16/07/15

Fragmentos de 2015/07/16



Temptation (1948) de Kozaburo Yoshimura: ***
A parceira entre Kozaburo Yoshimura e Kaneto Shindo continuava logo após o sucesso de A Ball at the Anjo House e esta nova produção da Shochiku contava outra vez com a comparência da diva Setsuko Hara. Temptation retrata a relação, a princípio paternal, entre o casado Yajima e a filha órfã de um professor seu, Takako. Depois da jovem estudante de medicina ter confessado a sua solidão ao deputado e este ter ajudado um amigo dela em tribunal, ele ainda propõe deixá-la aos seus cuidados e albergá-la em casa com os seus filhos que necessitam de uma figura materna (a mãe está internada longe com uma doença grave que nunca identificamos). A pose inocente, virginal, de Takako parece não deixar Yajima indiferente e à medida que a estadia em casa vai avançando, uma certa tensão amorosa passa a ser clara; primeiro para a esposa que vê logo em Takako uma rival, e só depois para eles os dois. Por provocação ou para contornar os olhares pudicos dos censores, Yoshimura coloca, em pelo menos duas cenas, símbolos fálicos que se intrometem nas cenas quando os comportamentos dos dois personagens pareciam ser guiados pelas mais puras das intenções: primeiro, um comboio que penetra ambos no fundo do plano quando a proposta para viver em casa é feita e, finalmente, um momento genial de subversão erótica que acontece quando, num vidro de café desembaciado pela mão de Takako, um edifício pontiagudo surge em todo o seu esplendor. Certamente, quando escreveu o argumento, Kaneto Shindo tinha em mente analisar as estruturas silenciosas da tentação, uma força que se instala nos indivíduos como um vírus e que nem sempre é diagnosticado, a despeito dos sintomas, pelos próprios quando o vivem. Neste sentido, os momentos correspondentes à consciência do pecado transfiguram os rostos e os comportamentos de Takako e Yajima como se estivéssemos na fronteira de um filme recheado de possessões demoníacas. A confissão do amor proibido, apesar do melodramatismo incontornável, introduz uma dimensão febril e insana, raríssima na altura e que, infelizmente, fica resolvida com a maior das calmas, com uma morte deslocada. Do paternalismo ao pseudo-incesto, terminando depois no romantismo imaculado, Temptation é certamente um objecto cinematográfico estranho.



Hidden Story of the Yagyu Clan (1956) de Katsuhiko Tasaka: **
Dois anos após The Great White Tiger Platoon e da estreia simultânea das duas futuras estrelas da Daiei (Raizo Ichikawa e Shintaro Katsu), Katsuhiko Tasaka preparava-se para rodar outro filme protagonizado por ambos, mas em que a rivalidade mútua tomava a dianteira, opondo-se portanto ao carácter épico e "bigger than characters" da obra predecessora. O interesse primordial de Hidden Story of the Yagyu Clan reside precisamente nessa oposição entre personagens e actores, ou melhor, nesses dois espadachins, Hyosuke e Tsunashiro, que estão destinados a confrontar-se num duelo até à morte e a resolver querelas antigas com a presença de um anjo caído e um triângulo amoroso mal encetado. As fabulações acerca do clã Yagyu são antigas e remontam aos mitos folclóricos do Japão do século XVII, mas para além disso, Tasaka aproveita ainda a presença passageira do famoso Miyamoto Musashi (é ele que ensina a Tsunashiro a técnica secreta para vencer o clã Yagyu) de modo a encenar um duelo entre personalidades históricas sem necessitar da frieza típica do historiador. Juntos no combate (a ordem glacial versus a dissidência característica do génio revoltado), os dois homens inspeccionam-se com o olhar antes dos sabres dançarem debaixo das nuvens. Nessa última cena que destoa do academismo restante, temos ilustrada a realidade cerebral do duelo samurai: usando, de maneiras diferentes, a luz solar (Tsunashiro tenciona encadear o opositor, enquanto Hyosuke precisa da sombra do adversário para calcular a distância do corte) cada estratega participa num jogo de xadrez onde a vantagem de um é a desvantagem do outro e vice-versa.



