de epifania provocada pela comida cuidadosamente confeccionada. Há talvez outras cenas que se estendem demasiado (por exemplo, a relação de Rinco com a sua mãe, por vezes demasiado descritiva para ser realmente emocionante, como se pretendia) e diria até que o mais agradável de ver aqui são aqueles pequenos momentos não-narrativos onde o amor à culinária nos enche os olhos e deixa-nos de barriga vazia a desejar por mais.



Bushido Sixteen (2010) de Tomoyuki Furumaya: ***
Já com Robokon era bastante perceptível a posição de Tomoyuki Furumaya em relação ao sucesso oficial dos seus personagens. Demasiados são os filmes que acabam com aquela cena estrondosa e apoteótica, mas sem dúvida previsível, de vitória face à adversidade. Furumaya, por sua vez, esconde ou reprime esse desenlace recompensatório já que o foco é completamente outro. Em Bushido Sixteen (outra produção com jovens e o tal campeonato que se resguarda para os minutos finais) também os troféus são o que menos interessa, se bem que nunca são esquecidas a paixão para lá chegar e as relações de amizade que se estabelecem dentro da própria competitividade. Kaori e Sanae, duas estudantes do secundário, voltam a encontrar-se após uma competição de kendo onde, anos antes, a mais inexperiente ganhou à outra. A gentil e distraída Kaori nem se recorda da colega, mas Sanae, que apresenta um personalidade anacronicamente estóica, digna de um samurai, guarda rancor e pretende superá-la, inscrevendo-se na mesma escola e no mesmo clube de esgrima. Uma sonha ganhar o campeonato juvenil (por pressões paternas) , a outra deseja apenas ser amiga dela. Podemos afirmar que Furumaya pretende explorar a relação destas adolescentes tão diferentes, pegando pelas características mais imediatas que as definem para, ao longo da sua relação, as revirar e colocar nos polos quase opostos de onde começaram. Uma relação significativa corresponde a isso mesmo: aproximar duas identidades, torná-las semelhantes, mantendo misteriosamente um núcleo de distância idêntico. No limite, esse processo pode ser violento (e a verdadeira compreensão das duas amigas dá-se quando lutam sem máscaras ou protecções e a dor é real) mas cria uma intimidade próxima do amor. Não devo ter sido o primeiro a ver em certos tipos de amizade uma espécie de erotismo não reconhecido que é extremamente belo de se contemplar. Bushido Sixteen, com a sua simplicidade adolescente, concede-nos muitas oportunidades de enxergar essa beleza esguia e difícil de fixar limites. Com certeza, a ânsia de ganhar é o que menos importa aqui: para esse efeito de recusa, Furumaya resume toda a intensidade do campeonato com um grito de Kaori chamando Sanae e um plano negro. Os combates em off, as emoções em in.



The Liar and His Lover (2013) de Norihiro Koizumi: 0
Tantas coisas aqui eriçam os meus nervos que não sou capaz de guardar a frieza da primeira pessoa do plural. Este é cinema falsário ao mais alto calibre. Com uma atmosfera shoujo aberrante, pretende impressionar jovens raparigas que não conseguem diferenciar integridade artística de cultura popular. Com os dilemas postiços e os mundos "interiores, oh, tão profundos, dos personagens (uma cambada de modelos a passear estilo e frases tiradas de um manga foleiro) pretende-se tornar credível o romance entre um compositor "fantasma" desgostoso e uma rapariga de dezasseis anos (ignoro porque nunca se refere a diferença de idades talvez chocante para alguns espectadores), pronta a conhecer também os dilemas dos meandros (a busca pela artisticidade, mas qual artisticidade?), as historietas de imprensa, os romancezinhos de famosos. Tudo isto a condizer com uma fotografia pretensamente sensível no meio de tanto exagero "kawaii" e tanta pose irreal de cordel. Este é mais um filme melindroso que esconde a imaturidade fantasista e escapista através de um romantismo meloso e pseudo maduro que realmente me fez corar de embaraço a certa altura. The Liar and His Lover é cinema para raparigas no pior e mais injusto sentido do termo. Vade retro!



