03/07/13

Fragmentos de 2013/07/03



A House in the Quarter (1963) de Tomotaka Tasaka: ***
Algumas considerações sobre a diferença entre este A House in the Quarter e o já visto neste espaço May Love Be Restored, ambas adaptações do mesmo romance de Tsutomu Minakami, Gobancho Yugiriro. Primeiro, destaca-se a diferença óbvia de cinematografia que nos leva àquela discussão velha de nos anos 60 se cuidar muito melhor da imagem do que nos anos 80 (aqui temos cinema, no outro tínhamos televisão). Tasaka está também, ao contrário de Yamane, muito mais interessado em aprofundar os sofrimentos e o percurso emocional de Yuko, a jovem prostituta vendida pela própria família, do que, por exemplo, desenvolver o romance ou as motivações do seu amante, um aprendiz de monge frágil e gago. Mesmo o acontecimento do incêndio do Templo do Pavilhão Dourado, consagrado em May Love Be Restored numa cena longa e que era o grande acto de revolta do monge, aqui foi reduzido a um plano distante da luminosidade do fogo e do fumo na rua do quarteirão do prazer. Nesta versão de Tasaka, o que conta é, portanto, a descida trágica de Yuko que espera doente pelo amante que não verá mais. Postas as coisas assim, podemos dizer que aqui não perdemos o foco da heróina e que, não é de todo necessário mostrar uma relação amorosa para o espectador poder sofrer pela sua falta. Apenas necessitamos de um personagem forte.



Decapitation of an Evil Woman (1977) de Yuji Makiguchi: ***
Na continuidade (i)lógica da saga ero-guro de Teruo Ishii para a Toei ou das loucuras barrocas de Norifumi Suzuki, Yuji Makiguchi mantêm-se um fiel sucessor da estética do exagero, da saturação e do paroxismo, sendo também daquele tipo de cineastas que consegue abusar dos tiques grindhouse (série-B, como desejarem) sem com isso tornar piroso e, a passos, menos profundo o seu ofício de narrador. Devedor grato da estética manga, Makiguchi demonstra-nos uma era Meiji aos pulos e em erupção, anacrónica (veja-se o uso da banda-sonora moderna) - brilhante até nos delitos mais graves - e repleta de rebeldia trágica. Vale-nos, no que às interpretações diz respeito, Terumi Azuma que arrecada uma belíssima prestação como mulher criminosa que irá ser executada pelo homem que amou. A cena final quebra com o ambiente folgado do resto do filme, introduzindo uma conclusão digna de respeito. Não julguemos, portanto, o livro pela capa.



Zero (1984) de Toshio Masuda: *
O filme bélico japonês passou por muitas transformações ao longo do tempo. Porém, se essa mutabilidade não foi alheia às flutuações históricas nem tão pouco à derrota marcante na 2ª Guerra - o que fez que as produções propagandistas nos anos 40 rapidamente dessem lugar a um desencanto visceral e anti-militarístico ao longo dos anos 50/60 - o facto é que nem sempre os cineastas japoneses olharam para a participação na 2ª Guerra com essa negação categórica de alguns mestres (Imai, Ichikawa, etc.) Até já referimos por aqui uma vaga de filmes sentimentais sobre a prestação dos soldados e a sua inexorável morte pela nação: a Toho produzia estas películas nos anos 60 como se fossem ninkyos modernos. A arte bélica costuma, pois, focar-se no soldado e não na guerra, mas no caso do Japão temos sempre de falar de uma obrigatoriedade fáctica (o peso da derrota real) que reencaminha a fantasia à realidade pessimista, portanto, mesmo os filmes injustos - como este Zero - , historicamente imprecisos e que glorificam o espírito colectivo têm sempre de se conformar à hecatombe no desenlace. Num certo sentido, mesmo o romantismo associado à bravura dos soldados diz respeito a uma estética de derrota, na qual se salvaguarda, apenas na imaginação, o ideal do herói para todas as circunstâncias. Toshio Masuda, que passou os primeiros cinco anos da década de 80 a filmar grandes épicos sobre as batalhas emblemáticas do século XX japonês, está completamente embrenhado neste tipo de avaliação confusa. Os seus pilotos são a personificação deste género de herói fabricado para o público, com a distância devida para apagar a realidade desumana da guerra. Aqui, o trágico só pode vir pela derrota e não pela guerra, o que revela uma mensagem fraca e circunstancial.