Foundry Town (1962) de Kiriro Urayama: ****
Em 1962, ano da estreia de Foundry Town, já muita tinta, ou se quisermos celuloide negra, tinha corrido no que à representação da juventude dos anos 60 dizia respeito. Com a famigerada Nouvelle Vague Shochiku, Nagisa Oshima, Kiju Yoshida e Masahiro Shinoda tinham seguido as lições de Ko Nakahira e atribuíam às existências do pós-guerra um vigor explosivo, um indício de rebeldia e um término no caos: Oshima com Cruel Story of Youth centrava a questão nos poderes auto-destrutivos do erotismo, Shinoda e Yoshida, mais fatalistas, descreviam o processo desgastante e somático do banditismo (político em Dry Lake e individual em Good-for-Nothing) enquanto que na distante Nikkatsu um cineasta como Koreyoshi Kurahara abraçava totalmente o niilismo criminoso e jazzístico com The Wraped Ones, película particularmente selvagem. Mas na mesma Nikkatsu, que também hospedava os famosos filmes de acção com yakuzas de ares ocidentalizados, um cineasta discreto estreava-se inesperadamente, Kiriro Urayama. Ele escrevia o primeiro argumento com outro nome marcante, Shohei Imamura, que também tinha adicionado pimenta na carne dos seus contemporâneos com o fervilhante Pigs and Battleships em 1961. Mas não esqueçamos que Imamura, talvez o mais cínico de toda a geração, anos antes de orquestrar nessa película infame paradas de porcos e disparar tiros de metralhadora pelas ruas, tinha realizado um filme modesto sobre quatro crianças de descendência coreana que perdiam o pai e tinham de se sustentar sozinhos. Aqui a fúria descontrolada da geração do baby-boom era substituída pela presença das camadas mais carenciadas, sendo que era também essencial traçar as relações familiares, bairristas e a relação com o as entidades patronais no meio de um clima industrial, totalmente adverso a qualquer superação das condicionantes sociais. O cariz neo-realista (sei que a definição é abusiva, mas utilizo-a com propósitos ilustrativos) de My Second Brother descrevia a ostracização estranguladora da classe trabalhadora no sentido em que não havia actos de rebeldia ou delinquência que salvassem, mesmo pela via negativa, os personagens. Só a resiliência no meio da sujidade abria a porta da esperança. Na senda dessa resposta condicionada das classes carenciadas, Foundry Town (e também o filme seguinte, Each Day I Cry) rompe com a monstruosa liberdade dos anti-heróis da Nouvelle Vague Shochiku e instala outro tipo de herói. As jovens de Kiriro Urayama (Jun em Foundry Town e Wakae em Each Day I Cry) são consideravelmente mais passivas e encontram-se ainda num processo de crescimento que acaba por transformar-se em mero confronto explícito com as condições degradantes em que vivem. O agregado familiar prova isso: um pai alcoólico e desempregado que ainda sonha com as fábricas de fundição em que contava o trabalho manual, uma mãe que cuida dos filhos e tem de ir à noite entreter clientes nos bares, um irmão mais novo que vende pombos roubados e furta leite dos correios... Todos parecem responder à questão feita por Jun numa composição para a escola: "é porque somos seres fracos que caímos na pobreza ou tornamo-nos fracos porque somos pobres?" Neste sentido, Foundry Town está profundamente preocupado com questões sociais (inclusivamente está organizado como um mosaico em que muitas vidas se cruzam e vivem a despeito da miséria) e pretende balançar o lado hostil da pobreza com a liberdade que sobra para mudar de vida, apesar do determinismo social asfixiante que parece deixar poucas possibilidades à nossa protagonista. Se a Nouvelle Vague japonesa existiu, Kiriro Urayama poderá ser um elemento chave para fixar as dissidências com o movimento e colmatar todos os outros pontos de contacto.