The Road Less Travelled (2013) de Tomoyuki Furumaya: *
Road-movie nada malicioso, porém bastante inconsequente, The Road Less Travelled (a tradução literal do título japonês é Everyone Told, Let's Definitely Meet Again) conta a história de Katsuki, um rapaz provinciano que, após ter comentado com os seus amigos o cheiro putrefacto da cidade de Tóquio como se já lá estivesse estado, decide viajar para comprovar se a sua própria mentira era verdade. Ali chegado, repara que as coisas não eram bem assim e a grande metrópole até tem os seus encantos, mas com tanto entusiasmo perde o avião de regresso, ficando impossibilitado de voltar para a distante terra natal de Kumamoto. É ocasião para dizer que Katsuki vai à boleia, saltando de encontro em encontro até chegar ao seu destino: trava conhecimento com uma recepcionista, um cabeleireiro extravagante (cameo do realizador Shinya Tsukamoto), um camionista castiço com uma doença terminal, um miúdo reguila... Mas, nada leva a grande coisa e nenhum dos personagens/momentos se destaca grandemente, quer pela cinematografia (que é televisiva no pior sentido do termo), quer pelo significado e apego que poderíamos retirar dos encontros, por mais desconjuntados e isolados que eles fossem. Infelizmente, Furumaya - que sabemos ser um realizador que aproveita os benefícios do minimalismo a seu favor - não consegue fazer mais do que um compacto de encontros desconexos, sem brilho e o charme dos seus filmes mais celebrados.



Tokyo Tribe (2014) de Sion Sono: *
Confesso que no início estava rendido. O primeiro plano é na verdade um plano-sequência bastante bem coreografado (dura uns invejáveis quatro minutos) e corresponde a uma imersão num beco néonizado de uma Tóquio futurista irreconhecível, onde a delinquência, o tráfico e a prostituição são susceptíveis de serem narrados epicamente por um rapper (Shota Sometani) mais ou menos desinteressado que se dirige ao próprio espectador. Verdade que, com uma introdução destas, Tokyo Tribe podia ser qualquer coisa: ou uma proposta visionária que conseguiria conter os excessos, mantendo uma estética única ou um aglomerado de ideias (maioritariamente visuais) que não colocaria nenhum travão a si mesmo. Conhecendo nós os vícios irreparáveis do senhor Sion Sono - um realizador no qual podemos criticar tudo menos a intensa originalidade de cada proposta - não é nada estranho que as qualidades evidentes dos minutos iniciais caíssem rapidamente na degenerescência, na repetição e na falta de gosto. O desafio era criar um filme quase rappado na integralidade ou então um musical futurista e urbano que compensasse o maniqueísmo e a ausência de complexidade ao nível da psicologia dos personagens com a mistura de referências (filmícas mas não só) e um sentimento de loucura exploitation que podíamos reportar ao seu último filme, Why Don't You Play In Hell? Aqui temos de tudo: violência num CGI atroz, artes marciais e kung fu (muito kung-fu!), guerras divisórias de gangues, humor absurdo e sexual e até alguns piscares de olho a um tal de Shuji Terayama (em particular numa cena com relógios e mobílias humanas). Tudo unido (des)harmonicamente por "beatbox" avulso, muitas rappadas fora de tempo e ocasião e uma banda-sonora que raramente soa a música. É preciso, claro, muita suspensão de juízo para aceitarmos todas as soluções infantis desta opereta barroca: veja-se, por exemplo, o dessincronismo entre cenas na batalha final, onde os personagens estão num local numa cena, noutro noutra sem qualquer ponte ou ponto de ligação. Não menos desgastante são os planos-sequência com câmara de mão que rapidamente revelam a sua inutilidade e aleatoriedade (de movimento, dentro e fora do plano) e a iluminação, a princípio curiosa, mas a longo prazo demasiado artificial com infinitos flares a cansar a vista e a paciência. Sem desprimorar a óbvia originalidade, Tokyo Tribe falha principalmente pelo extremismo da sua aparência.