The Hidden Festival (1998) de Taku Shinjo: **
O cinema japonês não deixou nunca de representar o misticismo primitivo de comunidades deslocadas do tempo e da modernidade, apegadas a uma ritualística basilar, transmitindo assim aos invasores urbanos um regresso ao passado e às origens. Imamura, Terayama e outros viraram-se para a antropologia filmada para resgatar reencontros particulares, com uma dimensão hierática (no caso do segundo) e socialmente crítica (no primeiro). No entanto, Taku Shinju, que ficou mais conhecido por ter rodado o polémico e ultra-conservador filme kamikaze For Those We Love, não está interessado na dimensão revitalizadora do primitivismo deste género de sociedades e portanto apenas vê cabimento na linguagem policial, como se essa componente mística mais não fosse do que apenas confronto letal com os que são estrangeiros a ela. Shinjo sabe filmar as tremendas paisagens de Okinawa mas a pouca destreza no pay-off narrativo (que acaba com uma cena final circular bastante anedótica) não deixa este Hidden Festival sair da razoabilidade.



Weekend Blues (2002) de Kenji Uchida: **
A primeira longa-metragem esquecida de Kenji Uchida (modesta quanto aos meios, mas já marcada pela inventividade narrativa) demonstra muito bem a destreza humorística - sem necessidade de ser totalmente deslocada de sentido ou absurda - que seriam características do realizador, nomeadamente em A Stranger of Mine (2005). Tal como nesse filme, a comédia serve para aprofundar os dilemas de um personagem falhado, cuja epopeia (mais ou menos verosímil) se vai construindo à medida que a acção prossegue e vai revelando contornos mais sórdidos. Temos de sublinhar a prestação do novato Takashi Nakagiri, que interpreta um pobre salaryman simpático, mas sem grande jeito para ser protagonista. Alguns momentos, relativos a essa incapacidade de liderar a trama, são divertídissimos, mesmo que a narrativa por vezes ande à deriva (algo que estaria totalmente limado no seu próximo filme).



11.25: The Day He Chose His Own Fate (2012) de Koji Wakamatsu: **
Não nos enganemos: esta versão da história dos últimos dois anos do lendário Yukio Mishima não é um exercício audaz, convulsivo e multiforme (à imagem e semelhança do seu protagonista) como Paul Schrader nos tinha presenteado há quase trinta anos. Assistimos, antes, a uma ablação integral, tanto estilística (parece que Wakamatsu teve de se conter radicalmente na forma para não ser obrigado a tomar qualquer posição política) como diegética (qual o lugar para o Mishima escritor nesta adaptação?) Parece mesmo que a apresentação quadrada e a secura imagética (repetição de planos, uso entediante de uma linguagem cinematográfica simples para facilitar o discurso, etc.) serve apenas para demonstrar, por A mais B, as razões que levaram Mishima a tomar de assalto o quartel da polícia e cometer harakiri juntamente com alguns membros da sua milícia, os Tatenokai. Grande parte do filme concentra-se na relação do escritor com os seus compatriotas, ressalvando apenas o Mishima político que foi sempre o menos interessante e o mais odiado, mas também estranhamente respeitado, pelos esquerdistas - Wakamatsu, ele próprio, não consegue sair deste enquadramento. Um uso tão cru das suas motivações políticas e sociais sem o complemento devido com a sua obra e o modo como "espada e caneta se juntariam numa só acção definitiva" acaba por ser uma leitura demasiado literal, demasiado bruta para fazer justiça à complexidade inacreditável do pensamento de Mishima. Aqui ficamos pelo ideal conservador, e não problemático do samurai, como se o autor estivesse petrificado e fosse digno de contemplação por causa do distanciamento histórico. Eis a nossa declaração de intenções: preferimos quando a arte ressuscita os autores e não quando os torna parte do passado e da indagação histórica (Mishima de Schrader versus Mishima de Wakamatsu).

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