By a Man's Face Shall You Know Him (1966) de Tai Kato: ***
A visão extravagante de Tai Kato prossegue nesta reconstituição explosiva dos anos que se seguiram à capitulação japonesa no fim da Segunda Guerra Mundial. Repleto de incongruências históricas e outras inverossimilhanças narrativas, o retrato tenciona ser hiperbólico de modo a espelhar a raiva desses anos bordelescos e humilhantes para a nação vencida: os japoneses são as vítimas de uma cobrança kármica dos países com quem fizeram guerra, isto é, os americanos subentendidos que exercem um poder da mesma qualidade (perceptível nas prostitutas que vão e vêm do mercado negro e na falta de autonomia das forças policiais) e os mafiosos coreanos, tão exageradamente selváticos e cuja inumanidade só pode ser encarada, não como prolongamento do estigma racial que existia e ainda vai existindo na sociedade japonesa, mas como uma espécie de maldade poética, desprovida de lei e racionalidade que encontra no exercício da violência uma razão fundamental de vingança histórica. Com efeito, By a Man's Face Shall You Know Him pode ser ambíguo quanto às consequências políticas desta representação racial (os mais cépticos diriam extrema-direita), mas há muito que Tai Kato deixou tais preocupações de parte no seu cinema. O maniqueísmo da sua proposta faz-nos torcer pelo médico, ex-combatente e perdedor da guerra, que, como nos heróis dos ninkyo, só determina a acção quando é forçado a tal, porém, a irrealidade e a impunidade dos mafiosos criam uma espécie de terra de ninguém moral onde os julgamentos são convidados a ficar de parte. Nessa tensão lancinante reside toda a sofisticação de uma obra erradamente julgada boçal.



Take Care, Red Riding Hood (1970) de Shiro Moritani: ***
Num texto largamente conhecido que serviu de introito espiritual ao enorme The Man Who Left His Will on Film, Nagisa Oshima diagnosticava a malaise da sua era servindo-se da seguinte provocação: "para mim a pergunta, «como é que alguém pode morrer nos anos 70?» é a resposta a uma outra interrogação, «como é que alguém consegue viver?». Um jovem escritor com declarações não menos desconcertantes a dada altura em Take Care, Red Riding Hood confessa ao nosso ensimesmado Kaoru a desilusão com a estética literária da sua contemporaneidade: "Em vez de algo realmente belo como as flores, eles mostram directamente sexo. Estamos na era da loucura: desespero exagerado, descontrolo e falência, amplificação das deficiências, mostrar a todos a pila ou qualquer coisa! As pessoas que não fazem isto são os inimigos deste tempo! Eis o espectáculo da Dança dos Idiotas! Danças ou perdes! No centro da Dança dos Idiotas, Mozart. Não! Façamos ouvir Wagner! «Isto é bom! Diz connosco!» É por isso que é absurdo!" Na verdade, ambas as passagens servem de pista para entendermos a solitária melancolia do filme de Shiro Moritani, um mosaico tácito de memórias vagas, relfexões neuróticas, delírios fantasistas que tomam a forma de um autêntico solilóquio cinematográfico que fixa a partir da confissão subjectiva os sinais dos tempos. Os devaneios do jovem Kaoru, longe de serem apenas o manifesto da sua adolescência e das hormonas borbulhantes típicas dessa idade, estão cronometrados com a morna decadência dos movimentos estudantis japoneses cuja acção contestatária radical durante os últimos dois anos da década precedente tinha, ainda assim, levado ao encerramento da prestigiada Universidade de Tóquio. Esse impasse em seguir os estudos tão ansiados pela família leva o nosso protagonista a adoptar um olhar inquiridor dotado da precisão clínica comum aos romancistas que tanto lê. Do que é que esse olhar analítico se alimenta? Das mulheres (a indefinição amorosa com uma amiga de infância, a ex-namorada do seu irmão advogado, objecto da imaginação mais fértil e desconfortavelmente sexual), dos colegas que banham a sua vida no hedonismo pretensioso, da cidade que nunca pára de atropelar os que se dignam a perder-se nas multidões para reflectir enfim, da indefinição política e social de uma juventude que impingia a política como um corpo sem esqueleto. Só os forasteiros do presente conseguem analisar as características mais obscuras e determinantes do tempo que vivem. Take Care, Red Riding Hood toma, portanto, a perspectiva daqueles jovens conservadores que não dançam a dança dos idiotas, ficam no canto a observar a grande festa do desespero (talvez a tocar piano, como aliás, acontece numa cena inspirada) e, talvez, consigam dar uma resposta ao eco enigmático de Oshima: "como é que alguém consegue viver nos anos 70?"



A Man's Flower Road (1986) de Sion Sono: 0
Decisive Match! Boys Dorm Vs Girls Dorm (1988) de Sion Sono: 0
Para ser politicamente correcto, podemos começar por dizer que as primeiras criações 8mm do então jovem e inexperiente Sion Sono provam a inquestionável energia lírica que iria afectar toda a sua obra subsequente, mas também deixam claros os pecados amadores de um pré-cineasta (que, ao contrário da pescada, antes de o ser não o era) com ganas de filmar, mesmo que não soubesse inteiramente o quê nem como concatenar ideias díspares, saídas de um processo criativo que julgamos demasiado espontâneo e até aleatório. Podemos contextualizar a má-língua, argumentando a escassez dos meios e o carácter caseiro (quiçá corajoso?) de toda a empreitada, porém estas duas primeiras longas-metragens não envelheceram nada bem e demonstram - se demonstram alguma coisa de positivo -, o processo de experimentação (não confundamos com processo experimental) de alguém que entra de cabeça, irresponsável, na sétima arte. A Man's Flower Road, na senda dos trinta minutos egocêntricos de I Am Sion Sono, mistura gritaria adolescente, obsessões auto-biográficas (Sono coloca a sua família perante as câmaras na segunda parte do filme), imagens de assinatura de um Shuji Terayama (os relógios carregados nos braços simbolizando o tempo, os planos trémulos da corrida pelas linhas férreas retirados directamente de Throw Away Your Books Rally In The Streets) e, finalmente, um humor bizarro que não coaduna com o sentimentalismo adolescente da perda do lar e de uma certa desintegração familiar, representada pelo desaparecimento da irmã. Da mesma forma, Decisive Match! Boys Dorm Vs Girls Dorm segue exactamente o mesmo caminho do seu predecessor. Com um título que relembra os primeiros passos na realização de um Sogo Ishii (também em 8mm), o filme estranhamente nega o clímax do confronto entre raparigas e rapazes que estava a construir e que inclusivamente está presente no título e prefere ilustrar a intimidade de dois ou três personagens, servindo-se da metáfora do "peixe fora de água" para caracterizar a indefinição (identitária, sexual) desconfortável e silenciosa da mocidade. Como referimos anteriormente, a aleatoriedade  de certas cenas e a incapacidade de conferir um ritmo equilibrado prejudica o significado e o sentido das motivações da narrativa, pelo que nem temos a certeza da veracidade do que descrevemos acima. O que fica à nossa frente é, portanto, aquela componente mais imediata e superficial das acções dos personagens, ou melhor, dos entes filmados (pois a carência de complexidade psicológica engendra entes filmados e não personagens), o que para Sono quer dizer o mesmo do que filmar incessantemente, e sem qualquer pudor ou noção de rigidez do plano, correrias enjoativas, gritos para o nada e braços no ar. Tanto A Man's Flower Road como Decisive Match! terminam assim, num momento catártico que pode significar apenas uma ânsia de libertação e libertinagem próprias da idade, e Sono ainda hoje faz da imaturidade uma marca autoral.



Echo of Silence (2008) de Atsuro Watabe: 0
As películas japonesas passadas na neve são o equivalente americano do filme sobre o deserto ou das autoestradas a perder de vista ali suplantadas. Num caso e noutro, os realizadores tendem a aproveitar a aridez natural da paisagem para abordar casos limites de comunicação e se muitas vezes eles sabem o que estão a fazer, alcançando uma simbiose perfeita das relações entre homem e lugar, outras decididamente não. Tudo depende do talento e da visão. No caso de Echo of Silence, um filme tão parco que de nenhuma maneira redime o baixo orçamento com que iniciou os trabalhos, o ambiente introspectivo típico dos décors desérticos parece ser mera desculpa para quase nada se desenvolver a nível de argumento e personagens, acabando qualquer atenção por ficar suspensa no tédio com uma mise en scène desajeitada a roçar o amadorismo. Para além de realizador, Atsuro Watabe também interpreta um misterioso surdo que trava conhecimento com uma rapariga, Fusako e juntos desenvolvem um romance que é tão gélido como os troços de neve que os personagens pisam sempre que querem deslocar-se para algum lado. Apesar do título poético que até deveria ter o significado exactamente oposto, Echo of Silence prova-nos que o eco do silêncio não é outra coisa senão silêncio e que, por muito que queiramos ler nas entrelinhas, o vazio aproxima-se mais da nulidade do que da unidade.



Bon Lin (2014) de Keiichi Kobayashi: ***
Por mais que quisesse escapar à catalogação autoral, durante o visionamento de Bon Lin a mesma frase-síntese ecoava na minha cabeça: "a peculiaridade cria personalidade". Repito a mesma coisa que disse anteriormente em About the Pink Sky, mas se o faço é porque ambos os filmes (por agora os únicos do cineasta) são o espelho um do outro. Ambos concedem a mesma liberdade à singularidade de carácter e, talvez por causa disso, utilizam os diálogos de maneira tal que a diegese acaba por ir a reboque das conversas, dos trocadilhos, dos momentos embaraçosos ou constrangedores, estes decorrentes dos choques entre personalidades. Para além do mais, são filmes que contam com uma protagonista feminina com ideias fixas que acaba por arrastar pessoas de modo a cumprir algum desígnio meio obscuro, prova da quase absurdidade de todo o esforço se nos focarmos exclusivamente nos frutos do plano. Em Bon Lin também regressam os planos longos, a fotografia cuidada sempre fugindo ao ar deslavado e popular do digital e, claro, a crença indie de que os meios são mais importantes do que os fins. Mas se escrevo mais entusiasmado sobre Bon Lin é precisamente porque esses meios, isto é, toda a envolvência que rodeia os personagens (otakus que não se julgam otakus) chega a superar aquele sentimento morno e mais disperso de About the Pink Sky e consegue transmitir algo mais sobre uma certa juventude atípica japonesa. Bon e Lin, uma rapariga e rapaz virgens mas amantes de BL (Boys Love, o termo na cultura manga que diz respeito à representação explícita ou romanceada de relações homossexuais masculinas), pretendem encontrar e "salvar", juntamente com um amigo virtual, Bebi, uma outra amiga de infância que, ao que parece, sofre maus tratos do seu mais recente namorado. Os três passeiam por Akihabara, o bairro geek de Tóquio, e dão-se a conhecer: Bebi, que na verdade não passa de um adulto que desperdiçou a sua vida a ver anime e ir a bordeis, é o saco de encher do grupo; Lin, meio andrógino que diz não gostar de homens mas admite ter sido apalpado umas vezes no comboio, segue a sua "irmã mais velha" para todo o lado e Bon, que podia ser muito bem amante de Lin, mas não o é por puritanismo e medo de se entregar ao pecado da carne, na sua óptica a decadência da alma, a despeito de ter um humor caustico, umas vezes sexualmente sugestivo, outras explícito. Todos estes personagens estão representados sob o signo da virtualidade: e não é que Kobayashi critique duramente este medo ou arrogância de experimentar o mundo sem filtros, mas diverte-se e diverte-nos a explorar os tiques de uma geração que parece ter perdido o contacto com a realidade e parece viver na fronteira entre a desintegração subjectiva e a mimese. Mesmo quando Bon devia ter aprendido a sua lição, a maneira como se expressa reflecte de maneira hilariante que a peculiaridade, por mais estranha que seja, cria uma personalidade magnética que urge descobrir. Bon: "a angústia também tem um ânus". Lin: "Há sempre uma saída". Bon: "O ânus não é uma saída, mas antes uma maneira de entrar."